Fairchild PT-19 e PT-3FG no Brasil

História e Desenvolvimento.
A Fairchild Aviation Corporation seria fundada em 1924 por Sherman Fairchild, se estabelecendo com sede em Farmingdale, e East Farmingdale, Nova York, sendo designada como a empresa-mãe dos muitos interesses da companhia no segmento aeronáutico. A empresa produziria a primeira aeronave norte-americana a incluir um cockpit totalmente fechado e trem de pouso hidráulico, o Fairchild FC-1. Em seu processo de expansão fundou a subsidiaria canadense Fairchild Aircraft Ltd. de Longueuil em Quebec, produzindo grande número de aeronaves até o início da década de 1950. Dando sequência a este processo de crescimento, outras empresas seriam adquiridas ou incorporadas como a  Caminez Engine Company em 1925,  e em 1929 a Kreider-Reisner Aircraft Company de Hagerstown, Maryland. Além do modelo Fairchild FC-1 a empresa seria notabilizada pelo lançamento do Fairchild 71, que fora projetado especificadamente para o emprego em missões de fotografia aérea, superando assim as limitações dos modelos em uso que eram incapazes de voar de maneira constante a uma altitude suficiente. Seu primeiro contrato governamental seria firmado em 1935, quando a empresa seria contratada pelo ministério da agricultura para o desenvolvimento de pesquisas baseadas em fotografias aéreas para rastrear e mapear a erosão do solo e seus efeitos. O modelo Fairchild 71 apresentava excelentes características de desempenho e capacidade de transporte os levaram a se tornar um dos aviões mais populares da época, se notabilizando ainda por integrar a estrutura de aeronaves da expedição do famoso explorador Richard E. Byrd ao Polo Sul entre os anos de 1928 e 1929.

Apesar de deter boa participação no mercado civil norte-americano, ainda faltava a empresa galgar maiores desafios junto ao meio militar, e a oportunidade perfeita se materializaria em fins da década de 1930 com a efervescência do crescimento da arma aérea nos Estados Unidos. Neste período o treinamento básico dos futuros pilotos do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC) era realizado junto aos biplano  Boeing PT-17 Stearman, aeronave esta que apesar de apresentar a configuração antiquada, oferecia comandos dóceis e facilidade de pilotagem, não forçando assim os cadetes a desenvolver melhores habilidades em voo , que futuramente  lhes seriam exigidas quando da operação de modernas aeronaves de combate de grande desempenho.  Com a finalidade de sanar esta preocupante deficiência o comando da aviação do exército decidiu pela substituição a curto prazo dos Boeing PT-17 Stearman, levando assim a abertura de uma concorrência para o desenvolvimento de um monomotor monoplano que aliasse o aumento na habilidade de pilotagem aos baixos custos de manutenção e operação. Oito empresas norte-americanas responderam a este chamando, apresentando dezoito propostas de modelos de aeronaves de treinamento, entre estes concorrentes, estava a Fairchild Aircraft Co. com seu modelo M-62, que havia realizado seu primeiro voo nas instalações da empresa em Hagerstown, Maryland em 7 de maio de 1939.
Todos os concorrentes seriam submetidos a um extensivo programa de avaliação comparativos e ensaios em voo, com a decisão pendendo para a escolha do M-62 da Fairchild Aircraft. Esta nova aeronave de dois lugares em tandem, com cockpit aberto, apresentava a moderna configuração monoplano de asa baixa cantiléver, com trem de pouso fixo e design do volante de cauda. Apresentava construção simples, porém robusta, incluindo uma fuselagem de tubo de aço soldado coberto de tecido, com as demais aéreas da aeronave fazendo uso de compensados, com uma seção central revestida de compensado, painéis de asa externos e montagem da cauda. O uso de um motor em linha invertido Ranger L-440-3 de 175 HP, permitiu uma área frontal estreita, ideal para visibilidade, enquanto o trem de pouso fixo amplamente separado permitia um manuseio em solo sólido e estável. O primeiro contrato celebrado entre a empresa e o Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC) previa a entrega de mais de duzentas e ciquenta aeronaves, que passaram a ser disponibilizadas em meados de 1940 para as escolas de aviação militar, recebendo a designação de PT-19. Rapidamente o modelo conquistou a simpatia de instrutores e alunos das organizações responsáveis pela formação dos novos pilotos, levando assim a formalização de encomendas de mais aeronaves. O eclodir da Segunda Guerra Mundial na Europa, iria determinar a sua produção em larga escala, visando assim atender as demandas emergenciais de formação de milhares de novos pilotos. O primeiro contrato emergencial seria celebrado no início de 1941, prevendo a entrega de mais de três mil aeronaves, agora equipadas com o novo motor Ranger L-440-3 de 200 hp de potência.

Para se atender o cronograma de entregas previsto em contrato foi decidido pulverizar a produção das aeronaves entre as fabricas das empresas Fairchild Aircraft , Aeroanca Middletown e St. Louis Aircraft Corporation do agora designado PT-19A. A necessidade de se treinar os pilotos para voo por instrumentos, levaria a conversão de seis aeronaves na linha de produção incorporando uma cobertura do tipo capota, de lona, que podia ser puxada sobre a cabine da frente permitindo que o cadete realizasse o voo completamente às cegas e somente por instrumentos. Essa nova versão passou a ser denominada PT-19B recebendo um contrato para a aquisição de novecentas células que deveriam ser produzidas nas linhas da Fairchild e Aeroanca.  Geralmente confunde-se o PT-19B para treinamento de voo por instrumentos com o PT-26, uma versão exclusiva para as Forças Armadas Canadenses, que possuía a cabine coberta, que visava proporcionar mais conforto para os tripulantes, muito em função das condições climáticas daquele país. Quando uma escassez de motores ameaçou a produção, seria introduzido o modelo PT-23, que era idêntico, exceto pelo motor radial Continental R-670 de 220 hp. Um total de oiticentos e sessenta e noves PT-23s seriam construídos, bem como duzentos e cinquenta do PT-23A, que era a versão equipada com vôo por instrumentos. O PT-23 foi fabricado nos Estados Unidos pela Fairchild Aircraft, Aeronca Aviation, St. Louis Aircraft Corporation e Howard Aircraft Corporation, e no Canadá pela Fleet Aircraft Corporation. Comparado aos treinadores biplanos anteriores, o Fairchild PT-19 pode ser considerado um divisor de águas, pois pela primeira vez no estágio de treinamento básico os cadetes tinham acesso a uma aeronave de bom desempenho em altas velocidades e o carregamento das asas aproximava-se mais do das aeronaves de combate, com as características de vôo exigindo mais precisão e cuidado, resultando assim na formação das habilidades e rendimento dos alunos.
Suas principais virtudes estavam baseadas em sua simplicidade, baixo custo de aquisição e operação além de confiabilidade e segurança em voo. Vale citar que os PT-19 foram a principal aeronave de treinamento das Mulheres Pilotos de Serviço da Força Aérea - WASP (Women's Airforce Service Pilots), organizações civis destinadas especificamente a formação de aviadoras, principalmente entre os anos de 1942 a 1944, liberando assim os homens para atuar nas missões de combate. Suas características positivas como treinador básico seriam notadas por outros países, sendo inclusive produzido sob licença no Canada e Brasil, com o objetivo de se desafogar as linhas de produção norte-americanas. Ao todo foram entregues 7.742 unidades dispostas em dez versões com emprego pelos Estados Unidos, Canada, Brasil, Chile, China, Colômbia, Equador, Haiti, Índia, México, Nicarágua, Noruega, Paraguai, Peru, Filipinas, África do Sul, Rodésia, Reino Unido, Venezuela e Uruguai. Atualmente existem ainda centenas de aeronaves em condições de voo sendo mantidas por museus ou colecionadores.

Emprego na Força Aérea Brasileira.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou a ter uma posição estratégica tanto no fornecimento de matérias primas de primeira importância para o esforço de guerra aliado, quanto no estabelecimento de pontos estratégicos para montagem bases aéreas e operação de portos na região nordeste, isto se dava pois esta região representava para translado aéreo, o ponto mais próximo entre o continente americano e africano, assim a costa brasileira seria fundamental no envio de tropas, veículos, suprimentos e aeronaves para emprego no teatro europeu. Como contrapartida no intuito de se promover a modernização das Forças Armadas Brasileiras, que neste período estavam à beira da obsolescência em materiais, quando de doutrina militar (pois havia grande influência francesa no meio militar brasileiro pois por muitos anos o país ainda era signatário da doutrina militar francesa que fora desenvolvida durante a Primeira Guerra Mundial. Este processo de reequipamento teria início em meados de 1941 após a adesão do governo brasileiro do presidente Getúlio Vargas ao programa norte-americano denominado Leand & Lease Bill Act (Lei de Arrendamentos e Empréstimos). Os termos garantidos por este acordo viriam a criar uma linha inicial de crédito ao país da ordem de cem milhões de dólares, para a aquisição de material bélico, proporcionando ao país acesso a modernos armamentos, aeronaves, veículos blindados e carros de combate. Estes materiais e equipamento seriam vitais para que o país pudesse estar capacitado para fazer frente as ameaças do Eixo que se apresentavam no Atlântico Sul e no futuro front de batalha brasileiro nos campos da Itália. No que tange a aviação de combate a recém-criada Força Aérea Brasileira era a arma que mais carecia de modernização pois herdará da marinha e exército de aeronaves já ultrapassadas e não adequadas as ameaças existentes naquele período. Uma das prioridades era a formação de muitos pilotos militares, e para esta tarefa em temos de aeronaves relativamente modernas estavam à disposição poucas unidades dos modelos North American BT-13 e NA 72, sendo inferiores as demandas exigidas.

Os contratos de apoio militar norte-americano previam a entrega de grandes quantidades de aeronaves de treinamento básico e avançado, que seriam fornecidos em lotes, com o primeiro grupo sendo recebido em de 1942. Entre diversos modelos estavam cem células novas de fábrica do consagrado Fairchild PT-19 Cornell, aviões que deveriam ser empregados em tarefas de instrução básica. Estas aeronaves seriam entregues aos pilotos brasileiros nas instalações do fabricante na cidade de Hagerstown, Maryland, o desafio de trazer estas aeronaves ao Brasil seria de grande complexibilidade, pois o intensificar da batalha do Atlântico com a crescente ameaça dos submarinos alemães e italianos, neste período inviabilizava o transporte das aeronaves desmontadas por via marítima. Apesar de não aconselhável, a única opção restante era o translado por via área, quando todas as aeronaves seriam trazidas em voo, dos Estados Unidos ao Brasil por pilotos da Força Aérea Brasileira. Sem dúvida, isso significava que tais oficiais iriam cumprir uma missão do mais alto risco, pois na década de 1940, existiam poucos campos de pouso na América Central e na região norte da América do Sul. E facilidades como auxílios-rádio à navegação e infraestrutura de apoio logístico e de manutenção, então, eram praticamente inexistentes, além disso a aeronave por ser destinada ao treinamento primário não era apropriada para uma viagem tão longa e perigosa, pois além de serem construídos em madeira, os Fairchild PT-19 Cornell apresentavam cockpits abertos e desconfortáveis, com este fato agravado por sua pequena autonomia. Como complicador seus motores Ranger L-440, de seis cilindros invertidos consumiam grande quantidade de óleo lubrificante, e este item poderia ser realmente escasso em termos de reabastecimento durante a jornada devido à falta de infraestrutura aeroportuária citada anteriormente, pesava também como fator de risco ainda  a ausência de rádios e de instrumentos de navegação.
Assim os aviões , recebidos na fábrica, eram geralmente reunidos em grupos de cinco aeronaves, cada uma das quais pilotada por um único oficial. Na nacele dianteira, era instalado um tanque suplementar de combustível, para aumentar o alcance do pequeno avião. Para cada uma das primeiras esquadrilhas, era incorporado um avião Fairchild UC-61, nessa aeronave, viajavam o comandante da esquadrilha, um sargento mecânico e um piloto reserva. A quantidade de bagagem que cada avião trazia era mínima, devido à necessidade de se trazer várias latas de óleo lubrificante para os motores Ranger L-440. Entre julho e agosto de 1941, trinta Fairchild PT-19 foram trazidos em voo, desde Hagerstown até o Campo dos Afonsos, através da América Central continental e do litoral da América do Sul, pois era praticamente impossível, naquela época, sobrevoar a Amazônia pelo interior. Essas primeiras esquadrilhas fizeram um voo realmente épico. Como o Brasil já estava praticamente às portas da guerra, não havia como esperar que a época das chuvas passasse. As condições meteorológicas, eram horríveis. Enquanto as aeronaves voavam acima do território dos Estados Unidos, o ar era quente e seco, e a névoa seca dominava amplas regiões. A partir da América Central, o ar era sempre muito úmido, com formação frequente de Cbs (cumulus nimbus) e muitas pancadas de chuva, até o Rio de Janeiro. Os oficiais norte-americanos, ao tomarem conhecimento da intenção dos pilotos brasileiros de levarem os Fairchild PT-19 em voo para o Brasil, fizeram sombrias previsões de que pelo menos 40 % dos aviões ficariam pelo caminho, pois as condições eram imprevisíveis e as  aeronaves não eram dimensionadas para este tipo de deslocamento de longa distância. 

Embora o risco da viagem fosse óbvio, só houve uma perda de vida em todas as viagens durante esta mega operação de translado aéreo: o Primeiro-Tenente Aviador QO Aux. Kenneth Lindsay Molineaux, acidentou-se com o seu PT-19 quando sobrevoava o Território do Amapá, sob forte chuva. Além dessa aeronave, houve somente mais duas perdas de aviões Fairchild PT-19, mas ambos os pilotos sobreviveram. Isso dá um índice de perda de menos de 3 % do total de cento e seis aeronaves PT-19 que foram transladadas em voo dos Estados Unidos ao Brasil, durante toda a Segunda Guerra Mundial. As perdas de outros tipos de aeronaves foram ainda menores, furando as terríveis previsões dos oficiais norte-americanos de perda. Ao longo do conflito mais 65 aeronaves novas de fábrica seriam entregues desta maneira. Logo da chegada das primeiras esquadrilhas, os Fairchild PT-19 Cornell foram direcionados a Escola de Aeronáutica (EAer) baseada no Campo dos Afonsos na cidade do Rio de Janeiro, onde passaram a ser empregados no estágio básico de treinamento dos futuros pilotos da Força Aérea Brasileira. A exemplo do ocorrido junto as instituições de ensino do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC), os Fairchild PT-19 longo conquistaram a confiança de alunos e instrutores, despertando assim o interesse do Ministério da Aeronáutica (MAer) na aquisição de mais células da aeronave. Negociações sobre este tema junto ao governo norte-americano, resultariam na obtenção de uma licença para a produção desta aeronave no país, com o processo sendo direcionado as instalações da Fábrica do Galeão.
Este programa incluía vinte aeronaves pré-série a serem montadas no país com componentes importados, seguido por mais células que passariam a adotar gradativamente componentes nacionalizados, perfazendo grande parte da aeronave é claro a exceção do motor Ranger L-440. A produção teve início em 1944 e até meados de 1947 seriam entregues duzentas e trinta e quatro aeronaves que foram designadas localmente como 3-FG (modelo 3 Fábrica do Galeão). Ao longo de toda sua carreira, os Fairchild PT-19 foram responsáveis pela formação de mais de dois mil e quinhentos pilotos brasileiros, mas no início da década de 1950 ficava clara a necessidade de substituição da aeronave por modelos mais modernos. Esta demanda levaria a criação de um programa de produção sob licença de um novo treinador primário que resultaria no contrato para a produção do Fokker S.11. O avançar deste projeto determinaria o início de um processo de retirada gradual dos Fairchild PT-19 remanescentes, com as aeronaves em bom estado sendo transferidas para o Departamento de Aviação Civil (DAC) a fim de serem doadas a aeroclubes espalhados pelo país. Cabe ao Fairchild PT-19 a marca de ser a aeronave militar empregada em maior número na Força Aérea Brasileira, atingindo a cifra de quatrocentas e cinco células incorporadas.

Em Escala.
Para representarmos o Fairchild PT-19B "FAB 0310" pertencente a Escola de Aeronáutica (EAer), fizemos uso do kit em resina na escala 1/48 do fabricante GIIC Models. Modelo este que apresenta facilidade de montagem e opções de detalhamentos interessantes, procedemos como alteração apenas a inclusão dos tripulantes. Empregamos decais confeccionados pela GIIC Models originaos do modelo.

O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o padrão de aeronaves de instrução empregado pela Escola de Aeronáutica, com a qual as aeronaves foram inicialmente recebidas, mantendo este esquema também para as células fabricas no Brasil. Registros fotográficos apresentam pequenas alterações neste padrão, como a inclusão de identificação numérica de esquadrilhas de adestramento e  marcações tipo "Shark Mouth" (bocas de tubarão).



Bibliografia :

- Fairchild PT-19 - Wikipedia - http://en.wikipedia.org/wiki/Fairchild_PT-19
- História da Força Aérea Brasileira, Prof Rudnei Dias Cunha- http://www.rudnei.cunha.nom.br/FAB/index.html
- Aeronaves Militares Brasileiras  1916 – 2015 Jackson Flores Jr