Walter Herschel Beech, uma figura emblemática nos primórdios da aviação dos Estados Unidos, deixou um legado indelével que moldou o desenvolvimento da indústria aeronáutica. Nascido em 1891, no estado do Tennessee, Beech demonstrou desde cedo um fascínio pela mecânica e pela inovação, características que o impulsionariam a se tornar um dos mais influentes empresários do setor. Sua trajetória é marcada por uma visão estratégica e pela capacidade de superar adversidades, especialmente em um período de grandes desafios econômicos e tecnológicos. No início da década de 1920, Wichita, no estado do Kansas, começava a se consolidar como um polo da nascente indústria aeronáutica norte-americana. Foi nesse contexto que Walter H. Beech, em parceria com outros visionários, fundou a Travel Air Manufacturing Company em 1925. A empresa rapidamente se destacou pela qualidade e inovação de seus projetos, atraindo talentos promissores como Lloyd Stearman e Clyde Vernon Cessna, que mais tarde também se tornariam ícones da aviação. Sob a liderança de Beech, a Travel Air produziu aeronaves que combinaram desempenho e confiabilidade, conquistando a confiança de pilotos e operadores em um mercado ainda incipiente. Durante seus anos na Travel Air, Beech ocupou o cargo de vice-presidente, contribuindo significativamente para o sucesso da empresa. No entanto, a fusão da Travel Air com a Curtiss-Wright Corporation em 1929, seguida pelo impacto devastador da Grande Depressão, iniciada com a quebra da bolsa de valores de Nova York, alterou os rumos de sua carreira. A crise econômica, que abalou profundamente a economia global, reduziu drasticamente a demanda por aeronaves, forçando Beech a repensar seu futuro. Determinado a seguir seu próprio caminho, Walter H. Beech deixou a Travel Air em 1932 para fundar a Beech Aircraft Corporation, também sediada em Wichita. A decisão de iniciar uma nova empresa em meio à Grande Depressão, um período de desemprego em massa e colapso financeiro, foi um ato de ousadia e visão. Enquanto muitas indústrias enfrentavam dificuldades, Beech identificou uma oportunidade em um nicho de mercado ainda pouco explorado: o transporte executivo e o turismo de luxo. Embora esses setores fossem pequenos, mantinham uma demanda estável, mesmo em tempos de crise, atendendo a uma clientela seleta que valorizava exclusividade e eficiência. No final de 1932, a Beech Aircraft lançou o Beech Model 17, conhecido como "Staggerwing" devido à configuração única de suas asas escalonadas. Essa aeronave, com seu design elegante e desempenho superior, rapidamente se tornou um sucesso comercial. O Model 17 combinava sofisticação estética com avanços técnicos, como um trem de pouso retrátil, o que o tornava ideal para executivos e entusiastas da aviação. Com os recursos obtidos pelo êxito do Model 17, Walter H. Beech voltou sua atenção para o desenvolvimento de uma aeronave de maior porte, destinada a atender a uma gama mais ampla de necessidades.
Esse esforço culminou no Beech Model 18, cujo primeiro protótipo realizou seu voo inaugural em 15 de janeiro de 1937. Projetado como um monoplano bimotor de asa baixa, com construção metálica e trem de pouso convencional, o Model 18 representava um avanço significativo em termos de versatilidade e desempenho. A aeronave podia transportar até seis passageiros e dois tripulantes, oferecendo uma combinação de conforto, confiabilidade e flexibilidade. Um dos diferenciais do Model 18 era sua capacidade de ser equipado com uma variedade de motores, incluindo modelos da Curtiss-Wright, Jacobs e Pratt & Whitney. Essa modularidade permitia aos operadores escolher configurações que atendessem às suas necessidades específicas, reduzindo custos de manutenção e facilitando a padronização. Inicialmente voltado para o mercado civil, o Model 18 repetiu o sucesso comercial do Staggerwing, consolidando a reputação da Beech Aircraft como uma fabricante de aeronaves de alta qualidade. O sucesso do Model 18 não passou despercebido fora do âmbito civil. Suas qualidades de projeto, incluindo robustez e versatilidade, atraíram o interesse de forças militares. O governo das Filipinas tornou-se o primeiro cliente militar do modelo, adquirindo-o para uso em operações de transporte e treinamento. Esse marco abriu caminho para a adoção do Model 18 por outras forças armadas, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, quando a aeronave foi amplamente utilizada em funções como transporte de tropas, evacuação médica e treinamento de pilotos. Esse êxito não passou despercebido pelas forças armadas, especialmente em um período de crescente tensão global às vésperas da Segunda Guerra Mundial. O governo das Filipinas foi o primeiro cliente militar do Model 18, adquirindo-o para missões de transporte e treinamento. Esse interesse inicial culminou na celebração de um contrato com a Beech Aircraft Corporation para o desenvolvimento de uma variante especializada em aerofotogrametria, designada comercialmente como C-18 e militarmente como T-7. Essa versão foi projetada para realizar mapeamentos aéreos precisos, uma ferramenta essencial para operações militares e planejamento estratégico. Com o avanço da Segunda Guerra Mundial, a Beech Aircraft Corporation intensificou sua produção de variantes do Model 18 para atender às demandas militares. Uma das versões mais avançadas, o AT-7C-BH, conhecido como Beechcraft Navigator, incorporava uma suíte de aviônicos de última geração e apresentava um peso vazio significativamente maior que suas predecessoras. Equipado com o motor Pratt & Whitney R-985, o Navigator destacou-se em missões de treinamento multimotor e transporte leve, consolidando a reputação da Beech como uma fornecedora confiável para as forças armadas. Durante o conflito, a empresa recebeu substanciais recursos governamentais, que financiaram a expansão de suas instalações e a modernização de seus processos produtivos, posicionando-a como uma das principais fabricantes aeronáuticas dos Estados Unidos.

O término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, representou um marco transformador para a indústria aeronáutica global. A desmobilização de milhares de aeronaves militares, como o icônico Douglas C-47 (versão militar do DC-3), vendidas como excedentes de guerra a preços acessíveis, catalisou o crescimento exponencial do mercado de aviação civil. Esse fenômeno possibilitou o surgimento de inúmeras empresas de transporte aéreo, que utilizaram essas aeronaves para serviços de carga e passageiros, democratizando o acesso à aviação comercial. Contudo, o segmento de aeronaves de pequeno porte, voltado para a aviação geral e o transporte executivo, permaneceu menos saturado, oferecendo oportunidades para fabricantes inovarem e conquistarem nichos de mercado em ascensão. Nesse cenário, Wichita, Kansas, consolidada como a "Capital da Aviação" dos Estados Unidos, tornou-se o epicentro da competição entre dois gigantes da indústria: a Beech Aircraft Corporation e a Cessna Aircraft Company. Enquanto a Cessna lançou o Model 195, uma aeronave confiável, mas ancorada em tecnologias pré-guerra, com construção mista de metal, madeira e tecido, a Beech Aircraft apresentou o Beechcraft Model 35 Bonanza, um projeto revolucionário que redefiniu os padrões da aviação geral. Lançado oficialmente em 1947, após um período de desenvolvimento marcado por desafios técnicos, o Beechcraft Model 35 Bonanza destacou-se como um marco na aviação civil. Projetado sob a liderança do engenheiro Ralph Harmon, o Bonanza introduziu inovações que o diferenciaram de seus contemporâneos. Sua construção quase inteiramente metálica contrastava com os materiais compostos ainda predominantes na época, garantindo maior durabilidade e segurança. Além disso, o Bonanza apresentou um trem de pouso triciclo retrátil, que melhorava a estabilidade em pousos e decolagens, e uma empenagem em "V", uma configuração aerodinâmica inovadora que conferia à aeronave uma estética distinta e um desempenho superior. Apesar de seu design ousado, o Bonanza enfrentou desafios iniciais. As primeiras 40 unidades produzidas incorporavam superfícies móveis parcialmente cobertas com tecido, um resquício do projeto original que foi rapidamente substituído por folhas de liga de magnésio em lotes subsequentes, aprimorando a robustez e a longevidade da aeronave. Esses ajustes, embora necessários, atrasaram a produção em série até 1947, colocando o Bonanza em desvantagem temporal em relação a concorrentes como o Cessna Model 195. Contudo, a Beech Aircraft compensou esse atraso com uma agressiva campanha de marketing, que destacou o desempenho, o conforto e a sofisticação do Bonanza, conquistando rapidamente o mercado norte-americano de transporte executivo.
O Beechcraft Bonanza atraiu uma clientela diversificada, incluindo pilotos amadores abastados, frequentemente descritos como "pilotos de fim de semana", que viam na posse e condução de uma aeronave um símbolo de prestígio e realização pessoal. No entanto, a configuração inovadora do Bonanza, particularmente sua empenagem em "V", trouxe desafios operacionais. A aeronave exigia maior habilidade de pilotagem devido ao seu perfil de voo menos convencional, o que a tornava menos tolerante a erros de pilotos inexperientes. Esse fator contribuiu para uma série de acidentes fatais nos primeiros anos de operação, levando o Bonanza a ganhar a infame alcunha de "Doutor Assassino da Cauda Bifurcada", em referência aos profissionais liberais, como médicos, que frequentemente adquiriam a aeronave. Apesar da má reputação, um estudo conduzido pela Associação de Proprietários e Pilotos de Aeronaves dos Estados Unidos (AOPA) entre 1982 e 1989 revelou que o Bonanza apresentava uma taxa de acidentes ligeiramente inferior à de outras aeronaves de sua categoria. A análise apontou que 73% dos acidentes envolvendo aeronaves de cauda em "V" e 83% dos acidentes com aeronaves de cauda convencional eram atribuíveis a erros de pilotagem, enquanto causas relacionadas à aeronave representavam apenas 15% e 11% dos incidentes, respectivamente. Esses dados sugerem que, embora o Bonanza exigisse maior proficiência de seus pilotos, sua construção e design eram robustos e confiáveis. Apesar dos desafios iniciais, o Beechcraft Bonanza consolidou-se como um sucesso comercial, tanto no mercado norte-americano quanto internacional, fortalecendo a posição da Beech Aircraft como uma das principais fabricantes de aeronaves de pequeno porte. Em 1960, a empresa introduziu o Beechcraft Model 33 Debonair, uma variante de menor custo projetada para atrair um público mais amplo. Equipado com instrumentação mais simples, acabamentos internos menos luxuosos e esquemas de pintura mais econômicos, o Debonair visava oferecer uma alternativa acessível ao Bonanza. Contudo, a nova variante acabou competindo diretamente com as vendas da família Bonanza, levando a Beech a descontinuá-la e concentrar seus esforços em versões aprimoradas do Bonanza a partir de 1968. Paralelamente, a Beech Aircraft explorou aplicações militares para a plataforma Bonanza. Durante a Guerra do Vietnã, a empresa desenvolveu o QU-22, uma variante baseada no Beechcraft Model 36/A36 Bonanza, projetada para o programa Pave Eagle da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF). O QU-22 foi concebido para retransmitir sinais de monitoramento eletrônico, desempenhando um papel crítico na observação da movimentação de tropas e suprimentos ao longo da Trilha Ho Chi Minh, no Laos. Inicialmente planejado como um drone não tripulado, o QU-22 acabou sendo operado por pilotos do Destacamento do Esquadrão de Reconhecimento 1º, devido à complexidade das missões.

Em 1968, seis protótipos YQU-22A, derivados do Model 33 Debonair, foram testados em combate, com dois deles perdidos e um piloto civil morto. Entre 1969 e 1970, 27 unidades do QU-22B foram modificadas, mas seis foram perdidas em operações, resultando na morte de dois pilotos. Apesar dessas perdas, o QU-22 demonstrou a versatilidade da plataforma Bonanza. Desde seu lançamento em 1947, o Bonanza consolidou-se como uma das aeronaves mais icônicas e longevas da história da aviação. Até 2019, a família Bonanza atingiu a impressionante marca de mais de 17.000 unidades produzidas, um testemunho de sua popularidade e versatilidade. A linha Bonanza foi estruturada em três variantes principais, que deram origem a 33 subversões, cada uma adaptada para atender às demandas específicas do mercado ao longo das décadas. A aeronave tornou-se um símbolo de inovação, combinando design arrojado, desempenho confiável e uma estética que cativou gerações de pilotos. Sua produção contínua por mais de sete décadas é um feito raro na indústria aeronáutica, comparável a poucos outros modelos, como o Cessna 172. Atualmente, o Beechcraft Bonanza permanece em produção seriada com a versão G36, que representa o ápice da evolução tecnológica da família. Equipada com um painel no padrão glass cockpit, o G36 integra o avançado sistema de navegação digital Garmin G1000, que oferece uma interface intuitiva, informações em tempo real e maior precisão em navegação e gerenciamento de voo. Essa modernização reflete a adaptação do Bonanza às demandas contemporâneas, garantindo sua competitividade em um mercado cada vez mais orientado por tecnologia e eficiência. O G36 mantém as características que tornaram o Bonanza um ícone, como sua construção metálica robusta e a configuração de empenagem em "V", enquanto incorpora melhorias que aumentam o conforto e a segurança. Essa combinação de tradição e inovação assegura que o Bonanza continue a atrair operadores no segmento de aviação geral, particularmente em serviços de fretamento e táxi aéreo. Além de seu sucesso no mercado civil, o Beechcraft Bonanza desempenhou um papel significativo em aplicações militares, sendo adotado por forças aéreas de diversos países, incluindo Argentina, Bolívia, Brasil, Haiti, Irã, Indonésia, Costa do Marfim, México, Países Baixos, Nicarágua, Paraguai, Arábia Saudita, Espanha e Tailândia. Nessas nações, o Bonanza foi empregado principalmente em missões de transporte e ligação, aproveitando sua versatilidade, confiabilidade e capacidade de operar em condições variadas.
Emprego na Força Aérea Brasileira.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Força Aérea Brasileira (FAB) emergiu como uma das mais robustas forças aéreas das Américas, contando com um inventário de mais de 1.500 aeronaves modernas. A maioria dessas aeronaves, incluindo caças, aviões de transporte, patrulha marítima e guerra antissubmarino (ASW), foi adquirida a partir de 1942 por meio do Lend-Lease Act (Lei de Empréstimos e Arrendamentos), um programa dos Estados Unidos que forneceu equipamentos militares aos países aliados durante o conflito. Esse fortalecimento posicionou a Força Aérea Brasileira (FAB) como a segunda maior força aérea das Américas, atrás apenas dos Estados Unidos, e a maior do hemisfério sul, consolidando o Brasil como uma potência aeronáutica regional. Com o término do conflito, o Ministério da Aeronáutica (MAer), criado em 1941, reconheceu a necessidade de redefinir sua missão estratégica. A integração nacional tornou-se a prioridade central, considerando as dimensões continentais do Brasil e a necessidade de conectar regiões remotas. Esse novo enfoque exigiu uma reestruturação abrangente, que incluiu a criação de unidades aéreas, estabelecimentos de ensino e comandos regionais distribuídos pelo território nacional. A expansão organizacional refletiu o compromisso do governo brasileiro em fortalecer a infraestrutura militar e promover a coesão territorial em um país marcado por desafios logísticos e geográficos. A reestruturação trouxe à tona a demanda por uma frota de aeronaves utilitárias de pequeno porte, capazes de realizar missões de ligação e transporte leve entre as novas unidades e comandos espalhados pelo Brasil. Embora a Força Aérea Brasileira (FAB) dispusesse de uma quantidade significativa de aeronaves bimotoras de transporte de médio porte, como os Douglas C-47, essas aeronaves eram inadequadas para tais missões devido a seus altos custos operacionais e porte excessivo para operações de curta distância. Assim, o Comando da Aeronáutica (COMAER) iniciou estudos para identificar uma aeronave monomotora que combinasse eficiência, versatilidade e uma relação custo-benefício favorável, atendendo às necessidades logísticas de um país de dimensões continentais. Esse processo de seleção coincidiu com um momento de efervescência no mercado aeronáutico global, impulsionado pelo boom da aviação civil no pós-guerra. A disponibilidade de excedentes militares e o crescimento econômico incentivaram a modernização de frotas, tanto civis quanto militares, criando oportunidades para fabricantes de aeronaves de pequeno porte. No Brasil, esse cenário abriu espaço para parcerias entre a Força Aérea Brasileira (FAB) e empresas nacionais que representavam fabricantes estrangeiros, trazendo soluções inovadoras para as demandas militares.
Nesse contexto, a Companhia Carnasciali Ltda., uma empresa paulista, destacou-se como representante oficial da Beech Aircraft Corporation no Brasil. Fundada nos Estados Unidos por Walter H. Beech, a Beech Aircraft já era reconhecida por sua excelência na fabricação de aeronaves de pequeno porte, especialmente os modelos Beechcraft 35 e A-35 Bonanza. Lançado em 1947, o Bonanza revolucionou o mercado de aviação geral com sua construção metálica, trem de pouso triciclo retrátil e empenagem em "V", oferecendo uma combinação de desempenho, conforto e design moderno que o diferenciava de concorrentes como o Cessna 195. No Brasil, a Companhia Carnasciali alcançou sucesso significativo na comercialização do Bonanza, atendendo a empresas de táxi aéreo, pilotos particulares e operadores que buscavam uma aeronave confiável para o transporte executivo. A popularidade do Bonanza no mercado civil chamou a atenção da Força Aérea Brasileira (FAB), que viu no modelo uma solução potencial para suas necessidades de ligação e transporte leve. Representantes da Carnasciali iniciaram contatos com autoridades militares brasileiras, apresentando o portfólio da Beech Aircraft e destacando as qualidades do Bonanza, como sua versatilidade, baixo custo operacional em comparação com aeronaves bimotoras e capacidade de operar em pistas curtas, ideais para as condições variadas do território brasileiro. Assim seria apresentada uma proposta para a aquisição de um pequeno lote de aeronaves dos modelos Beechcraft 35 e A-35 Bonanza, acompanhada de um pacote de manutenção operacional de baixo custo. O diferencial da proposta residia na popularidade do Bonanza no mercado civil brasileiro durante o final da década de 1940. Centenas de unidades já estavam em operação, seja em serviços de táxi aéreo, por proprietários particulares, o que garantia um fluxo constante de peças de reposição e uma rede de técnicos familiarizados com a aeronave. Após uma análise detalhada baseada em critérios técnicos e econômicos, o COMAER optou pela aquisição da variante Beechcraft A-35 Bonanza, um modelo que incorporava melhorias em relação ao Bonanza original, como maior robustez estrutural e sistemas aprimorados. O contrato, firmado provavelmente nos últimos meses de 1949, previa a entrega de cinco células, marcando a entrada oficial do Bonanza na frota da Força Aérea Brasileira (FAB). Não há registros claros se essas aeronaves foram produzidas especificamente para atender ao contrato com o Ministério da Aeronáutica ou se eram unidades originalmente destinadas ao mercado civil, redirecionadas por oportunidade comercial. Independentemente da origem, a aquisição representou um passo estratégico para modernizar as operações de ligação e transporte leve.
As cinco aeronaves adquiridas foram transportadas dos Estados Unidos para o Brasil por via marítima, chegando ao porto do Rio de Janeiro no final do primeiro trimestre de 1950. Desmontadas para facilitar o transporte, as células foram encaminhadas por via terrestre ao Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PqArAF), no Rio de Janeiro, onde seriam montadas por uma equipe composta por técnicos da Beech Aircraft Corporation e militares brasileiros. No entanto, o processo enfrentou um revés significativo. Durante o desembarque e transporte, uma das aeronaves sofreu danos graves ao ser desembalada. Após uma análise técnica, constatou-se que a extensão dos danos tornava a recuperação economicamente inviável. Como resultado, a aeronave foi oficialmente baixada do inventário da Força Aérea Brasileira (FAB) em maio de 1951, apenas um ano após sua chegada. Suas peças foram preservadas para uso como fonte de reposição, e a estrutura danificada foi mantida, possivelmente para estudos ou treinamento. As circunstâncias exatas do incidente permanecem desconhecidas, mas o episódio ilustra os desafios logísticos de importar e integrar aeronaves em um país com infraestrutura ainda em desenvolvimento. As quatro células remanescentes foram montadas e colocadas em condições de voo em abril de 1950 no Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PqArAF), no Rio de Janeiro. No mês seguinte, as aeronaves foram distribuídas entre a Diretoria de Aeronáutica Civil (DAC) e a Diretoria de Material Aeronáutico (DIRMA), recebendo a designação oficial de UC-BB. As duas aeronaves alocadas ao DAC foram destinadas ao serviço de vistoria, desempenhando um papel crucial no transporte do diretor geral do órgão e de seus inspetores. Essas missões incluíam voos de ligação entre bases aéreas e visitas de fiscalização a aeroclubes, pequenas empresas de táxi aéreo e oficinas de manutenção espalhadas pelo Brasil. A escolha do Bonanza para essas tarefas reflete sua versatilidade e capacidade de operar em pistas curtas, essenciais para alcançar localidades remotas em um país com infraestrutura aeronáutica ainda em desenvolvimento. As duas aeronaves entregues à DIRMA, por outro lado, foram provavelmente empregadas no transporte de pessoal para os parques de aeronáutica e bases aéreas, como os localizados em São Paulo, Recife e Belém. Embora não existam registros detalhados sobre suas atividades específicas, é razoável inferir que essas aeronaves desempenharam funções logísticas vitais, conectando unidades militares em um período de expansão da presença da Força Aérea Brasileira (FAB) no território nacional. A ausência de documentação detalhada reflete os desafios de registro e sistematização de informações típicos de uma instituição em processo de modernização.
Apesar do potencial do Beechcraft A-35 Bonanza, sua operação enfrentou desafios significativos. No início de 1951, uma das aeronaves alocadas à DIRMA sofreu um grave acidente na região de Lages, no interior de Santa Catarina. Os danos extensos à célula tornaram a recuperação inviável, resultando na baixa da aeronave do inventário. A segunda metade de 1951 trouxe mais contratempos para a frota de Bonanzas . Dois dos três aviões remanescentes sofreram acidentes de menor gravidade, exigindo reparos significativos. Como resultado, foram encaminhados à Fábrica do Galeão, no Rio de Janeiro, um dos principais centros de manutenção aeronáutica na época. Esses incidentes, embora não fatais, impactaram a disponibilidade operacional da frota, evidenciando a necessidade de maior capacitação dos pilotos e de ajustes nos procedimentos de manutenção para lidar com uma aeronave de design avançado, como o Bonanza, cuja empenagem em "V" e características de voo exigiam maior proficiência. Para manter as mínimas condições operacionais, uma das aeronaves da Diretoria de Aeronáutica Civil (DAC) foi transferida para a Seção de Aviões de Comando em 29 de abril de 1952. Essa transferência reflete a flexibilidade da Força Aérea Brasileira (FAB) em reestruturar sua frota para atender às demandas operacionais, mesmo diante de adversidades. A Seção de Aviões de Comando, responsável por missões de transporte de autoridades e ligação estratégica, beneficiou-se da versatilidade do Bonanza, que continuou a desempenhar um papel essencial na conexão entre unidades militares. Em outubro de 1952, a Diretoria de Material Aeronáutico (DIRMA) emitiu a instrução reservada 2A4-521013, que redesignou as aeronaves remanescentes como C-35 Bonanza, alinhando sua nomenclatura com os padrões da FAB. Essa mudança, embora administrativa, teve impacto limitado nas operações, uma vez que, àquela altura, apenas uma aeronave permanecia em serviço ativo, operada pela Diretoria de Aeronáutica Civil (DAC). A frota reduzida refletia os desafios de manter uma aeronave de design avançado, como o Bonanza, em um contexto de infraestrutura limitada e exigências operacionais crescentes. Apesar das adversidades, o Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PqAerAF), no Rio de Janeiro, demonstrou notável capacidade técnica ao recuperar duas células do Bonanza que haviam sido consideradas perdas. Em meados de 1953, técnicos do PqAerAF concluíram a restauração da aeronave danificada durante o desembarque do lote original, em 1950. Essa unidade foi prontamente alocada à Seção de Aviões de Comando, onde passou a servir ao adido aeronáutico da FAB em Assunção, capital do Paraguai, desempenhando missões de ligação diplomática e transporte em apoio às relações bilaterais entre Brasil e Paraguai.

Em um feito ainda mais impressionante, o PqAerAF recuperou a célula que havia sido declarada como perda total após o acidente em Lages, Santa Catarina, em 1951. A aeronave recuperada foi destinada ao próprio PqAerAF, onde passou a ser utilizada como aeronave de ligação, conectando a unidade a outras bases aéreas. Em 4 de junho de 1954, a Portaria Ministerial Nº 6/GM2 formalizou a criação do Esquadrão de Transporte Especial, uma unidade que sucedeu a Seção de Aviões de Comando e representou o embrião do futuro Grupo de Transporte Especial (GTE), conhecido por seu papel no transporte de autoridades e missões estratégicas. A estruturação do esquadrão previa a formação de uma esquadrilha equipada com as três aeronaves C-35 Bonanza remanescentes, complementando uma frota que incluía os bimotores Douglas VC-45, Douglas VC-47 e Vickers VC-90. Essas aeronaves, mais robustas, eram destinadas a missões de maior porte, enquanto os Bonanzas desempenhavam funções de ligação e transporte leve, frequentemente em apoio ao Gabinete do Ministro da Aeronáutica. Além disso, pelo menos uma unidade do C-35 foi temporariamente empregada pelo 1º Esquadrão de Ligação e Observação (ELO), uma unidade especializada em missões de apoio tático e reconhecimento. A versatilidade do Bonanza permitiu sua adaptação a diferentes papéis, embora seu uso no ELO tenha sido breve, provavelmente devido às limitações impostas pela redução da frota e pelas exigências operacionais específicas. Apesar dos esforços de manutenção e recuperação, a frota de Beechcraft C-35 Bonanza enfrentou um declínio rápido. Em agosto de 1956, mais uma célula foi perdida em um acidente, reduzindo a frota a apenas duas unidades operacionais. Assim o último Beechcraft C-35 Bonanza remanescente, portador da matrícula FAB 2861, lotado junto ao Esquadrão de Transporte Especial, seria transferido para o 2º Grupo de Transporte de Tropas (GTT) em maio de 1957, passando a ser derradeira célula de sua espécie em serviço na Força Aérea Brasileira, tendo em vista que a outra célula fora desativada em março do mesmo ano. Ao realizar missões de ligação e transporte, esta aeronave permaneceria no Campo dos Afonsos por dez meses, sendo transferida para o Centro de Tecnologia da Aeronáutica (CTA) em março e 1958. Neste momento ficava claro que era economicamente inviável (devido a cadeia logistica de peças de reposição) manter um modelo em uso do qual se possuía apenas uma célula em condições de voo. Em consequência deste cenário, em 30 de dezembro de 1959 foi assinada a Portaria Ministerial Reservada Nº78/GM4 que determinava a baixa do último Beechcraft Bonanza. Em janeiro do seguinte seria determinada a doação da aeronave para a Fundação Brasil Central, onde após receber a matrícula PP-FBL permaneceria em uso junto a aquela organização pelo menos até o início da década de 1970.
Em Escala.
Para representarmos o Beechcraft Bonanza UC-35 "FAB 2857" empregamos o kit Minicraft na escala 1/48. Como este modelo representa a versão V-35, temos de proceder em scratch a exclusão da última janela lateral dos dois lados da aeronave, para assim podermos representar a versão operada pela Força Aérea Brasileira. O kit ainda possibilita montar a aeronave com o motor exposto, o que valoriza o resultado final. Como não existe um set de decais específico para este modelo, optamos por configurar as marcações com decais diversos oriundos de diversos sets confeccionados pela FCM Decais, tendo somente a bolacha do Gabinete do Ministro da Aeronáutica sendo impressa artesanalmente. O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o ultimo padrão de pintura empregado nas aeronaves Beechcraft C-35 Bonanza, sendo este o esquema implementado nas aeronaves de transporte de passageiros e transporte VIP da Força Aérea Brasileira naquele período. Apesar de não existirem registros fotográficos claros, estas aeronaves podem ter sido recebidas no padrão da Beechcraft para operadores civis, sendo na cor de metal natural com detalhes em vermelho ou azul, recebendo somente as marcações militares e suas respectivas matriculas.
Bibliografia :
- Aeronaves Militares Brasileiras 1916 – 2015 - Jackson Flores Jr
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História da Força Aérea Brasileira, Prof Rudnei Dias Cunha - http://www.rudnei.cunha.nom.br/FAB/index.html