Avro 504K na Aviação Naval

História e Desenvolvimento.
A origem da notável empresa aeronáutica britânica A.V Roe and Company, ocorre no ano de 1908 quando o primeiro aeroplano projetado e fabricado artesanalmente pelo engenheiro inglês Alliot Vernon Roe, decolou dos campos de Manchester para a realização de seu primeiro voo. Podendo este modelo ser seguramente considerado como primeira aeronave de projeto 100% inglês. Motivados pelo sucesso dos primeiros testes de voo, os irmãos Humphrey, Edwin Alliott Verdon-Roe, fundaram em 1 de janeiro de 1910 no porão da companhia Everards Elastic Webbing Company em Brownsfield Mill em Manchester, a empresa A.V. Roe & Company, esta que seria também uma das primeiras empresas construtoras aeronáuticas do mundo. Paralelamente, um galpão seria alugado no Brooklands Flying Grounds para o qual Edwin Alliott movia as aeronaves acabadas, funcionando assim com uma loja, onde elas eram oferecidas a este novo mercado consumidor por apenas £450 libras esterlinas. As vendas começaram a evoluir e conjuntamente o projeto das aeronaves também, sendo que no final do ano de 1912, o negócio além de se provar viável em termos de retorno financeiro. A empresa passava também a demonstrar um fantástico potencial de crescimento, e em 11 de janeiro do ano seguinte, se tornaria um negócio completamente autônomo. Apesar do otimismo com a efervescência do mercado, cada vez mais concorrentes chegavam a este segmento, oferecendo assim riscos ao potencial de crescimento da A.V Roe and Company. O grande fator do impulso fundamental para  desenvolvimento futuro da empresa, se daria com o o lançamento do modelo Avro E (ou Avro 500), que lograria a companhia a obter o primeiro contrato militar em 1913, com a encomenda de dezoito células para Corpo Aéreo Real RFC (Royal Flying Corps) que seriam destinados a operação junto aos Esquadrões de Treinamento 3º, 4º e 5º.

Com boa aceitação junto aos pilotos e ao comando do Corpo Aéreo Real (Royal Flying Corps), a empresa decidiria investir recursos no aprimoramento do projeto, o que levaria ao conceito do novo Avro Modelo 504. Apesar de baseado em seu antecessor, o projeto se mostrava muito promissor, levando a A.V Roe and Company a optar pela fabricação de dois protótipos em julho do mesmo ano. A primeira aeronave alçou voo em 5 de setembro de 1913, bem a tempo de poder participar logo em seguida da Feira Aérea de Farnborough, logo de imediato o avançado desing da nova aeronave e sua performance em voo chamariam a atenção do comando das forças armadas britânicas, que imediatamente iniciaram junto a diretoria da empresa, tratativas para a aquisição da notável aeronave. Ao final desta, contratos seriam firmados para a aquisição de um substancial número de aeronaves não só para o Corpo Aéreo Real (Royal Flying Corps), mas também Real Serviço Aéreo Naval (Royal Naval Air Service). Porém as demandas excediam em muito a capacidade produtiva da linha de fabricação, levando a empresa a se mudar para novas e maiores instalações em Clifton Street, Miles Platting - Manchester. Esta seria, no entanto, uma medida paliativa tendo em vista o breve estrangulamento da capacidade de produção desta linha, levando a empresa a migrar para as instalações da Mather & Platt Works em Newton Heath. As primeiras aeronaves seriam declaradas operacionais a partir de março de 1914, passando a atuar em missões de treinamento e observação. O eclodir da Primeira Guerra Mundial em 28 de julho de 1914 iria alterar profundamente o destino da A.V. Roe & Company e do Avro Modelo 504, elevando o patamar operacional da aeronave a um nível jamais imaginado por seus desenvolvedores .

Neste contexto de conflito, os Avro Modelo 504 assumiriam novas missões, agora já em missões de combate real na linha frente na Europa continental, cabendo ao modelo ser a primeira aeronave britânica abatida pelo fogo antiaéreo alemão em 14 de agosto de 1914, durante uma missão de bombardeio as fabricas de dirigíveis “Zeppelin Works” na região da cidade de Friedrichshafen nas margens do Lago de Constança. Em 21 de novembro do mesmo ano um grande número de Avros Modelo 504 armados com quatro bombas de 9 kg, teriam destacada participação em um bem-sucedido ataque a fabricas alemãs produtoras de hidrogênio no norte da França. Conforme o conflito ia ganhando intensidade e amplitude, a tecnologia aeronáutica avançava freneticamente, gerando uma nova geração de aeronaves de caça, bombardeio e observação mais avançadas, o que sobrepujaria o desempenho operacional dos Avro 504, tornando o ambiente de combate extremante desfavorável para o modelo. Assim rapidamente esta aeronave logo seria relegada a missões de segunda linha, sendo retirada para servir principalmente junto aos esquadrões de treinamento na Inglaterra. Neste momento o estágio de produção da aeronave já atingia milhares de células entregues, dispostas nas versões Avro 503A á Avro 504J, com os motores evoluindo de 60 hp para 80 hp de potência. A versão a ser mais produzida, no entanto, seria o Avro 504K, modelo originalmente configurado como aeronave de treinamento de dois lugares, que apresentava como curiosidade a possibilidade de poder a ser equipado como uma vasta gama de motores em virtude da escassez de componentes.

No inverno de 1917 e 1918, a alta demanda por aeronaves de caça no continente, e a urgente necessidade de se substituir os já obsoletos Vickers BE2cs nos esquadrões de defesa doméstica, levaria o comando do Corpo Aéreo Real (Royal Flying Corps) a empregar dezenas de células dos modelos Avro 504J e Avro 504K convertidos para missões de caça. Estas versões modificadas para um único assento de tripulante, estavam armados com uma metralhadora leve Lewis .303 de calibre 7,62mm × 54 mm, montada acima da asa, além disto seria padronizado o uso de motores Gnome Monosoupape de 100hp de potência. Um total de duzentas e setenta células seriam modificadas para esta versão, passando a ser distribuídos a oito esquadrões de defesa doméstica. Em sua função principal de treinador, os Avro Modelo 504, muito em face das suas dóceis características de voo e desempenho, se tornariam o  “treinador padrão” britânico, permanecendo nesta atividade mesmo após o final da Primeira Guerra Mundial, mantendo o título de treinador básico padrão na agora recém criada Força Aérea Real (Royal Air Force), sendo substituído somente nesta atividade em meados da década de 1930. Nesta fase ainda, cerca de trezentas células do Avro Modelo 504K seriam transferidos para escolas civis de pilotos, recebendo o registro civil na Grã-Bretanha, onde passaram a ser empregados em missões de treinamento de pilotos e tarefas de reboques de faixas publicitarias permanecendo em uso até pelo menos o início do ano de 1940.
A carreira do Avro Modelo 504 seria intensa, fora de seu país de origem, sendo empregados em maior número pelo Serviço Aéreo da União Soviética, que fora formado logo após o termino da Primeira Guerra Mundial. Neste país era feito uso de células originais, bem como de aeronaves do modelo produzidas sob licença denominadas localmente como denominadas “Avrushka” ou pequeno Avro, com estas aeronaves equipadas com motores soviéticos rotativos idênticos ao Gnome Monosoupape.  O modelo ainda entraria em combate nos conflitos na China Nacionalista, quando foram usados em missões de observação e bombardeio. Ao todo foram produzidas entre os anos de 1914 e 1928 um total de 11.484 células, montadas em treze plantas industriais não só na Gra Bretanha, mas fabricados sob licença na Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Japão e União Soviética. Em termos de operadores o modelo esteve a serviço das forças armadas do Brasil, Argentina, Canada, Estônia, Finlândia, Grécia, Guatemala, Índia Britânica, Irã, Irlanda, Japão, Letônia, Malaia, México, Mongólia, Noruega, Peru, Polônia, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia Uruguai e Estados Unidos.

Emprego no Marinha do Brasil.
Em fevereiro de 1914, a Escola Brasileira de Aviação seria criada, no Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro, através de uma parceria entre os ministérios da Guerra e da Marinha e a firma Gino, Buccelli & Cia. Este acordo tinha por base o comprometimento da empresa privada em fornecer equipamentos e instrutores para formar aviadores militares. Não havia dez anos desde o primeiro voo do mais pesado que o ar, pelas mãos do ilustre brasileiro Alberto Santos Dumont, quando a Marinha do Brasil criou a sua Escola de Aviação Naval - EAvN, em 23 de agosto de 1916. Esse pioneirismo, fruto da visão de grandes chefes navais, como o então Ministro da Marinha, Almirante Alexandrino de Alencar, que, pautado no desempenho dessas plataformas nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, adquiriria nossos primeiros aviões e os entregaria ao Almirante Protógenes Pereira Guimarães, Patrono da Aviação Naval, a missão de preparar o pessoal e a doutrina de emprego aéreo na Marinha do Brasil. Quando a Escola de Aviação Naval - EAvN foi criada, em 23 de agosto de 1916, o primeiro dos três aerobotes adquiridos da fábrica Curtiss Aircraft Co. já havia voado e os dois restantes estavam em final de montagem, ficando prontos em outubro do mesmo ano. Todos seriam montados na Carreira Tamandaré do antigo Arsenal de Marinha, na base do Morro de São Bento, próximo à antiga ponte para a Ilha das Cobras, local atualmente ocupado pelo rancho do 1° Distrito Naval. Pouco tempo depois, a Escola de Aviação Naval - EAvN seria transferida para a Ilha das Enxadas, onde foram construídos dois hangares para quatro aeronaves. Ao longo dos anos seguintes esta instituição com o apoio de instrutores norte-americanos seguiu na missão de formar os primeiros aviadores navais da Marinha do Brasil. Neste contexto ficava cada vez mais claro a necessidade de não só ampliar o número de aeronaves bem como adquirir modelos mais modernos para o emprego em diversos perfis de operação militar.

Os novos desafios exigiam modernização de meios e práticas. Assim, tendo em vista que muitos dos hidroaviões de treinamento da variada coleção da Escola de Aviação Naval - EAvN chegavam ao fim de sua vida útil, decidiu-se reduzir o número de tipos e sistematizar as práticas de instrução de voo. Seria adotado o chamado “Sistema Gosport”, introduzido pelo Real Serviço Aéreo Naval (Royal Naval Air Service) em 1916, que, dentre outras inovações, preconizava o emprego de aviões terrestres para treinamento inicial. Assim, uma delegação de oficiais marinha seria enviada a Inglaterra, para conhecer de perto este processo e os vetores empregados. Desta maneira se daria o primeiro contato de nosso oficiais  com a aeronave Avro Modelo 504, modelo que então figurava como o treinador primário padrão deste racional e lógico sistema de treinamento. No entanto a incorporação do primeiro exemplar na Aviação Naval da Marinha do Brasil, ocorreria de forma casual, pois com a enorme disponibilidade de material aeronáutico após o término da Primeira Guerra Mundial, diversos grupos empresariais deram início a organização de empresas de transporte aéreo para operação regional e internacional. Entre muitas, a corporação inglesa Handley Page Ltda decidiu por estabelecer uma empresa aérea para operação de transporte civil no Brasil. Depois de receber autorização do governo brasileiro para operar rotas entre as principais cidades brasileiras, a empresa trouxe quatro aeronaves para o país, entre as quais um Avro Modelo 504K. A vida desta empresa seria efêmera sendo as aeronaves doadas ao governo brasileiro, com este  modelo de treinamento entregue em maio de 1920 a Marinha do Brasil.
Esta aeronave matriculada como “46” seria repassada então a Escola de Aviação Naval – EavN, não está claro se aquele Avro 504K foi recolhido a esta organização (que ainda se encontrava sediada na ilha das Enxadas e não dispunha de pista para operar aeronaves terrestres) para ser desmontado e armazenado ou se permaneceu em outro local. Neste mesmo período foram disponibilizados recursos para adquirir mais quatro células do modelo usadas e estavam equipadas com o famoso motor rotativo Gnome Monosoupape, Ao chegaram no Brasil no final do primeiro semestre de 1921, os dois primeiros foram montados no mês de agosto e encaminhados ao Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro, onde iriam operar até a conclusão das obras da nova pista da Escola de Aviação Naval - EAvN na Ponta do Galeão. A perda de uma aeronave em um acidente levaria a Aviação Naval da Marinha do Brasil a proceder a montagem das duas células restantes entre novembro e dezembro de 1921. Esta dotação seria reforçada com a aquisição de mais doze células previstas em um contrato celebrado em 23 de maio de 1922, tratava-se novamente de aeronaves usadas, que seriam entregues configuradas como novos motores radiais Le Rhone de 110 hp. Em fins de 1923 estas aeronaves já se encontravam operacionais junto a 3º Esquadrilha da Flotilha de Treinamento, totalizando assim dezesseis aeronaves, porém o índice de disponibilidade se mantinha muito baixo em função de pequenos acidentes de operação.

Durante os conturbados episódios políticos que se seguiram durante ano de 1924, as atividades da Escola de Aviação Naval - EAvN foram muito reduzidas, sendo algumas vezes os Avro 504K foram armados com metralhadora Lewis .303 durante os momentos mais tensos do período revolucionário. Este quadro de instabilidade levaria a severas restrições orçamentarias que interromperam o fluxo de peças de reposição e material de apoio, levando indisponibilidade a índices alarmantes, sendo que em 1925 somente quatro células estavam aptas a voo, com as demais armazenadas ou em manutenção. No ano seguinte mais uma aeronave seria recuperada pelo Centro de Aviação Naval do Rio de Janeiro (CAvNRJ). Apesar do quadro de penúria, três Avro 504K realizaram um reide entre a capital carioca e a cidade de Belo Horizonte, representando um feito para aquela época, infelizmente duas aeronaves foram perdidas nesta missão. Em 1927, a frota de aviões Avro 504K encontrava-se reduzida a apenas três exemplares disponíveis para voo, com os demais perdidos em acidente ou em processo de manutenção de grande monta, com a necessidade de modernizar a frota de aeronaves de treinamento, a Diretoria Geral de Aeronáutica da Marinha examinou diversas propostas de fornecimento de mais células do modelo, no entanto optou-se pela aquisição de uma variante mais moderna o Avro 504N/O, que passaram a ser recebidos no ano seguinte, realizando em conjunto com as células originais, as missões de treinamento e formação de pilotos, com os Avro Modelo 504K registrando uma quantidade de horas de voo inferior à média anterior.
No objetivo de aumentar a vida útil das três ultimas aeronaves que se encontravam em condições de voo, foi decido em maio de 1929 pela implementação de um programa de modernização, tendo como foco principal a substituição do problemático motor rotativo por um novo radial fixo Armstrong Siddeley Lynx IVC, o mesmo  que dotava os recém chegados Avro 504N/O, sendo as três entregues entre os meses de novembro do mesmo ano e janeiro de 1930, curiosamente estas células foram adaptadas para o uso de flutuadores sendo empregadas como hidro aviões. Porém observou-se que o processo de modernização não atingiria os objetivos almejados e decidiu-se pela desativação das aeronaves, o que ocorreu após um voo de formatura da Escola de Aviação Naval - EAvN em junho de 1930, onde após este foram excluídas e alienadas para venda, encerrando assim sua carreira na Aviação Naval da Marinha do Brasil.

Em Escala.
Para representarmos o Avro 504K “A7” da Aviação Naval, empregamos o antigo kit da Airfix na escala 1/72, modelo de fácil montagem porém de baixo detalhamento exigindo a confecção em scratch dos para-brisas . Fizemos uso de decais confeccionados pela FCM Decais presentes no antigo set 72/09.
O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o segundo padrão de pintura empregado pelos Avro 504K da Aviação Naval, inicialmente as aeronaves foram recebidas em uma tonalidade de amarelo denominada clear dope linen com o FS 33695.


Bibliografia :

- Avro 504 – Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Avro_504
- Aeronaves Militares Brasileiras 1916 – 2015 – Jackson Flores
- 100  anos da Aviação Naval - Marinha do Brasil & Fundação Getulio Vargas
- Asas sob os Mares , Prof Rudnei Dias Cunha - http://www.rudnei.cunha.nom.br/Asas%20sobre%20os%20mares/index.html