História e Desenvolvimento.
Em meados da década de 1950, o Exército dos Estados Unidos (U.S. Army) operava o obuseiro autopropulsado M-55, calibre 203,2 mm (8 polegadas), como seu principal sistema de artilharia pesada de campanha. Desenvolvido a partir do projeto do canhão autopropulsado M-53 de 155 mm, o M-55 incorporava avanços significativos em mobilidade e proteção, consolidando-se como um marco na evolução da artilharia autopropulsada norte-americana no período pós-Segunda Guerra Mundial. O M-55 era construído sobre o chassi do tanque médio M-48 Patton, compartilhando, em sua origem, diversos componentes automotivos do M-47 Patton. Sua configuração, contudo, trazia uma inovação estrutural notável: o motor foi reposicionado na parte dianteira, acoplado a uma roda dentada motriz frontal, o que conferia ao veículo maior equilíbrio de peso e melhor desempenho em terrenos acidentados. Essa disposição também lhe permitia alcançar velocidade máxima de 50 km/h (30 mph) — um salto considerável em relação aos obuseiros rebocados de 8 polegadas utilizados durante a Segunda Guerra Mundial, que exigiam até duas horas para entrar em posição de tiro. Em contraste, o M-55 podia preparar-se para disparo em apenas três minutos, um avanço decisivo para operações de artilharia móvel em apoio a formações blindadas. Projetado para suporte geral às tropas terrestres e apoio direto às unidades mecanizadas, o M-55 foi concebido com a capacidade de operar em ambientes de guerra nuclear, biológica e química (NBC) — uma exigência estratégica da Guerra Fria. Seu casco totalmente fechado e blindado, com espessura de até 25 mm, oferecia proteção contra estilhaços e fogo de armas leves, ainda que fosse considerada modesta para os padrões de blindagem dos tanques da época. O armamento principal consistia em um obuseiro M-47 de 203,2 mm, com alcance máximo de 16,92 km (10,51 milhas) e cadência de tiro de um disparo a cada dois minutos. O veículo transportava dez projéteis em configuração de combate e contava com uma metralhadora Browning M2HB calibre .50 (12,7 mm) montada externamente para defesa próxima. O desenvolvimento do M-55, inicialmente designado T-108, teve início em 1951, com produção seriada entre 1952 e 1955, totalizando aproximadamente 550 unidades. As primeiras entregas ocorreram em 1956, substituindo gradualmente o M-53, cujo canhão de 155 mm se mostrava insuficiente em determinados cenários de combate. Diversos M-53 foram posteriormente convertidos para o padrão M-55, de modo a aproveitar o maior poder destrutivo do canhão de 203 mm, que proporcionava capacidade de fogo de saturação de longo alcance um fator crucial no contexto estratégico da Guerra Fria. Apesar de suas qualidades, o M-55 apresentava limitações consideráveis. Com um peso bruto de cerca de 40 toneladas, o veículo não era compatível com o transporte aéreo disponível na época, restringindo sua mobilidade estratégica. Sua autonomia operacional, limitada a cerca de 260 km, também era um obstáculo, agravado pelo uso de um motor a gasolina, que apresentava elevado consumo e riscos de superaquecimento durante operações prolongadas de tiro. Essas deficiências motivaram o Comando do Exército dos Estados Unidos, ainda no final da década de 1950, a iniciar estudos para uma nova geração de veículos de artilharia autopropulsada.
Os projetos subsequentes deveriam incorporar redução de peso, de modo a permitir o transporte por aeronaves táticas como o C-130 Hercules, recém-introduzido pela Força Aérea dos Estados Unidos (USAF). Além disso, buscava-se padronizar plataformas mecanizadas que servissem de base para múltiplas versões especializadas, incluindo variantes de comando, engenharia e socorro, com o objetivo de otimizar custos logísticos, simplificar o treinamento de tripulações e elevar a eficiência operacional das forças de artilharia norte-americanas. No contexto da rápida evolução tecnológica e doutrinária da artilharia no pós-guerra, o Departamento de Ordenança do Exército dos Estados Unidos (U.S. Army Ordnance Department), em cooperação com a Pacific Car and Foundry Company — posteriormente rebatizada como PACCAR —, iniciou em 1956 um programa ambicioso destinado ao desenvolvimento de uma nova geração de veículos de artilharia autopropulsada. A iniciativa tinha como objetivo principal substituir os obuseiros M-53 e M-55, que, apesar de seu desempenho respeitável durante a década anterior, apresentavam limitações significativas em termos de peso, mobilidade estratégica e consumo de combustível. A premissa fundamental do projeto era a padronização. O Exército buscava criar uma plataforma mecanizada comum que pudesse ser adaptada a diferentes calibres e funções táticas — desde peças de longo alcance até obuseiros de apoio direto —, a fim de reduzir custos de manutenção, simplificar a logística de peças de reposição e agilizar o treinamento das tripulações. Essa visão de modularidade antecipava um conceito que, décadas mais tarde, seria amplamente adotado nas forças armadas modernas. Sob a designação inicial T-235, o projeto foi concebido para originar uma viatura mais leve e versátil que o M-55, com peso bruto aproximado de 28 toneladas, o que possibilitaria seu transporte aéreo por aeronaves de carga como o C-130 Hercules. O novo veículo deveria oferecer maior alcance de tiro, com ênfase em missões de contra-bateria — isto é, na neutralização de artilharia inimiga e apoio de fogo de longo alcance. O resultado desses esforços foi a criação de duas plataformas intimamente relacionadas: o canhão autopropulsado M-107, armado com um canhão M-113 de 175 mm, e o obuseiro M-110, equipado com um obuseiro M-115 de 203 mm. O M-107, em particular, destacou-se por sua impressionante capacidade balística: era capaz de disparar projéteis de 66,6 kg a uma distância de 32,7 km (20,3 milhas) — quase o dobro do alcance do M-55. Sua cadência de tiro era de aproximadamente um disparo por minuto em fogo sustentado, ou dois disparos por minuto em rajadas curtas.O sistema utilizava munição de carga propelente separada, armazenada em veículos de apoio logístico, uma vez que o M-107 comportava apenas dois projéteis a bordo, devido ao espaço interno limitado. Diferentemente de seu antecessor, o veículo não possuía torre fechada, adotando uma plataforma aberta com canhão montado sobre base giratória. O batismo de fogo do M-107 e de seu derivado, o M-110, ocorreu durante os estágios iniciais da Guerra do Vietnã (1965–1975). Nessa campanha, ambos os modelos demonstraram desempenho excepcional, superando as expectativas originais.

O sucesso operacional desses sistemas consolidou sua reputação e levou à exportação para diversas nações aliadas, incluindo Israel, Jordânia, Irã, Turquia e Japão. Essa expansão internacional impulsionou a produção em larga escala, que passou a ser realizada não apenas pela Pacific Car and Foundry, mas também por outras empresas norte-americanas, como a FMC Corporation, a Bowen-McLaughlin-York e a General Motors Corporation. Em Israel, durante a Guerra do Yom Kippur (1973), o M-110 desempenhou papel decisivo na neutralização de posições egípcias e sírias, demonstrando notável precisão e resistência operacional. Já na Guerra do Golfo (1991), unidades como a 5ª Bateria do 11º Regimento de Fuzileiros Navais dos EUA e o 32º Regimento de Artilharia Real Britânico empregaram o sistema com eficácia contra alvos iraquianos, confirmando sua longevidade e confiabilidade. As versões subsequentes — o M-110A1, dotado de cano alongado M201, e o M-110A2, equipado com freio de boca duplo — ampliaram ainda mais o alcance e a precisão dos disparos. Com o uso de munições assistidas por foguete, esses modelos atingiam distâncias superiores a 30 km, mantendo o M-110 como um dos sistemas de artilharia autopropulsada mais respeitados do século XX. Os obuseiros autopropulsados M-107 e M-110, compartilhavam um chassi robusto que lhes conferia mobilidade e versatilidade em terrenos desafiadores. Essa estrutura, equipada com cinco rodas de cada lado, era sustentada por braços intermediários conectados a barras de torção e trilhos, projetada para absorver o impacto de deslocamentos rápidos. No coração da viatura, pulsava um motor General Motors 8V71T, um diesel de oito cilindros de dois tempos, turboalimentado, capaz de entregar até 450 hp. Posicionado na dianteira, ao lado da transmissão semiautomática, o motor era acompanhado pelo posto do motorista, situado à esquerda, garantindo um layout funcional para operações em combate. A força do motor alimentava uma bomba hidráulica essencial ao funcionamento do sistema de artilharia. Esse mecanismo permitia girar a torre, carregar munições e propelentes, além de ajustar a pá traseira, que estabilizava o veículo durante os disparos. A bomba também facilitava ajustes rápidos de deflexão pelo artilheiro principal e de elevação pelo artilheiro assistente, otimizando a cadência de tiro. Em situações de emergência, uma manivela manual servia como backup para a rotação da torre, refletindo a engenhosidade do projeto em prever falhas no campo. Contudo, a versatilidade do sistema hidráulico levava, por vezes, a usos inadequados: alguns operadores empregavam-no para forçar a pá traseira no solo, o que causava danos aos cilindros hidráulicos após a primeira salva de disparos, comprometendo a estabilidade da viatura. Apesar da robustez do conjunto mecânico, que exigia manutenções preventivas em intervalos generosos, os canhões propriamente ditos não gozavam da mesma reputação. A durabilidade limitada dos tubos do M-107 e do M-110 era uma fonte constante de críticas, especialmente em operações prolongadas. A substituição do tubo em campo representava um desafio logístico significativo, demandando o apoio de ao menos duas viaturas de socorro equipadas com guinchos hidráulicos, um processo que testava a paciência e a coordenação das equipes. Além disso, os sistemas de operação e tiro apresentavam complexidades que geravam reclamações entre as tripulações, cuja dedicação era posta à prova sob o calor do combate.
Para atender à demanda operacional de manutenção em condições de combate, o Exército dos Estados Unidos identificou a necessidade de uma viatura especializada capaz de realizar a troca dos tubos dos canhões dos obuseiros autopropulsados M-107 e M-110, bem como recuperar veículos blindados leves danificados no campo de batalha. Assim nasceu, em 1963, o M-578 Light Recovery Vehicle, um marco de engenhosidade logística que combinava robustez, versatilidade e integração com os sistemas de artilharia existentes. O projeto do M-578 foi desenvolvido pela Pacific Car and Foundry (PCF), sendo fundamentado na premissa de utilizar o mesmo chassi (T120) dos obuseiros, contando cinco rodas por lado, braços intermediários conectados a barras de torção e trilhos, garantindo estabilidade em terrenos irregulares. A decisão de usar o mesmo chassi foi estratégica: além de reduzir custos de produção e manutenção, permitia que o M-578 operasse em sincronia com os batalhões de artilharia, acompanhando-os em deslocamentos rápidos com uma velocidade máxima de 60 km/h e autonomia de 724 km, características que o tornavam um companheiro indispensável para os M-107 e M-110 em terrenos hostis. O coração do M-578 era o motor General Motors 8V71T, um diesel de oito cilindros, dois tempos, turboalimentado, com 450 hp, acoplado a uma transmissão semiautomática Allison XTG-411-2A. Posicionado na dianteira, ao lado do posto do motorista (à esquerda), o motor alimentava uma bomba hidráulica que desempenhava funções críticas: girar a cabine do guindaste, carregar equipamentos pesados e ajustar a pá traseira, usada para estabilizar o veículo durante operações de içamento. Uma manivela manual servia como backup para a rotação da cabine, um recurso vital em caso de falhas hidráulicas, embora operadores ocasionalmente usassem o sistema hidráulico de forma inadequada para forçar a pá no solo, causando danos aos cilindros hidráulicos após disparos. O diferencial do M-578 era seu guindaste hidráulico, com capacidade de 13.600 kg (30.000 lb), montado em uma cabine blindada que girava 360 graus. Essa cabine, equipada com cúpulas de visão no teto para o operador do guindaste e o rigger, permitia operações precisas em ambientes hostis. Um guincho frontal de 27.000 kg (60.000 lb) complementava o sistema, possibilitando a recuperação de veículos leves e médios, como o M113 ou caminhões táticos. O acesso à cabine era facilitado por portas laterais (uma de cada lado) e portas duplas na traseira, projetadas para agilizar a entrada e saída da tripulação sob pressão. O desenvolvimento do M-578 enfrentou desafios técnicos significativos. A integração de um guindaste pesado em um chassi de artilharia exigia um equilíbrio entre robustez e mobilidade, já que o peso adicional do equipamento de recuperação não podia comprometer a capacidade do veículo de operar em terrenos difíceis. Além disso, a cabine blindada, embora oferecesse proteção contra estilhaços e armas leves, aumentava o peso, demandando ajustes no sistema de suspensão e no motor. Testes iniciais revelaram a necessidade de reforçar os cilindros hidráulicos, que sofriam desgaste prematuro quando usados indevidamente para estabilizar a pá traseira. Outro desafio foi garantir a interoperabilidade com os M-107 e M-110. O M-578 precisava carregar ferramentas e peças específicas para a substituição de tubos de canhão, que pesavam várias toneladas, enquanto mantinha espaço para equipamentos de recuperação. A solução foi um design modular, com suportes para ferramentas e compartimentos acessíveis, permitindo à tripulação realizar reparos complexos com eficiência.
A produção inicial foi escalonada para atender às demandas do Exército dos Estados Unidos (US Army) e de aliados, como Israel, Reino Unido, Turquia e Coreia do Sul, que também adquiriram o M-578 para suas forças de artilharia. As primeiras unidades do M-578 começaram ser entregues ao Exército dos Estados Unidos (US Army) em 1964 sendo disponibilizados as unidades que empregavam os M-107 e M-110. Neste momento nas primeiras operações verificou-se que os tubos e barris do sistema de armas destes obuseiros não podiam ser substituídos usando um único M-578, devido ao peso e à necessidade de posicionamento preciso do barril no berço para evitar danos aos corredores de latão de barril. Desta maneira passou-se a empregar dois M-578 para serem posicionados um em cada extremidade do cano. Neste mesmo ano, coincidindo com a intensificação da Guerra do Vietnã, seriam enviados os primeiros M-578 a aquele teatro de operações, onde sua versatilidade foi posta à prova, principalmente devido as condições de manejo em meio à selva vietnamita. Com o tempo neste cenário, a missão do M-578 expandiu-se para incluir a recuperação de veículos blindados leves danificados por minas, emboscadas ou avarias mecânicas. Veículos como o M-113 APC , amplamente utilizado para transporte de tropas, e o M551 Sheridan, que enfrentava problemas crônicos de suspensão em terrenos acidentados, dependiam do M578 para serem rebocados ou reparados. Um exemplo notável é a assistência do M-578 a um M-551 Sheridan no Vietnã, onde o guindaste foi usado para reparos em campo, permitindo que o tanque retornasse à operação. O guincho frontal do M-578 era capaz de arrastar veículos de até 60.000 lb, mesmo em terrenos lamacentos, enquanto a pá traseira estabilizadora proporcionava firmeza durante operações de içamento. O M-578 também foi utilizado em tarefas de manutenção geral, transportando peças sobressalentes e equipes de reparo para bases avançadas. Sua capacidade de atravessar riachos com até 106,7 cm de profundidade e operar em terrenos pantanosos era uma vantagem significativa no Vietnã, onde chuvas monçônicas transformavam estradas em atoleiros. A blindagem leve do veículo protegia contra estilhaços e armas pequenas, mas deixava a tripulação vulnerável a ataques diretos, exigindo operações rápidas e coordenadas. O M-578 seria exportado a várias nações, entre elas Áustria, Dinamarca, Brasil, Egito, Grécia, Israel, Jordânia, Líbano, Marrocos, Turquia, Grã-Bretanha, Vietnã do Sul, Yemen e Arábia Saudita. Ao todo entre 1963 e 1979 foram produzidos 350 veículos, o Exército Americano os empregou até fins da década de 1990, sendo inclusive muito utilizados na Operação Tempestade no Desert (Desert Storm) no Iraque. Apesar da idade do projeto, muitos dos M-578 permanecem em uso em muitos países até a atualidade.Emprego no Exército Brasileiro.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), o Brasil vivenciou um dos períodos mais significativos de transformação de sua Força Terrestre, consolidando as bases de sua cavalaria blindada moderna. Esse processo foi profundamente influenciado pela cooperação militar com os Estados Unidos, no âmbito do Lend-Lease Act — o programa de empréstimo e arrendamento instituído pelo governo norte-americano em 1941 para fortalecer os aliados na luta contra o Eixo. A partir de 1942, o Brasil recebeu mais de 600 carros de combate de diferentes modelos e capacidades. Entre os principais destacavam-se os tanques leves M-3 e M-3A1 Stuart, bem como os tanques médios M-4 e M-4A1 Sherman, além dos M-3A3 e M-3A5 Lee. Essa frota diversificada representava o que havia de mais avançado em termos de tecnologia militar na época. Os Stuart, armados com canhões de 37 mm, ofereciam agilidade e mobilidade em terrenos variados, enquanto os Sherman e Lee, equipados com canhões de 75 mm, proporcionavam poder de fogo e capacidade de choque superiores, características decisivas para operações mecanizadas. A incorporação desses blindados marcou o nascimento de uma cavalaria blindada profissional no Exército Brasileiro, transformando-o em uma força de caráter moderno e mecanizado. O treinamento intensivo ministrado por instrutores norte-americanos foi essencial para essa transição, introduzindo doutrinas de guerra mecanizada, coordenação entre unidades e manutenção técnica especializada — elementos fundamentais para o emprego eficaz de blindados em combate. Para os militares brasileiros, operar essas máquinas imponentes era motivo de orgulho e responsabilidade. Muitos dos soldados designados às novas unidades provinham de áreas rurais, com pouca familiaridade prévia com motores, sistemas hidráulicos ou armamentos automatizados. No entanto, a disciplina e a determinação das tripulações permitiram uma rápida adaptação. Cada tanque era tratado quase como uma extensão da própria equipe: exigia manutenção meticulosa, inspeções constantes e domínio técnico por parte dos operadores. Os campos de instrução de Rio Pardo (RS) e Valença (RJ) tornaram-se polos fundamentais para o adestramento blindado. Neles, os Stuart e Sherman demonstraram notável desempenho, realizando manobras combinadas, operações ofensivas simuladas e exercícios de tiro real. Esses treinamentos não apenas comprovaram o valor tático dos veículos, mas também consolidaram a confiança do Exército em sua recém-adquirida capacidade de combate mecanizado — um divisor de águas na história militar brasileira. Entretanto, a implementação dessa nova doutrina não se deu sem desafios. Apesar da abundância de carros de combate fornecidos pelo Lend-Lease, o programa não incluiu veículos de recuperação sob esteiras, como os M31 Grant ARV e M32 Tank Recovery Vehicle, projetados especificamente para o resgate de blindados danificados ou imobilizados em campo. A ausência desses equipamentos impôs sérios entraves logísticos, forçando o Brasil a improvisar soluções próprias para garantir a continuidade das operações mecanizadas.
Para suprir essa carência, o Exército Brasileiro recorreu a caminhões pesados também recebidos via Lend-Lease, adaptando-os para funções de apoio e resgate. Entre os principais modelos utilizados figuravam o Chevrolet G-506, o Diamond T-969, o GMC M27 LWB CCKW-353, o Ward LaFrance M1/A1 G-116, o Kenworth séries 570 a 573 e o Diamond T-968 G-509. Equipados com guinchos, reboques e estruturas reforçadas, esses veículos desempenhavam tarefas críticas, como o reboque de tanques imobilizados, o transporte de peças sobressalentes e o apoio a reparos de campo. Apesar de engenhosas, essas adaptações apresentavam limitações técnicas consideráveis. Os caminhões sobre rodas tinham dificuldades para operar em terrenos irregulares, lamacentos ou de baixa aderência, comuns no interior do país, onde as manobras de blindados frequentemente ocorriam. Rebocar um Sherman de 30 toneladas por estradas de terra era uma tarefa extenuante, exigindo não apenas potência mecânica, mas também habilidade, paciência e trabalho coletivo. As tripulações desses veículos de apoio enfrentavam condições adversas e jornadas extenuantes, frequentemente improvisando com cabos, alavancas e técnicas manuais para liberar tanques atolados ou avariados. Cada operação de recuperação transformava-se em uma verdadeira prova de resistência física e engenhosidade técnica. Nos anos subsequentes ao término da Segunda Guerra Mundial, entre meados da década de 1940 e o início dos anos 1950, o Exército Brasileiro experimentou um período de relativa estabilidade e eficiência no uso de seus veículos blindados. A taxa de falhas mecânicas registrada durante os exercícios militares era notavelmente baixa, reflexo direto da baixa quilometragem das viaturas e da abundância de peças sobressalentes provenientes dos estoques remanescentes do programa Lend-Lease, firmado com os Estados Unidos durante o conflito. Componentes críticos como os motores Continental R-975, empregados nos tanques M-4 Sherman, e Guiberson T-1400, utilizados nos M-3 Stuart , bem como sistemas de suspensão, esteiras e transmissões, podiam ser prontamente substituídos, assegurando elevada disponibilidade operacional. Esse cenário favorável, contudo, começou a se alterar progressivamente a partir do final da década de 1950. Projetados originalmente para uma vida útil limitada, estimada em poucos anos de combate intenso, os blindados começaram a revelar os efeitos do desgaste natural de componentes vitais. Transmissões, juntas, vedações e suspensões apresentavam falhas recorrentes, comprometendo a confiabilidade dos veículos durante manobras e exercícios de campo. O problema era agravado pela escassez de veículos especializados em recuperação e socorro, essenciais para o resgate e reparo de blindados avariados em operações mecanizadas. Naquele período, o Exército Brasileiro possuía apenas duas viaturas M-32 Recovery Vehicle, número insuficiente para atender à crescente demanda logística das unidades blindadas. Em 1957, houve um modesto reforço com a chegada de três viaturas M-74, o que, embora representasse um avanço, ainda não supria as necessidades mínimas de manutenção e resgate em campo.

O cenário começou a se transformar no início da década de 1960, quando o Exército Brasileiro implementou um programa de modernização de sua cavalaria blindada, impulsionado pelo contexto geopolítico da Guerra Fria e pela necessidade de manter o equilíbrio de poder na América do Sul. O marco dessa transformação foi a incorporação dos tanques médios M-41 Walker Bulldog, de origem norte-americana. O M-41, armado com um canhão de 76 mm e dotado de excelente mobilidade, representava um salto tecnológico em relação aos veteranos M-4 Sherman e M-3 Stuart. Sua introdução simbolizou um reequipamento estratégico, reposicionando o Brasil em patamar de paridade militar com potências regionais, sobretudo a Argentina, que começava a desenvolver o Tanque Argentino Médio (TAM). Durante as décadas de 1960 e 1970, o M-41 Walker Bulldog consolidou-se como o pilar da força blindada brasileira, tornando-se fundamental para a consolidação da doutrina motomecanizada. Essa doutrina enfatizava a integração entre infantaria, carros de combate e artilharia mecanizada, fortalecendo a capacidade ofensiva e defensiva do Exército. Entretanto, a operação prolongada do M-41 no Brasil enfrentou obstáculos estruturais. A ausência de um programa sistemático de manutenção preventiva e corretiva, nos moldes recomendados pelo fabricante, comprometeu gradualmente a confiabilidade das viaturas. Diversas intervenções passaram a ser executadas com peças não originais ou de qualidade inferior, aplicadas inclusive em sistemas sensíveis, como retentores, mangueiras, freios e componentes hidráulicos. Essas práticas inadequadas geraram, ao longo do tempo, efeitos em cascata, acelerando o desgaste de partes interdependentes e elevando substancialmente os índices de falhas mecânicas. O resultado foi um aumento expressivo nas quebras e panes operacionais durante exercícios de campanha e operações táticas, especialmente em unidades equipadas com os M-41 Walker Bulldog e M-113, pertencentes aos Batalhões de Infantaria Blindada (BIB) e aos Regimentos de Carros de Combate (RCC). Esse período evidenciou a necessidade de reestruturar o sistema de manutenção e logística blindada do Exército Brasileiro, abrindo caminho para as iniciativas de modernização e nacionalização de componentes que viriam nas décadas seguintes — esforços que culminariam no desenvolvimento de veículos blindados de fabricação nacional, como o EE-9 Cascavel e o EE-11 Urutu, símbolos da autonomia tecnológica militar brasileira. À época, o Exército Brasileiro dispunha de um número extremamente limitado de Viaturas Blindadas de Socorro (VBE SOC), com apenas cinco unidades operacionais — distribuídas entre os modelos M-32 e M-34, ambas enfrentando dificuldades técnicas e logísticas decorrentes de seu avançado estado de uso. Esse quantitativo mostrava-se manifestamente insuficiente para atender a uma frota blindada em plena expansão, composta por mais de 300 carros de combate M-41 Walker Bulldog, cerca de 500 viaturas blindadas de transporte de pessoal M-113, além dos remanentes M-3 Stuart e M-4 Sherman, ainda em serviço em funções secundárias.
O expressivo aumento do parque de blindados, resultado direto das aquisições e modernizações realizadas ao longo das décadas de 1950 e 1960, evidenciou uma lacuna crítica na capacidade de manutenção e recuperação em campo. As unidades mecanizadas e blindadas careciam de meios especializados para o resgate e reparo de viaturas imobilizadas, comprometendo a disponibilidade operacional e a mobilidade tática das tropas. Diante dessa necessidade premente, o Comando do Exército Brasileiro, no final da década de 1960, iniciou tratativas diplomáticas e técnicas com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, buscando viabilizar a aquisição de viaturas de recuperação que pudessem, ainda que parcialmente, suprir a deficiência existente. O objetivo era dotar os Regimentos de Carros de Combate (RCC) e os Batalhões de Infantaria Blindada (BIB) de veículos capazes de executar operações de socorro e manutenção em ambientes operacionais. Contudo, as negociações iniciais enfrentaram um revés: os modernos M-88 Armored Recovery Vehicle (ARV) — veículos de recuperação pesados baseados no chassi do tanque M-60 Patton — não estavam disponíveis para cessão no âmbito dos programas de assistência militar norte-americanos. Diante dessa limitação, foi identificada uma alternativa viável: o M-578 Light Recovery Vehicle, desenvolvido pela Food Machinery Corporation (FMC) e em produção desde 1962. Embora classificado como um veículo de recuperação “leve”, o M-578 apresentava características técnicas compatíveis com o apoio às viaturas M-113, sendo, portanto, ideal para emprego junto às unidades mecanizadas. Por outro lado, sua capacidade de tração e elevação era considerada insuficiente para lidar com os mais pesados M-41 Walker Bulldog, restringindo parcialmente seu uso em unidades de carros de combate. Assim, no âmbito do Programa de Assistência Militar Brasil–Estados Unidos, foi formalizado um contrato para a aquisição de 17 viaturas M-578 Light Recovery Vehicle, em estado seminovo, provenientes de batalhões de artilharia autopropulsada do Exército dos Estados Unidos (US Army). Em dezembro de 1970, uma comitiva de oficiais brasileiros foi enviada ao Fort Bliss, em El Paso, Texas — atual sede da 1ª Divisão Blindada (1st Armored Division) — com a missão de selecionar in loco os veículos em melhores condições de conservação e com baixa quilometragem. As viaturas escolhidas, fabricadas entre 1963 e 1968, passaram por um processo completo de revisão mecânica e inspeção estrutural, executado por empresas contratadas pelo governo norte-americano, garantindo que fossem plenamente operacionais antes do envio ao Brasil. Os veículos foram oficialmente designados pelo Exército Brasileiro como Viatura Blindada Especial de Socorro M-578 (VBE SOC M-578), sendo recebidos em lotes sucessivos no Porto do Rio de Janeiro a partir de maio de 1971. Essas viaturas figuravam entre as primeiras séries de produção da FMC Corporation, equipadas com o confiável motor a diesel General Motors 8V71T Turbo Supercharged, de oito cilindros e dois tempos, que proporcionava excelente desempenho e sinergia operacional com as viaturas M-113, tanto em velocidade quanto em autonomia.

Com sua chegada, o Exército Brasileiro deu um passo decisivo rumo à estruturação de uma logística blindada moderna, assegurando apoio técnico direto às forças mecanizadas e ampliando significativamente a autossuficiência operacional das unidades blindadas em campo. Essa aquisição representou, assim, um marco na consolidação da doutrina motomecanizada brasileira, ao alinhar-se às práticas de manutenção e recuperação então adotadas pelos principais exércitos da OTAN. Uma vez oficialmente incorporadas, as viaturas blindadas de socorro M-578 foram inicialmente destinadas ao Centro de Instrução de Blindados (CI Bld), localizado no Rio de Janeiro. Nesse período, o foco foi a elaboração de manuais técnicos de operação e manutenção, além da consolidação da doutrina operacional para seu uso. Concluída essa fase inicial, as viaturas foram distribuídas entre os Batalhões de Infantaria Blindada (BIB) e os Regimentos de Carros de Combate (RCC), reforçando a capacidade de suporte às unidades blindadas. A partir de 1972, a chegada obuseiros autopropulsados M-108, ampliou as responsabilidades das VBE SOC M-578. Algumas dessas viaturas foram realocadas para os primeiros Grupos de Artilharia de Campanha Autopropulsado (GAC AP), expandindo seu espectro de missões. Para atender aos carros de combate M-41 Walker Bulldog, soluções temporárias foram adotadas, incluindo a conversão de alguns desses tanques em tratores, uma medida paliativa para suprir a escassez de veículos de recuperação. Com o objetivo de fortalecer a capacidade de engenharia e recuperação, na década de 1980, o Exército desenvolveu o projeto do Veículo Blindado de Engenharia M-4, uma iniciativa nacional conduzida em parceria entre a empresa Moto Peças S/A e o Centro Tecnológico do Exército (CTEx). Esse veículo foi projetado para oferecer suporte operacional não apenas aos M-41 Walker Bulldog, mas também a outras viaturas blindadas, complementando a frota de M-578. Em 1991, o Exército Brasileiro passou a incorporar os obuseiros M-109A1, e as VBE SOC M-578 foram adaptadas para atender também a esse novo blindado nos Grupos de Artilharia de Campanha Autopropulsado (GAC AP). Em 1996, a chegada dos carros de combate Leopard 1A1, acompanhados das viaturas de recuperação Leopard A1 Sabiex e Bergepanzer, trouxe um incremento modesto à capacidade de recuperação da Força Terrestre, ampliando o suporte às unidades equipadas com esses tanques. No âmbito do Programa Estratégico do Exército Forças Blindadas, a partir de 2015, foram recebidas as primeiras viaturas M-88A1 adquiridas por meio do programa de Excesso de Artigos de Defesa (EDA). Essas viaturas blindadas especiais de socorro foram destinadas aos Regimentos de Carros de Combate (RCC) e aos Batalhões de Infantaria Blindada (BIB), equipados com tanques M-60 A3 TTS, Leopard 1A5 e viaturas M-113. Nesse contexto, as 14 VBE SOC M-578 remanescentes foram redirecionadas para apoiar a manutenção e o reboque das viaturas de transporte de tropas M-113, integrando os Pelotões de Manutenção dos Batalhões de Infantaria Blindada e dos Batalhões de Logística. Apesar de seu projeto remontar à década de 1960, as viaturas M-578 VBE SOC continuam a desempenhar suas funções de maneira eficaz, beneficiando-se dos processos de modernização da frota de blindados brasileiros.
Em Escala.
Para a representação da Viatura Blindada Especial de Socorro M-578 (VBE SOC), identificada como "EB 13-2259", foi utilizado como base o kit na escala 1/35 do modelo M-110 A2 Self-Propelled Gun, produzido pela Italeri. Para recriar com precisão as características específicas do M-578 em serviço no Exército Brasileiro, fez-se necessário o uso do conjunto de conversão em resina e peças em photo-etched da Verlinden, reconhecido por sua alta qualidade e detalhamento. A finalização do modelo incluiu a aplicação de decais personalizados da Eletric Products, pertencentes ao conjunto “Exército Brasileiro 1942 - 1982”.
O padrão de cores descrito no esquema Federal Standard (FS), originalmente adotado pelo Exército dos Estados Unidos (US Army), foi incorporado pelo Exército Brasileiro para todos os seus veículos militares desde a Segunda Guerra Mundial. Esse padrão de pintura tática foi aplicado às viaturas blindadas especiais de socorro M-578 (VBE SOC) até o ano de 1983. A partir dessa data, as viaturas passaram a adotar um novo esquema tático em dois tons, que se mantém em uso até os dias atuais, refletindo a evolução das necessidades operacionais e estéticas da Força Terrestre.
Bibliografia :
- M-578 light recovery vehicle - https://en.wikipedia.org/wiki/M578_light_recovery_vehicle
- M-107 self-propelled gun - https://en.wikipedia.org/wiki/M107_self-propelled_gun
- As Forças Blindadas do Exercito Brasileiro - http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/FBEBP.pdf





