História e Desenvolvimento.
No início da década de 1940, o Exército Brasileiro iniciou um amplo movimento de modernização de seus meios materiais e doutrinários, buscando alinhar-se às tendências militares observadas nos principais exércitos do mundo. Entre os equipamentos considerados essenciais nesse processo encontravam-se os veículos blindados de transporte de tropas, cuja eficácia começava a ser amplamente demonstrada no emprego pelas forças armadas da Alemanha e dos Estados Unidos, durante as primeiras fases da Segunda Guerra Mundial. Esse anseio pela modernização começou a se materializar em 1942, quando o Brasil passou a receber uma grande equipamentos militares norte-americanos por meio do programa de ajuda mútua Lend & Lease Act (Lei de Empréstimos e Arrendamentos), promulgado pelo governo dos Estados Unidos para apoiar as nações aliadas. Nesse contexto, o Exército Brasileiro recebeu os primeiros veículos blindados de transporte de tropas, representados pelos modelos M-3A1 Scout Car (sobre rodas) e M-2 e M-3 Half-Track (semilagartas). Curiosamente, embora esses veículos tivessem sido projetados especificamente para o transporte de tropas em áreas de combate, sua utilização inicial no Brasil desviou-se dessa finalidade, sendo empregados predominantemente na tração de peças leves de artilharia. Tal desvio de função pode ser explicado pela forte influência da doutrina militar francesa sobre o Exército Brasileiro à época — uma doutrina moldada pelas experiências da Primeira Guerra Mundial, ainda fortemente centrada em operações hipomóveis e táticas de guerra de posição, com reduzida ênfase na mobilidade mecanizada. Com o avanço da guerra e a crescente presença norte-americana no cenário político e militar brasileiro, verificou-se uma mudança gradual de paradigma doutrinário. A influência militar dos Estados Unidos passou a estimular uma reestruturação da mentalidade operacional e dos métodos de combate da Força Terrestre. Esse processo foi fortemente impulsionado pela chegada de um vasto lote de veículos semilagartas M-3, M-3A1 e M-5, que proporcionaram, pela primeira vez, as condições materiais necessárias para a implementação de táticas de infantaria motorizada — um marco na história da mecanização militar no Brasil. Ao longo da década de 1950, o Comando do Exército Brasileiro iniciou uma avaliação crítica acerca da efetividade e capacidade de sobrevivência de suas forças mecanizadas frente às novas realidades da guerra moderna, marcadas pela mobilidade, poder de fogo e integração entre as armas combinadas. Essa reflexão culminou na constatação de que o parque atual de material bélico nacional necessitava de uma profunda modernização para garantir a efetiva defesa do território e o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo país.
Tal necessidade começou a ser atendida a partir de 15 de março de 1952, com a assinatura do Acordo Militar Brasil–Estados Unidos, celebrado entre os presidentes Getúlio Vargas e Harry S. Truman. Oficialmente denominado Acordo de Assistência Militar, o tratado previa o fornecimento, em condições econômicas vantajosas, de armamentos e equipamentos norte-americanos de última geração às Forças Armadas Brasileiras, com o objetivo de substituir o material obsoleto recebido durante a Segunda Guerra Mundial. A partir desse acordo, o Brasil passou a integrar o grupo de países beneficiados pelo Military Assistance Program (MAP) — o Programa de Assistência Militar norte-americano — que tinha como propósito estratégico reforçar a defesa regional das Américas frente à ameaça expansionista do bloco socialista, no contexto emergente da Guerra Fria. Esse marco representou não apenas a modernização material do Exército Brasileiro, mas também o início da transição doutrinária para um modelo operacional mais dinâmico, móvel e compatível com os padrões das grandes potências militares do período, estabelecendo as bases para a futura evolução das forças blindadas e mecanizadas nacionais. No contexto do Acordo de Assistência Militar Brasil–Estados Unidos, firmado em 1952, caberia ao Exército Brasileiro a destinação de uma parcela substancial dos materiais bélicos fornecidos no âmbito desse programa. A partir de agosto de 1960, teve início o recebimento dos primeiros carros de combate médios M-41 Walker Bulldog, totalizando cinquenta unidades, além de dois veículos de socorro M-74 Sherman Recovery Vehicle e vinte viaturas blindadas de transporte de pessoal FMC M-59 APC (Armored Personnel Carrier). Embora os M-59 APC destinados ao Brasil fossem veículos de segunda mão, encontravam-se em excelente estado de conservação, registrando baixo índice de uso operacional. Desde 1959, essas viaturas estavam armazenadas nas instalações do Ordnance Corps Depot, unidade logística do Corpo de Artilharia do Exército dos Estados Unidos, localizada no estado de Ohio. Os vinte carros blindados M-59A1 APC selecionados para o Exército Brasileiro foram submetidos a um criterioso processo de revisão e restauração em território norte-americano, assegurando seu perfeito estado de funcionamento antes do embarque. O transporte marítimo foi realizado no segundo semestre de 1960, culminando na chegada do primeiro lote ao porto do Rio de Janeiro em 14 de agosto daquele ano, juntamente com os carros de combate M-41 Walker Bulldog. Uma vez desembarcadas, as viaturas passaram por procedimentos de inspeção técnica e testes operacionais, seguidos do treinamento de tripulações e equipes de manutenção. Após essa fase, as viaturas foram transportadas por via terrestre e, em dezembro de 1960, distribuídas em proporções iguais entre o 15º Regimento de Cavalaria Mecanizado (RecMec) e o 16º Regimento de Cavalaria Mecanizado (RecMec), ambos sediados na cidade do Rio de Janeiro.

No âmbito nacional, o novo blindado passou a ser designado oficialmente como VBTP M-59 – Veículo Blindado de Transporte de Tropas, sendo considerado um importante marco no desenvolvimento da doutrina mecanizada brasileira. Nessas unidades, os M-59 tiveram papel fundamental na formação de conceitos operacionais e na integração entre forças blindadas e mecanizadas, operando em conjunto com os carros de combate M-41 Walker Bulldog e os M3 Stuart — este último remanescente da Segunda Guerra Mundial. Os primeiros exercícios conjuntos entre os VBTP M-59A1 e os M-41 confirmaram as observações previamente registradas pelo Exército dos Estados Unidos (U.S. Army): o M-59, devido à sua concepção e motorização limitada, não possuía mobilidade suficiente para acompanhar a manobrabilidade dos M-41 em operações de combate dinâmico.Além das restrições táticas, as viaturas M-59 apresentaram limitações significativas no deslocamento estratégico, sobretudo em trajetos de média e longa distância, em virtude de seu peso elevado, que frequentemente excedia a capacidade da infraestrutura viária brasileira — como pontes, viadutos, estradas e plataformas ferroviárias. A conjunção desses fatores levou o Ministério do Exército a abster-se de novas aquisições do modelo M-59A1, interrompendo sua expansão na frota blindada nacional. Como solução de caráter provisório, foram iniciados estudos técnicos voltados ao repotenciamento e modernização dos antigos veículos semilagartas White M-2, M-3 e M-5, com o objetivo de estender sua vida útil operacional até que um novo veículo de transporte de tropas plenamente adequado às necessidades do Exército Brasileiro pudesse ser incorporado. A crescente necessidade de modernização dos meios blindados do Exército Brasileiro, especialmente no segmento de transporte de tropas, seria plenamente atendida a partir de 1965, no âmbito do Programa de Assistência Militar (MAP – Military Assistance Program), mantido entre o Brasil e os Estados Unidos. Por meio desse acordo, foi negociada a cessão de mais de quinhentas viaturas blindadas de transporte de pessoal FMC M-113A0, modelo que havia sido recentemente desenvolvido pelo Exército norte-americano como substituto direto do M-59 APC. A introdução dessa nova frota de veículos representou um marco significativo na modernização da Força Terrestre, permitindo um amplo ciclo de renovação dos meios mecanizados em operação e possibilitando a desativação definitiva dos antigos veículos semilagarta M-2, M-3 e M-5 meia lagarta, remanescentes da Segunda Guerra Mundial. Em 1969, com a plena consolidação da frota M-113A0 em serviço, os 15º e 16º Regimentos de Cavalaria Mecanizada (RecMec), ambos sediados no Rio de Janeiro, passaram a ser equipados com as novas viaturas. A partir desse momento, o Exército Brasileiro vivenciaria um salto qualitativo em mobilidade e capacidade operacional, sem precedentes em sua história.
Durante as décadas seguintes, os VBTP M-113A0 equiparam mais de quinze unidades operacionais, entre Regimentos de Carros de Combate (RCC) e Batalhões de Infantaria Blindada (BIB), consolidando-se como o principal vetor da infantaria mecanizada nacional. Reconhecido por sua robustez estrutural, facilidade de manutenção e elevados índices de disponibilidade, o M-113 tornou-se um símbolo da modernização da tropa blindada brasileira. Entretanto, esse cenário positivo começaria a se modificar no final da década de 1970, quando o panorama político internacional passou a influenciar diretamente o campo militar. Em 1977, com a posse do presidente norte-americano Jimmy Carter, novas diretrizes de política externa condicionaram a continuidade dos programas de cooperação militar à avaliação do desempenho dos países parceiros em matéria de direitos humanos. Tal postura foi recebida com forte resistência pelo governo brasileiro, então chefiado pelo presidente Ernesto Geisel, que, em correspondência oficial, manifestou de forma categórica: “O governo brasileiro recusa de antemão qualquer assistência no campo militar que dependa, direta ou indiretamente, de exame prévio, por órgãos de governo estrangeiro, de matérias que, por sua natureza, são da exclusiva competência do governo brasileiro.” A tensão diplomática resultante dessas declarações culminou no rompimento do Acordo Militar Brasil–Estados Unidos, ocasionando a interrupção imediata das linhas de financiamento e do fornecimento de peças de reposição para os equipamentos militares de origem norte-americana em uso pelas Forças Armadas Brasileiras. Esse rompimento afetou diretamente a frota de VBTP M-113A0, cuja disponibilidade operacional passou a decair rapidamente em razão da escassez de componentes e sobressalentes. A essa dificuldade somou-se o impacto da crise internacional do petróleo, que atingiu seu ápice no mesmo período e agravou a situação logística dos M-113, dada a alta taxa de consumo de combustível de seus motores a gasolina. Diante desse quadro, o Exército Brasileiro passou a buscar alternativas técnicas para prolongar a vida útil de sua frota blindada, iniciando os primeiros estudos de repotenciamento dos M-113. O primeiro projeto, implementado em 1981 pela empresa Biselli – Viaturas e Equipamentos Industriais Ltda., previa a substituição do motor original por um propulsor diesel Iveco 150. Apesar da proposta promissora, os resultados práticos revelaram-se insatisfatórios, uma vez que o projeto não apresentava um estudo técnico aprofundado nem proporcionava ganhos significativos de desempenho ou confiabilidade. Assim, o Exército Brasileiro concluiu que seria necessário um programa de modernização mais abrangente e tecnicamente consistente, capaz de garantir a operacionalidade e a padronização de sua frota de blindados M-113 no longo prazo.
Paralelamente estudava-se implementar um processo semelhante junto aos vinte VBTT M-59, processo este que despontaria como uma oportunidade para uma jovem empresa do interior do estado de São Paulo. Fundada em 1956 na cidade de Sorocaba, a Moto-Peças S.A. Transmissões e Engrenagens, teria seu foco inicial na nascente indústria automotiva nacional, passando de um mero fornecedor de peças de reposição, para a se tornar no final da década de 1970 na maior indústria brasileira de componentes de câmbios e diferenciais. Durante sua trajetória, no final da década de 1960 a empresa se aproximaria do Exército Brasileiro, principalmente por sua experiencia no segmento de componentes e veículos pesados. A primeira parceria nasceria do projeto de repotenciamento e remotorização de trinta tratores de artilharia M-4A1 High Speed Tractors fabricados pela Allis-Chalmers Company em 1943 e incorporados ao Exército Brasileiro a partir do ano de 1949. Este processo envolveria a troca da caixa de marchas, transmissão, motor (por Scania Diesel de 260 cv), esteiras, roletes e suspensão (os três últimos fornecidos pela Novatração S/A). Este programa obteria um grande êxito, com a empresa logo em seguida contratada para a o desenvolvimento e produção de caixas de marcha para a série de blindados X-1A2 Carcará, fabricados pela Bernardini S/A, estes carros de combate leves derivados da modernização dos modelos M-3 e M-3A1 Stuart recebidos pelo Exército Brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial. No início da década seguinte, em conjunto com o Centro de Tecnologia do Exército (CTEx), a empresa desenvolveria um programa de customização dos antigos carros de combate M-4 Sherman, convertendo-os em carros blindados para engenharia. Fazendo uso da plataforma original seriam acrescidos uma lâmina frontal (intercambiável com um caça-minas) e grua hidráulica com lança rebatível e capacidade de içamento de até 10 toneladas, sendo ainda capazes de rebocar viaturas de até 40 toneladas. Infelizmente após a produção de onze carros pré-série e testes de campo, o modelo acabaria não sendo adotado pela Força Terrestre. Apesar deste revés a empresa lograria êxito em conquistar a seguir um contrato para a remotorização da frota de setenta e dois obuseiros autopropulsados M-108. Estas constantes parcerias trariam grande notoriedade e respeito junto ao comando da Força Terrestre, com a Moto-Peças S.A. Transmissões e Engrenagens se tornando um dos principais expoentes da indústria de defesa nacional. Emprego no Exército Brasileiro.
A Motopeças S.A. Transmissões e Engrenagens seria selecionada pelo Exército Brasileiro para conduzir dois projetos de relevância estratégica no campo da modernização de blindados: o processo de remotorização dos Veículos Blindados de Transporte de Pessoal (VBTP) M-113 e o estudo de repotenciamento dos VBTP M-59, ambos de origem norte-americana. A partir dessa designação, a equipe técnica da empresa passou a manter estreito contato com os aspectos estruturais e funcionais desses dois modelos, adquirindo um profundo conhecimento sobre seu conceito, projeto e particularidades de engenharia. O primeiro contrato firmado dizia respeito especificamente à modernização dos VBTP M-113, prevendo a substituição do motor original — um Chrysler V8 a gasolina de 215 cavalos de potência, cujo consumo médio era extremamente elevado (aproximadamente 1 litro por quilômetro) — por um motor diesel nacional Mercedes-Benz de seis cilindros e 180 cavalos. Essa substituição, além de manter o desempenho operacional, proporcionou um aumento superior a 70% na autonomia do veículo, além de maior confiabilidade e economia logística. Paralelamente, os sistemas elétrico, de alimentação e de arrefecimento foram amplamente reformulados, resultando em uma plataforma significativamente mais eficiente. O sucesso inicial desse programa trouxe grande aporte financeiro e tecnológico à Motopeças S.A., o que permitiu o início de estudos conjuntos com o Centro de Tecnologia do Exército (CTEx) para o repotenciamento dos VBTP M-59. O objetivo inicial desse novo esforço era substituir os dois motores GMC Model 302 a gasolina, de seis cilindros em linha, por um conjunto propulsor diesel nacional, similar ao adotado nos carros de combate M-41B “Brazilian Bulldog”. Embora os estudos técnicos tenham comprovado a viabilidade mecânica do projeto, ele acabou sendo considerado inadequado do ponto de vista operacional. Essa decisão decorreu de dois fatores principais: o elevado peso do M-59, que comprometia sua mobilidade tática, e a reduzida quantidade de unidades ainda disponíveis na frota, o que tornava economicamente inviável o investimento. A partir dessa negativa, surgiu uma proposta alternativa mais ambiciosa: o desenvolvimento de um novo veículo blindado nacional de transporte de tropas, que reunisse as melhores características operacionais dos M-113 e M-59. O projeto inicial previa um blindado que combinasse a agilidade e mobilidade do M-113 com a capacidade de carga e transporte de pessoal do M-59, limitando seu peso total a 18 toneladas. Essa especificação buscava garantir compatibilidade com as restrições da infraestrutura viária brasileira, especialmente pontes, viadutos, estradas e plataformas ferroviárias, assegurando plena mobilidade estratégica em deslocamentos de média e longa distância pelo território nacional.
Entretanto, à medida que o projeto evoluía, essa diretriz de limitação de peso seria gradualmente revista. Estudos subsequentes passaram a contemplar versões especializadas do novo veículo, incluindo variantes antiaérea (canhão de 20 mm), socorro com torre giratória, combate de fuzileiros (canhão de 20 mm), caça-tanques (canhões de 60 mm e 90 mm), obuseiro autopropulsado de 155 mm e lançador múltiplo de foguetes. Essas adaptações implicaram em aumento do peso final de combate, situando-o entre 21 e 24 toneladas, o que demonstrava a amplitude conceitual e o potencial modular do projeto, que começava a se configurar como o embrião de uma nova geração de blindados brasileiros, projetados para atender às necessidades operacionais e logísticas específicas do Exército Brasileiro. A proposta de desenvolvimento deste novo veículo blindado de transporte de tropas nasceu com a ambiciosa meta de, a médio e longo prazo, substituir integralmente os VBTP M-113 então em operação nas frotas do Exército Brasileiro (EB) e do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) da Marinha do Brasil. Tal iniciativa visava não apenas a modernização dos meios mecanizados, mas também a redução da dependência tecnológica e logística estrangeira, consolidando um salto estratégico em direção à autonomia nacional na produção de blindados. O projeto buscava oferecer maior flexibilidade e mobilidade às unidades de Fuzileiros Blindados do Exército, sendo concebido com plena capacidade anfíbia, de modo a permitir a travessia de rios e lagos — uma característica essencial para as operações militares no vasto e hidrográfico território brasileiro. Os estudos preliminares foram oficialmente iniciados em abril de 1983, sob a coordenação do Centro de Tecnologia do Exército (CTEx), que acumulava significativa experiência no campo da modernização de viaturas blindadas, em especial com o carro de combate M-41 Walker Bulldog. Essa expertise orientou a equipe técnica a empregar no novo modelo diversos componentes mecânicos e estruturais já utilizados no M-41, o que garantiria otimização da cadeia logística e redução de custos de manutenção e suprimentos, fatores essenciais à sustentabilidade operacional da força terrestre. Embora inspirado conceitualmente no M-41, o novo veículo incorporava uma série de inovações tecnológicas de vanguarda, destacando-se entre elas a adoção de dois hidrojatos Belljet 3.650 RPM de 160 hp cada, responsáveis pela propulsão aquática, conferindo-lhe desempenho anfíbio superior. O sistema de blindagem composta, formado por placas cerâmicas aplicadas às superfícies externas, representava outro avanço significativo, oferecendo maior proteção balística sem comprometer o peso total da viatura. Complementarmente, o modelo dispunha de um sistema básico de visão noturna, um recurso raro à época entre veículos dessa categoria.

O primeiro protótipo funcional do novo veículo blindado de transporte de tropas foi oficialmente apresentado em março de 1985, representando o ponto culminante de um esforço conjunto entre o Centro de Tecnologia do Exército (CTEx) e a indústria nacional. Este projeto simbolizava a consolidação da capacidade técnica brasileira na área de engenharia militar, refletindo o amadurecimento do parque industrial de defesa no país durante a década de 1980. A viatura foi equipada com um motor Scania Turbo Diesel DS11, de fabricação nacional, capaz de desenvolver 394 hp de potência nominal. O conjunto motriz encontrava-se instalado na parte dianteira direita do casco, ao lado do compartimento do motorista — uma configuração que favorecia o equilíbrio de peso e a manutenção. O motor operava acoplado a uma transmissão automática “cross drive” Allison GM CD 500/3, de origem norte-americana, dotada de duas marchas à frente e uma à ré, garantindo suavidade na condução e eficiência no desempenho em terrenos variados. O sistema de suspensão era composto por dez barras de torção e oito amortecedores hidráulicos, adotando um arranjo técnico derivado dos carros de combate M-41 e M-59 VBTP , o que assegurava robustez e estabilidade durante as operações. O veículo dispunha ainda de dez rodas de apoio e lagartas de 532 mm de largura, equipadas com sapatas produzidas pela empresa brasileira Novatração Artefatos de Borracha, reforçando o caráter de nacionalização do projeto. A blindagem básica fora dimensionada para resistir a munições perfurantes de calibre 7,62 mm, podendo ser reforçada por meio da instalação de placas cerâmicas externas, que ampliavam a proteção até o calibre 20 mm. Entretanto, devido ao aumento de peso e às limitações estruturais decorrentes, o uso dessas placas não era recomendado durante operações aquáticas submersas, restringindo seu emprego em ações anfíbias. O protótipo apresentava um peso total de combate de aproximadamente 18 toneladas — quase o dobro do M-113 VBTP e capacidade para transportar três tripulantes e nove soldados totalmente equipados em sua configuração padrão. Em arranjos especiais, podia acomodar até vinte e dois infantes, o que o tornava uma plataforma de transporte extremamente versátil. O acesso à viatura podia ser realizado por meio de uma ampla rampa traseira com acionamento hidráulico, duas portas incorporadas à própria rampa ou ainda através de duas escotilhas superiores, que garantiam maior flexibilidade operacional. O veículo dispunha também de seis seteiras laterais e três periscópios, um deles dotado de sistema de visão noturna, permitindo a operação em ambientes de baixa luminosidade.
O protótipo foi armado com a mesma torre empregada no VBTP M-59, retirada de uma viatura do Exército Brasileiro, e equipada com acionamento hidráulico e automático. A torre era armada com uma metralhadora pesada Browning M-2 calibre .50 (12,7 mm), que oferecia poder de fogo adequado e proteção integral ao operador durante o combate. O interior do veículo foi projetado de modo a permitir o emprego de armas automáticas a partir de quatro pequenas escotilhas (seteiras) distribuídas em suas laterais, conferindo à guarnição capacidade de fogo defensivo enquanto em deslocamento. Complementarmente, o modelo estava equipado com quatro lançadores de granadas fumígenas, destinados à criação de cortinas de fumaça para ocultação tática durante manobras em campo de batalha. O veículo recebeu a designação M-1 e o nome “Charrua”, termo de origem indígena que significa “ágil, robusto e com garra”, refletindo de forma simbólica as qualidades operacionais esperadas do projeto. A viatura foi apresentada oficialmente ao Exército Brasileiro e, em seguida, submetida a um rigoroso programa de testes e avaliação de campo, inicialmente conduzido no campo de provas da Motopeças S.A., localizado na cidade de Sorocaba (SP), e posteriormente no Campo de Provas da Marambaia (CPrM), no estado do Rio de Janeiro. Em agosto de 1985, foi concluído e disponibilizado um segundo protótipo, incorporando uma série de aperfeiçoamentos técnicos e estruturais, o que possibilitou a ampliação do programa de ensaios operacionais. Deste processo de refinamento nasceu o modelo M-2 “Charrua II”, que se distinguiria do primeiro protótipo por alterações significativas de design e desempenho mecânico. O M-1 “Charrua I” apresentava linhas externas mais retas e convencionais, remetendo diretamente à estética e ao arranjo dos VBTP M-113 norte-americanos. Sua configuração incluía um quebra-ondas em formato de “V” e uma torre automática de metralhadora posicionada à direita do compartimento do motorista, localizado no canto dianteiro esquerdo do casco. Já o M-2 “Charrua II” incorporava um design mais moderno e anguloso, com quebra-ondas reto e uma nova torre manual de armamento, agora reposicionada atrás do motorista. A substituição da torre automática original decorreu da escassez de conjuntos disponíveis, uma vez que os exemplares existentes eram provenientes da frota de VBTP M-59, que à época encontrava-se em processo de desativação pelo Exército Brasileiro. Outra modificação substancial foi a adoção de um novo grupo motopropulsor, passando o veículo a ser equipado com um motor Scania V8 Turbo Diesel DS-14, capaz de desenvolver 470 hp de potência, o que representou um ganho expressivo em termos de desempenho e mobilidade. O modelo aprimorado “Charrua II” atraiu o interesse não apenas do Exército, mas também do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil (CFN), que inicialmente acompanhou o programa de testes coordenado pelo Exército Brasileiro e, posteriormente, conduziu avaliações independentes, voltadas à verificação de sua adequação às operações anfíbias e de desembarque típicas da doutrina naval brasileira.
Em ambos os programas, o M-2 Charrua II apresentaria um excelente desempenho e grande mobilidade de manobras tanto na terra, exibindo capacidade de girar em torno do próprio eixo, capacidade conhecida como pivoteamento, como na água onde demonstraria grande agilidade oferecida pelo sistema de hidrojato. Mais dois protótipos seriam concluídos, um destes seria customizado para representar um viatura especializada para emprego em missões antiaéreas. Este veiculo receberia a instalação de um canhão Bofors de 40 mm montado em uma torre giratória Trinity apresentando elevação entre -10 e +80 graus, com carregador de 100 tiros e cadência de 330 por minuto. Seu sistema de detecção e engajamento e controle de fogo era feito através de sistemas eletrônicos, permitindo a identificação, calculo e engajamento de um alvo aéreo em cerca de dois segundos. Sua munição seria nacionalizada cabendo a FI Indústria e Comércio Ltda fluminense, a produção da munição e a espoleta de proximidade ficando a cargo da empresa Prólogo S/A Produtos Eletrônicos. Sua efetividade operacional deveria abater alvos até 6.000 metros de altura, especialmente aviões evadindo mísseis a baixa altitude e helicópteros. Além do protótipo funcional seriam apresentados projetos conceituais envolvendo o emprego de quatro canhões 25 mm numa torre Oto Melara ou quatro mísseis terra ar guiados por infravermelho Piranha. Este protótipo de veiculo blindado antiaéreo seria montado pela Moto Peças S/A em parceria com a CBV Indústria Mecânica S/A, sendo exposto em 1987 em uma feira militar na cidade de São José dos Campos. Apesar de promissor seu projeto não avançaria além da fase conceitual, e infelizmente o Exército Brasileiro somente incorporaria um veiculo especializado a este missão somente em 2013 com a adoção do sistema Gepard 1A2 Flakpanzer. Posteriormente este chassis seria empregado para o desenvolvimento da versão socorro que também não evoluiria, o mesmo ocorrendo com dos demais modelos planejados como ambulância, socorro, carro oficina, comunicações, radar, obuseiro 155 mm, lançador de mísseis e porta morteiros de 120 mm. O Charrua II permaneceu em testes até a primeira metade da década de 1990, apesar de seus dotes, o pais atravessava uma de suas maiores crises econômicas o que acarretaria em drásticos cortes no orçamento das Forças Armadas Brasileiras, levando ao cancelamento do programa. Neste contexto o Exército Brasileiro abandonaria o projeto de substituição da frota dos VBTP M-113, optando por processos paliativos de repotenciamento, o mesmo ocorrendo com o Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil (CFN). Apenas um protótipo do modelo Charrua II ficaria sobre a guarda do Exército Brasileiro, sendo recuperado no ano de 2022 por uma equipe de mecânicos da 3ª Divisão de Exército, localizada em Santa Maria do estado do Rio Grande do Sul. Em Escala.
Para representarmos o M-2 Charrua II em sua configuração final, optamos por desenvolver um projeto em scratch building, partindo do kit original do carro de combate M-41A3 Walker Buldog produzido pela Tamiya na escala 1/35. Deste aproveitamos somente o chassi, rodas, suspensão, esteiras e acessórios, construindo todo o restante artesanalmente com base nas plantas originais do protótipo. Utilizamos decais confeccionados pela Decals e Books presentes no set "Forças Armadas do Brasil".
Todos os cinco protótipos do M-1 e M-2 VBTP Charrua receberam o padrão de pintura tático em dois tons, adotado pelo Exército Brasileiro a partir do o ano de 1983. Com este esquema sendo mantido na única viatura preservada junto a 3ª Divisão de Exército, baseada na cidade de Santa Maria do estado do Rio Grande do Sul.
Bibliografia :
- Moto Peças S/A Lexicar - https://www.lexicarbrasil.com.br/moto-pecas/
- Blindados no Brasil Volume I, por Expedito Carlos S. Bastos
- Blindados no Brasil Volume II, por Expedito Carlos S. Bastos
- M-41C Rede de Tecnologia & Inovação do Rio de Janeiro - http://www.redetec.org.br/inventabrasil/caxias.htm
- Carro de combate M-41 no Exército Brasileiro - http://www.defesanet.com.br





