História e Desenvolvimento.
Fundada em 16 de junho de 1903, no subúrbio de Detroit, Michigan, a Ford Motor Company se consolidaria como uma das mais emblemáticas montadoras norte-americanas. Sob a liderança visionária do engenheiro Henry Ford, a empresa nasceu de um investimento ousado, com um capital inicial de US$ 28.000, aportado por Ford e doze investidores, entre os quais se destacavam os irmãos John e Horace Dodge, que mais tarde fundariam a Dodge Motors Company. Apesar das instalações modestas em seus primórdios, a Ford Motors representava uma promessa de inovação em um setor ainda incipiente. Nos primeiros anos, a produção era quase artesanal, com pequenos grupos de dois ou três trabalhadores dedicando-se a cada veículo, montando-os etapa por etapa. Cerca de 80% dos componentes eram fornecidos por terceiros, mas os modelos iniciais da Ford rapidamente conquistaram a confiança do público norte-americano, posicionando a empresa como líder no mercado de automóveis de passeio. Esse sucesso gerou recursos que permitiram a expansão da companhia e o aprimoramento de seus processos produtivos. Buscando maior eficiência, a Ford adotou um modelo de integração vertical, internalizando a produção de componentes essenciais, o que se revelou altamente eficaz para a época. Em 1908, Henry Ford apresentou uma inovação significativa com o Ford Modelo T, equipado com o primeiro motor de cabeça de cilindro removível. Esse marco veio em um momento em que a indústria automotiva, iniciada em 1886 com o Benz Patent-Motorwagen de Karl Benz, demandava métodos de produção mais eficientes para tornar os automóveis acessíveis à classe média. Foi nesse contexto que, em 1914, Henry Ford revolucionou a indústria ao introduzir a “linha de montagem”, um sistema contínuo de produção em série que ficou conhecido como “Fordismo”. Com a padronização de processos, a verticalização da produção e o célebre lema de Ford — “Você pode comprar um Ford de qualquer cor, contanto que seja preto” —, o Modelo T alcançava reduções contínuas em seus custos de produção. Esses ganhos eram diretamente repassados aos consumidores, consolidando a liderança do modelo no mercado norte-americano e ampliando sua popularidade. Desde cedo, a Ford Motor Company demonstrou visão global, investindo em parcerias internacionais para a montagem local de seus veículos. A primeira iniciativa nesse sentido ocorreu em 1904, no Canadá, com uma linha dedicada à produção do Ford Modelo C. Essa iniciativa marcou a criação da Ford Motor Company of Canada, com sede na Walkerville, Ontário, representando o primeiro passo de sua expansão internacional, crucial para o fortalecimento da marca, que se tornaria sinônimo de inovação e acessibilidade no setor automotivo.
A Ford Motor Company consolidou sua expansão internacional em 1911, quando iniciou a produção do icônico Ford Modelo T na Grã-Bretanha, alcançando plenamente o mercado europeu por meio de sua rede de distribuidores. Esse marco representou um passo decisivo na estratégia global da empresa, que buscava atender à crescente demanda por automóveis acessíveis. Em 1913, a Ford voltou seus olhos para o promissor mercado latino-americano, estabelecendo uma filial comercial em Buenos Aires, Argentina, um movimento que reforçou sua presença em uma região de grande potencial econômico. Durante a década de 1910, o Ford Modelo T, carinhosamente apelidado de “Tin Lizzie”, tornou-se o automóvel mais popular nos Estados Unidos, com sua versatilidade expandida para versões utilitárias e de serviço. Não surpreende, portanto, que o veículo tenha desempenhado um papel crucial durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Milhares de unidades militarizadas foram produzidas para apoiar as forças aliadas na Europa, com o Exército Real Britânico, por exemplo, empregando cerca de 19 mil caminhões leves Ford. A entrada dos Estados Unidos no conflito, em 1917, ampliou ainda mais o uso desses veículos, que se destacaram em missões de socorro médico, transporte de pessoal e suprimentos. Esse desempenho gerou inúmeros contratos de produção, proporcionando à Ford recursos financeiros significativos para investir em novos modelos de veículos utilitários e caminhões leves. Na década de 1920, a Ford lançou a família de utilitários Ford Modelo AAA, que trouxe maior potência e capacidade de carga. Esses veículos alcançaram notável sucesso comercial, mantendo altas vendas mesmo durante a crise econômica iniciada em 1929, demonstrando a resiliência da marca em tempos desafiadores. No início dos anos 1930, a empresa apresentou a família Ford Modelo BB, que introduzia melhorias significativas, como uma suspensão aprimorada e um motor a gasolina de 3,3 litros, com quatro cilindros refrigerados a água, entregando 52 cavalos de potência. Com um consumo médio de 24 litros por 100 km e uma velocidade máxima de 75 km/h, aliado a um preço acessível, o Modelo BB conquistou tanto o mercado norte-americano quanto o europeu. A produção do Modelo BB na Europa foi iniciada em 1932, nas instalações da Ford Motor Company AG, em Colônia-Niehl, Alemanha. Nesse período, a Ford já se consolidava como um império automotivo global, com fábricas estrategicamente estabelecidas em diversos países, incluindo Estados Unidos (Dearborn, Michigan), Grã-Bretanha (Dagenham), Canadá (Windsor), Austrália (Melbourne), África do Sul (Port Elizabeth), Nova Zelândia (Lower Hutt), França (Poissy e Asnières), Holanda (Amsterdã), Bélgica (Antuérpia), Romênia (Bucareste) e União Soviética (Gorki). Essa rede global refletia a visão de Henry Ford de tornar a mobilidade acessível em escala mundial, solidificando o legado da empresa como pioneira na indústria automotiva.
Graças à sua robusta rede global de distribuidores, a Ford Motor Company continuou a expandir seu portfólio de produtos, buscando atender às crescentes demandas do mercado automotivo. Em 1935, a empresa lançou a nova geração de caminhões leves Ford Modelo V8-51, desenvolvida com base no chassi estendido do automóvel de passeio Ford V8. Equipado com um moderno motor refrigerado a água, de oito cilindros em “V” e 3,6 litros, o modelo entregava uma potência de 90 cavalos, aliada a uma transmissão manual de quatro velocidades. Esse conjunto mecânico permitia alcançar uma velocidade máxima de 83 km/h, com um consumo médio de 26 litros de gasolina por 100 km, representando um avanço significativo em eficiência em comparação aos modelos anteriores da montadora. Popularmente conhecido como “Ford Barrel-Nose” devido ao design característico de sua grade frontal, o Modelo V8-51 alcançou rápido sucesso comercial nos Estados Unidos, o que impulsionou sua produção em subsidiárias internacionais, incluindo a Ford Motor Company AG, na Alemanha, e a Ford of Britain, na Inglaterra. No mercado britânico, o modelo foi comercializado como Fordson 61 e 62 (Ford Six e Eight), disponível em duas configurações de chassi: uma versão curta, com distância entre eixos de 3.340 mm, e uma versão longa, com 3.990 mm, ambas com capacidade de carga de até três toneladas. A versatilidade do veículo atraiu a atenção de forças militares, e, a pedido do Exército Alemão (Wehrmacht), a Ford Motor Company AG desenvolveu uma versão militarizada, adaptada com componentes específicos para o transporte de tropas e cargas. Paralelamente, a Ford intensificou seus esforços no segmento de utilitários leves, com capacidade de até 1,5 toneladas. Em 1931, a empresa lançou uma linha derivada de suas primeiras picapes, equipadas com os consagrados motores Ford V8 de 90 cavalos. Em 1937, a Ford apresentou os caminhões leves da família Ford Stake Bed, com capacidade de 3/4 de tonelada, popularmente conhecidos como “One-Tonner”. Esses veículos introduziam uma nova cabine e chassi, projetados para atender às necessidades de transporte leve com robustez e confiabilidade. O sucesso desses modelos reforçou a posição da Ford como uma das líderes no mercado de veículos utilitários, tanto nos Estados Unidos quanto em outros continentes. A dedicação da Ford em inovar e adaptar seus produtos às demandas de diferentes mercados consolidou sua reputação como uma marca visionária, capaz de atender tanto às necessidades civis quanto às exigências de cenários militares, pavimentando o caminho para sua expansão global contínua.Em 1939, a Ford Motor Company introduziu aprimoramentos significativos em sua linha de veículos utilitários, destacando-se a adoção de um moderno sistema de freios hidráulicos. Essa inovação colocou os modelos da Ford em igualdade com os concorrentes, que já incorporavam essa tecnologia em veículos similares, reforçando a competitividade da marca no mercado. Nesse mesmo ano, a empresa apresentou uma nova grade frontal de design oval, que se tornaria uma marca registrada de suas picapes e utilitários leves, conferindo-lhes uma identidade visual distinta e reconhecível. Enquanto isso, na Europa, a subsidiária alemã da Ford passou por uma transformação drástica. Em 1939, ela foi estatizada e renomeada Ford Werke AG, direcionando toda a sua produção para atender ao esforço de guerra nazista. Suas linhas de montagem passaram a fabricar o Ford G917T, um caminhão de três toneladas equipado com um motor V8 de 91 cavalos. Além da versão padrão para transporte, foram produzidas variantes especializadas, incluindo veículos de comando, ambulâncias, caminhões de rádio e oficinas móveis. Esses modelos foram amplamente utilizados pelo Exército Alemão (Wehrmacht), pela Marinha (Kriegsmarine) e pela Força Aérea (Luftwaffe). Apesar do embargo norte-americano imposto após a declaração de guerra em dezembro de 1941, que restringiu o acesso a peças, a produção do G917T continuou até meados de 1942. Nesse momento, ele foi substituído pelo Ford V3000, também de três toneladas, mas projetado para ser mais robusto, simples de fabricar e com maior uso de componentes locais. Nos Estados Unidos, a Ford observava uma trajetória ascendente de vendas, um sucesso que se refletia nas exportações, especialmente para mercados emergentes da Ásia e da América Latina. Este último, em particular, demonstrava grande potencial comercial a curto e médio prazo, atraindo não apenas a Ford, mas também outras montadoras norte-americanas. A robustez, o baixo custo de aquisição e a eficiência operacional dos caminhões e utilitários da Ford conquistaram as forças armadas de diversos países sul-americanos, que, na época, iniciavam a modernização de suas doutrinas operacionais. Assim, abriu-se um novo e promissor nicho de mercado, com modelos adaptados para o transporte de pessoal e cargas, oferecendo soluções modernas a preços altamente competitivos. Um fator determinante para o sucesso dessas iniciativas foi a compatibilidade mecânica entre os modelos militares e comerciais da Ford. Essa uniformidade facilitava a manutenção e reduzia os custos com peças de reposição, tornando os veículos ainda mais atraentes para os mercados emergentes. A capacidade da Ford de aliar inovação, acessibilidade e versatilidade solidificou sua posição como líder no setor automotivo, atendendo tanto às demandas civis quanto às necessidades estratégicas de forças militares em todo o mundo.
Com o recrudescimento das hostilidades na Europa a partir de 1940 e o aumento das tensões com o Império do Japão no Leste Asiático, o governo norte-americano intensificou seus esforços para modernizar e reequipar suas forças armadas. Nesse cenário, a indústria nacional foi rapidamente mobilizada para apoiar o esforço de guerra aliado, direcionando sua capacidade produtiva à fabricação de equipamentos militares. Nesse contexto, a Ford Motor Company reestruturou suas linhas de produção, dedicando-se à manufatura de uma ampla gama de veículos adaptados para uso militar. Os modelos já consolidados no portfólio da Ford, como o Ford V8, foram rapidamente militarizados, recebendo carrocerias adaptadas para o transporte de cargas e pessoal. Essas versões podiam contar com cabines de aço, semelhantes às dos modelos civis, ou cabines militares com cobertura de lona, adequadas às mais diversas missões operacionais. Entre os destaques estava o Ford G8T, um caminhão comercial de 1,5 tonelada com tração 4x2, que se tornou o modelo mais produzido de sua categoria durante o conflito. Esses veículos desempenharam um papel central nas operações logísticas, não apenas das forças armadas dos Estados Unidos, mas também de nações aliadas, integrando o portfólio do programa de assistência militar Lend-Lease Act (Lei de Empréstimos e Arrendamentos). Até 1943, mais de 60 mil caminhões Ford foram fornecidos à União Soviética, um número superado apenas pelos veículos da família GMC CCKW 352 4x4. Na Europa, as forças armadas alemãs também fizeram amplo uso dos caminhões Ford G-917 (modelos G917T St IIIa e G987T St IIIb), com mais de 25 mil unidades empregadas nas fases iniciais da Segunda Guerra Mundial. Durante as campanhas de conquista entre 1939 e 1942, centenas de caminhões Ford pertencentes a forças inimigas foram capturados. Graças à familiaridade dos mecânicos da Wehrmacht com os componentes desses veículos, produzidos em fábricas na Alemanha, França e Romênia, a frota capturada mantinha elevados índices de operacionalidade. Essa versatilidade e confiabilidade reforçaram a relevância dos modelos Ford no cenário de guerra. Após o término do conflito, o Ford G-917 permaneceu como um dos principais modelos em sua categoria, tanto nos Estados Unidos quanto na Alemanha. Sua produção foi mantida até o final da década de 1940, quando começou a ser gradualmente substituído por novos projetos que refletiam os avanços tecnológicos do pós-guerra. A durabilidade e a adaptabilidade dos caminhões Ford durante o conflito consolidaram a reputação da empresa como uma das líderes na produção de veículos utilitários, deixando um legado marcante na história automotiva e militar.Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
Após o término da Primeira Guerra Mundial (1914–1918), a adoção de veículos automotores em operações militares deixou de ser uma mera inovação tecnológica para se tornar um elemento central na doutrina das principais forças armadas do mundo. A experiência adquirida nos campos de batalha europeus demonstrara, de forma inequívoca, que a mobilidade baseada em carroças e cavalos havia se tornado insuficiente para atender às exigências do combate moderno. A velocidade, a flexibilidade e a eficiência proporcionadas pelos motores a combustão despontavam como pilares de uma nova era na arte da guerra. Nesse ambiente de profundas transformações, o Exército Brasileiro buscou alinhar-se às tendências internacionais, iniciando um processo gradual de modernização que despertou grande entusiasmo entre a jovem oficialidade. A perspectiva de incorporar equipamentos modernos e adotar novos conceitos operacionais também cativou as Forças Públicas estaduais, antecessoras das atuais Polícias Militares, que acompanhavam de perto as mudanças em curso. Até aquele momento, entretanto, o parque motomecanizado brasileiro era modesto. A maioria das viaturas do Exército ainda era hipomóvel, dependente de tração animal, e composta por modelos variados, muitos de fabricação estrangeira e outros construídos artesanalmente no país. A transição começou a tomar forma no início da década de 1920, quando os primeiros veículos automotores foram incorporados à Força Terrestre: caminhões leves baseados no Ford T, um dos automóveis mais influentes de sua época. A escolha pelo Ford T não foi casual. Em 1919, a Ford Motor Company instalou no Brasil a primeira linha de montagem automotiva do país, o que facilitou sobremaneira a aquisição, manutenção e reposição de peças. Produzidos localmente no sistema CKD (Completely Knocked Down) — com peças importadas dos Estados Unidos e montagem realizada em São Paulo — os veículos inicialmente destinados ao mercado civil passaram rapidamente a ser adaptados para uso militar. A eles somaram-se modelos da Chevrolet e de outras montadoras norte-americanas e europeias, muitos deles encarroçados no próprio país, ainda sem uma padronização definida. Um marco fundamental desse processo ocorreu em 1923, com a criação pelo comando do Exército Brasileiro do Serviço Central de Transportes do Exército (SCT), sediado no Rio de Janeiro, então capital federal. Dotado de infraestrutura técnica avançada para a época, o SCT recebeu caminhões e utilitários destinados às mais diversas funções militares. Os veículos eram adquiridos na configuração básica chassi, conjunto mecânico e cabine — e posteriormente transformados nas oficinas da própria instituição, que desenvolvia adaptações específicas para transporte de tropas, carga, ambulâncias e outras missões operacionais.
Com essa base técnica e logística estabelecida, o Exército Brasileiro passou a realizar os primeiros ensaios e treinamentos sistematizados com viaturas automotoras, buscando compreender como esses meios poderiam ser integrados às operações militares. Essa fase experimental revelou-se essencial para a elaboração das primeiras doutrinas nacionais de motorização. A primeira grande aplicação prática dessa nova capacidade ocorreu durante a Revolução de 1924, um movimento armado de grande repercussão que teve início em São Paulo e se estendeu ao interior do país. No Paraná, sob a coordenação do General Cândido Mariano da Silva Rondon, veículos civis e militares foram empregados em múltiplas funções — desde ambulâncias improvisadas para evacuação de feridos até caminhões leves utilizados para deslocamento rápido de tropas e suprimentos. Esse episódio representou um momento simbólico e decisivo: pela primeira vez, os veículos automotores demonstravam, em território nacional e sob condições reais de combate, seu potencial para transformar a logística militar e elevar a capacidade operacional das forças brasileiras. A partir de então, a motorização das tropas deixaria de ser uma mera expectativa modernizadora e passaria a integrar, de forma irreversível, o horizonte estratégico do Exército Brasileiro. Ao longo da década de 1920, o Exército Brasileiro iniciou um processo gradual de modernização ao incorporar veículos automotores às suas atividades. Apesar desse avanço, a estrutura logística da Força Terrestre ainda dependia, em grande medida, de meios tradicionais para o transporte de suprimentos essenciais — como víveres, combustível, munição e armamento. As carroças de tração animal, tipicamente do “modelo colonial” e conduzidas por parelhas de seis cavalos, continuavam a desempenhar papel central, sobretudo em regiões cujo desenvolvimento viário era incipiente. No entanto, já no início da década de 1930, impulsionado pelo contexto internacional de mecanização militar e pela necessidade interna de aprimorar sua capacidade de mobilização, o Exército intensificou a adoção de veículos militares e militarizados. Diversas marcas estrangeiras passaram a compor a frota nacional, representando o que havia de mais moderno à época. Entre os fabricantes, destacavam-se os norte-americanos Ford, Chevrolet, Dodge e International; os britânicos Thornycroft e Commer; a francesa Somua; e as alemãs Henschel e Krupp. Apesar dessa variedade, tornou-se evidente a necessidade de racionalizar a manutenção e assegurar o fluxo de peças de reposição — muitas das quais dependiam de importação. Assim, o Exército Brasileiro passou a priorizar caminhões leves e médios montados no Brasil, medida estratégica para reduzir custos, simplificar o treinamento de pessoal técnico e aumentar a disponibilidade operacional das viaturas.

Esse movimento, que já se delineava desde meados dos anos 1930, acabaria por culminar na formalização de uma diretriz específica: o Aviso nº 658, de 27 de setembro de 1937. Esse documento determinava que apenas veículos das montadoras Ford, Chevrolet, Dodge e Commer poderiam ser adquiridos para o transporte de carga e pessoal pelo Exército Brasileiro. A norma estendia-se também à Marinha do Brasil, abrangendo modelos destinados ao transporte de tropas, suprimentos, combustíveis e evacuação médica. A decisão representou um marco no processo de padronização logística das Forças Armadas, ao mesmo tempo em que proibia expressamente a compra de veículos de outros fabricantes. Nesse cenário, a Ford Motor Company do Brasil consolidou-se como uma das principais fornecedoras da Força Terrestre, competindo de forma equilibrada com a General Motors. Ambas destacavam-se não apenas por sua inserção robusta no mercado nacional, mas também pelo compromisso em elevar o conteúdo nacional de seus veículos. Tal postura fortalecia a confiança nas frotas empregadas pelas Forças Armadas e contribuía diretamente para sua manutenção e disponibilidade. Antes mesmo da publicação do Aviso 658, o Exército já operava uma frota expressiva de caminhões e utilitários Ford, incluindo modelos como o Ford TT, Ford V8, Ford 131 ½ ton, Ford Barrel-Nose, Ford 157 ½ ton e o Ford Gigante 937 ½ ton. Reconhecidos por sua robustez e versatilidade, esses veículos foram fundamentais na transição do Exército para uma logística mais moderna, eficiente e profissionalizada. O emprego dessas viaturas pavimentou o caminho para a consolidação de uma doutrina motorizada, compatível com os desafios operacionais de uma força armada em processo de modernização. Nos anos subsequentes, o Exército Brasileiro ampliou de forma consistente sua frota ao intensificar as aquisições junto à Ford Motor Company, incorporando uma série de novos modelos que se tornariam fundamentais à mobilidade terrestre da Força. Entre as viaturas adquiridas figuravam o Ford 1/5 ton Stake Bed, os Ford Modelos 1938, 1940 e 1941, além de veículos militares especializados como o Ford G-540 2G8T – G8T, Ford G-622, Ford G-917, Ford FK G-700 e Ford YBH2. Graças a essa expansão, as frotas combinadas das Forças Armadas ultrapassaram a marca de 1.500 caminhões, número expressivo para a realidade brasileira da época. Esse conjunto de viaturas garantia ao Exército uma capacidade de mobilidade considerável, ainda que condicionada pelas limitações técnicas e logísticas vigentes no país durante o período pré-Segunda Guerra Mundial. Apesar desse avanço, persistia um desafio significativo: nenhum dos modelos então disponíveis era apto a suportar tarefas de transporte pesado.
Essa lacuna operacional levou o alto comando militar a buscar alternativas que atendessem às necessidades emergentes de tracionamento de peças de artilharia de grande porte. Amparado pela normativa vigente, o Exército procedeu à aquisição de caminhões mais robustos, entre eles os britânicos Thornycroft Tartar 6x4 e os alemães Henschel & Sohn 33 D1 6x4. Estes últimos foram especialmente empregados na tração dos pesados obuseiros Schneider de 155 mm, cujo peso excedia a capacidade dos caminhões já integrados ao inventário brasileiro. Em 22 de junho de 1939, buscando padronizar e modernizar o parque viário militar, o Ministério da Guerra promulgou o Aviso nº 553, que estabelecia diretrizes para uniformizar as carrocerias utilizadas nos caminhões do Exército. A iniciativa, conduzida pelo chefe do Serviço Central de Transportes (SCT), adotou como referência o padrão norte-americano, caracterizado por carrocerias com pranchas externas de madeira contínuas e bancos laterais fixos. Essa configuração otimizava o transporte de tropas e ampliava a versatilidade para o carregamento de volumes diversos. A modernização estética e funcional foi além: em muitos veículos, as portas das cabines foram removidas, reforçando o caráter militar das viaturas, enquanto os antigos esquemas de pintura em múltiplas cores — herdados dos modelos civis — foram substituídos por padronizações exclusivamente militares. Diversos caminhões Ford, especialmente o G-917 T, receberam carrocerias adaptadas conforme o novo regulamento e passaram a ostentar um esquema de camuflagem em três tons cinza, verde e marrom —, que se tornaria uma assinatura visual do período. Nesse contexto, os Ford G-917 T de 1939, com capacidade de 1,5 tonelada, assumiram papel relevante no apoio à artilharia. Foram amplamente empregados no transporte dos canhões de montanha Schneider 75 mm e Saint Chamond 75 mm, juntamente com as respectivas guarnições, assegurando maior mobilidade às unidades de artilharia leve. Além disso, esses veículos protagonizaram um avanço importante ao serem designados para apoiar os recém-criados 1º e 2º Regimentos de Artilharia Antiaérea (1/1º RAAAé e 2/1º RAAAé). Nessas unidades, atuaram como plataformas móveis para os canhões antiaéreos duplos Oerlikon de 20 mm, de origem suíça, marcando o início efetivo da mobilidade na artilharia antiaérea brasileira e contribuindo para a modernização de suas capacidades defensivas. Por fim, durante a década de 1930, uma pequena parcela dos caminhões Ford G-917 T foi adaptada localmente por fornecedores especializados para funções logísticas específicas. Essas viaturas receberam tanques metálicos destinados ao transporte de água ou combustível e passaram a ser classificadas como TE Auto Caminhão Cisterna Água 2 Ton (rodado duplo) e TE Auto Caminhão Cisterna Combustível 2 Ton, desempenhando papel essencial nas operações de apoio e abastecimento.

Contudo, a maior parte dessa frota permaneceu dedicada às funções dos “Esquadrões de Trem”, denominação atribuída às unidades de transporte militar do Exército Brasileiro na época. As demais versões em uso receberiam as designações de TE Auto Caminhão Oficina 2 Ton rodado simples, TNE Auto Caminhão Carga 1 ½ Ton rodado simples e TE Auto Caminhão Ambulância 4x2. Na Marinha do Brasil, esses veículos foram utilizados exclusivamente para o transporte de cargas, operando em apoio direto aos distritos navais. Nos anos seguintes, a frota manteve elevados índices de operacionalidade, resultado não apenas da robustez inerente ao projeto da Ford, mas também da facilidade de manutenção e do acesso a peças de reposição, fatores essenciais para sua confiabilidade A partir de meados de 1941, com o agravamento da Segunda Guerra Mundial e a decisão do governo brasileiro de alinhar-se aos Aliados, tornou-se evidente que os meios de transporte disponíveis eram insuficientes para atender às crescentes demandas de mobilização militar. Uma das principais lacunas observadas era a ausência de caminhões com tração integral, projetados especificamente para operações logísticas em apoio às instalações estratégicas ao longo do extenso litoral brasileiro. Essa necessidade foi suprida com a adesão do Brasil ao programa Lend-Lease Act (Lei de Empréstimos e Arrendamentos), que disponibilizou uma linha de crédito de US$ 100 milhões para a aquisição de equipamentos bélicos. Esse programa permitiu ao país acessar armamentos modernos, aeronaves, veículos blindados e carros de combate, transformando significativamente sua capacidade militar. Nos anos subsequentes, o Brasil recebeu mais de dois mil caminhões modernos, com destaque para os modelos GMC CCKW 352 4x4 e CCKW 353 6x6, além dos Studebaker US-6G. Esses veículos passaram a ser o pilar da capacidade de transporte das Forças Armadas Brasileiras, garantindo maior eficiência logística. Com a chegada desses novos modelos, os caminhões leves militarizados, como o Ford G-917T, foram realocados para missões de apoio e segunda linha. Eles desempenharam essas funções até o início da década de 1950, quando começaram a ser gradualmente desativados no Exército Brasileiro. Na Força Aérea Brasileira e na Marinha do Brasil, esses veículos permaneceram em serviço pelo menos até o início da década seguinte, refletindo sua durabilidade e versatilidade. A transição para veículos mais avançados marcou um capítulo importante na modernização das Forças Armadas Brasileiras, consolidando a importância de uma logística eficiente e adaptada às exigências do cenário militar global. Os caminhões Ford G-917T, embora eventualmente substituídos, deixaram um legado de confiabilidade e contribuíram significativamente para a evolução do transporte militar no Brasil.
Em Escala.
Para representarmos o G-917 T - 1939 (1,5 tonelada), empregado pelo Exército Brasileiro, fizemos uso do modelo artesanal confeccionado em resina na escala 1/35, produzido pelo fabricante Dnepro Model, salientando que recentemente a ICM lançou este mesmo injetado na escala 1/35. Optamos por manter a carroceria comercial original do veículo, não alterando para o padrão militar adotado posteriormente. Fizemos a aplicação de decais confeccionados pela Decal & Book pertencentes ao "Set Forças Armadas Brasileiras 1942 - 1982", seguindo fotos de época, salientando no entanto que não identificamos registros visuais deste tipo de marcação neste modelo de caminhão.
O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa um dos padrões de pintura tático do Exército Brasileiro adotado no final da década de 1940, salientamos alguns destes veículos durante muitos anos manteriam as pinturas comerciais com muitas peças cromadas. Experimentalmente seria aplicada em um certo numero de caminhões, um esquema camuflado em trens tons de cinza, marrom e verde. Empregamos tintas e vernizes produzidos pela Tom Colors.
Bibliografia :
- Primórdios da Motorização no Exército Brasileiro 1919-1940 - Expedito Carlos Stephani Bastos
- Ford do Brasil – www.ford.com.br
- Ford Motors Co. - www.ford.com
- Motorização no Exército Brasileiro 1906 a 1941 - Expedito Carlos Stephani Bastos
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