Gurgel X-15 e X-20 (VTrAdm-VTrOp)

História e Desenvolvimento.
A trajetória da Gurgel Veículos está intrinsecamente ligada à vida e ao espírito inovador de seu fundador, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel. Nascido em 1926, em Franca, São Paulo, e formado em Engenharia pela Universidade de São Paulo (USP) aos 23 anos, João Augusto demonstrou, desde a infância, uma paixão pela mecânica e um talento para propor soluções criativas diante de desafios técnicos. Seu interesse pelos automóveis se consolidou ainda na juventude, alimentando o sonho de projetar e fabricar veículos no Brasil. Determinado a transformar essa visão em realidade, ele se dedicou desde cedo a desenvolver as competências necessárias para inovar no setor automotivo. Ainda estudante, em 1947, João Augusto construiu um protótipo funcional de um veículo anfíbio de três rodas, equipado com motor de avião e hélice, demonstrando sua capacidade de pensar além das convenções. Em 1958, fundou em São Paulo a Moplast Moldagem de Plástico Ltda., sua primeira empresa, que se destacou pela produção dos primeiros painéis luminosos de acrílico do Brasil, uma alternativa inovadora ao neon. Contudo, sua paixão pelos automóveis logo o levou a novos empreendimentos. Em 1960, em parceria com Silvano Pozzi, João Augusto iniciou a fabricação do Mo-Kart, o primeiro kart de competição produzido em série no país, marcando sua entrada no mercado automotivo. No II Salão do Automóvel, em 1961, a Moplast apresentou o Gurgel II, um veículo de dois lugares com carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro, montado sobre um chassi tubular. O modelo contava com uma suspensão independente nas quatro rodas e um motor traseiro de 130 cm³ (10 cv, refrigerado a ar), acoplado a uma transmissão de variação contínua composta por polias tronco-cônicas e correias em V. Esse projeto pioneiro estabeleceu a fibra de vidro como uma característica distintiva dos veículos Gurgel, utilizada em todos os modelos subsequentes. No III Salão do Automóvel, a Moplast lançou o Mocar, um transportador industrial de 180 kg, capaz de carregar até 400 kg, projetado para movimentação de cargas em fábricas e aeroportos. Equipado com um motor a gasolina de dois tempos (125 cm³, 7,5 cv) e transmissão com uma marcha à frente e uma à ré, o Mocar foi anunciado como um produto de criação e fabricação integralmente nacionais, reforçando o compromisso de João Augusto com a inovação local. Em 1964, João Augusto deixou a Moplast e fundou a Macan Indústria e Comércio Ltda., uma concessionária Volkswagen que continuou a produzir karts, mini-carros infantis e o Mocar. No IV Salão do Automóvel, foi apresentado o Gurgel Jr II, um carrinho motorizado para crianças inspirado no Ford Mustang, com 3 cv e freios nas rodas traseiras. O ano de 1966 representou um divisor de águas na trajetória de João Augusto. Em parceria com a Volkswagen, ele lançou no V Salão do Automóvel o Gurgel 1200, um veículo de fibra de vidro construído sobre a plataforma VW. Disponível em quatro versões — Ipanema, Enseada e Augusta (modelos esportivos) e Xavante (voltado para transporte de cargas) —, o Gurgel 1200 utilizava a mecânica do Karmann-Ghia, com motor de 1.200 cm³ e 36 cv, posteriormente ampliado para 1.300 e 1.500 cm³. O sucesso do modelo foi tão expressivo que João Augusto passou a produzi-lo na Macan. Contudo, divergências com os sócios sobre o envolvimento da concessionária na fabricação de veículos levaram à sua saída da empresa.

Em 1º de setembro de 1969, João Augusto fundou a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos Ltda., em São Paulo, marcando o início de uma nova fase. A empresa consolidou seu legado de inovação, produzindo veículos que combinavam criatividade, funcionalidade e identidade brasileira. A trajetória da Gurgel reflete o compromisso de seu fundador com o desenvolvimento de uma indústria automotiva nacional, capaz de superar desafios técnicos e econômicos por meio de soluções originais e visionárias. A produção do Ipanema, escolhido como o primeiro modelo da Gurgel Veículos, teve início em 1969, em um ritmo modesto de aproximadamente quatro unidades por mês. Sob a nova marca, o veículo, rebatizado simplesmente como Gurgel, passou por refinamentos estéticos e funcionais para aprimorar sua segurança e desempenho. Entre as modificações implementadas, destacam-se a instalação de uma barra de proteção (santo antônio) para maior segurança dos ocupantes, a reformulação das entradas de ar traseiras para o motor, a adição de aberturas nas extremidades dos para-lamas e a substituição das lanternas redondas pelas retangulares da Volkswagen Kombi — embora as lanternas redondas tenham sido reincorporadas pouco tempo depois.  Essas mudanças refletiram o compromisso da Gurgel em combinar funcionalidade com um design distintivo. Em 1970, a Gurgel Veículos reafirmou sua vocação para veículos utilitários ao lançar as versões picape e QT (Qualquer Terreno). Ambas foram equipadas com o sistema selectraction, um freio traseiro seletivo que funcionava como um diferencial autoblocante manual. Em situações de baixa tração, o dispositivo imobilizava a roda sem aderência, direcionando toda a potência do motor para a roda oposta. Essa solução, embora simples, compensava eficazmente a ausência de tração integral, oferecendo maior versatilidade em terrenos desafiadores e destacando a capacidade da Gurgel de inovar com recursos acessíveis. No VII Salão do Automóvel, realizado em 1972, a Gurgel apresentou o buggy Bugato, comercializado em kits. Com um design marcante — caracterizado por uma frente quadrada com falsa grade, tampa de acrílico transparente sobre o motor e filetes decorativos nas laterais —, o Bugato se destacou pela originalidade. No entanto, sua produção foi limitada, com apenas cerca de 20 unidades fabricadas, refletindo os desafios de posicionar um veículo de nicho em um mercado competitivo. Um marco tecnológico da Gurgel foi a introdução, em 1972, da estrutura plasteel, uma inovação desenvolvida por João Augusto Gurgel. Substituindo as plataformas com motor traseiro fornecidas pela Volkswagen, o plasteel consistia em uma estrutura tubular em treliça revestida com resina e fibra de vidro. Essa tecnologia conferia aos veículos flexibilidade à torção, redução de peso e resistência à corrosão, características que posicionaram a Gurgel em um nicho até então pouco explorado no Brasil: o de utilitários voltados para condições adversas de terreno. Na época, esse segmento era atendido apenas pelo Jeep Willys e pelo Toyota Bandeirante, ambos com projetos considerados obsoletos. O Xavante XT-72, lançado em 1972 como o primeiro utilitário Gurgel equipado com o chassi plasteel, incorporou a carroceria do modelo QT com adaptações para uso off-road. Entre os aprimoramentos, destacam-se para-choques reforçados, guincho, grade protetora nos faróis, engate para reboque, pás acopladas às laterais e o estepe reposicionado sobre o capô dianteiro. 
O carro tinha concepção diametralmente oposta à de seus dois concorrentes: carroceria monobloco em fibra com estrutura tubular integrada, motor traseiro, suspensão traseira independente por molas helicoidais, bancos anatômicos e peso reduzido, em lugar de carroceria de aço, chassi em escada, suspensão por feixe de molas e peso e centro de gravidade elevados do Jeep e Toyota. O consumo de combustível do Gurgel era, naturalmente, muito mais reduzido, da mesma forma que o custo de manutenção, já que utilizava a mecânica mais do que conhecida da Volkswagen. Até mesmo o grande diferencial técnico que favoreceria os jipes tradicionais – a tração nas quatro rodas, inexistente no Gurgel –, ficava neutralizada (em condições de uso menos pesadas, por suposto) por sua leveza, pela agilidade da suspensão e pelo uso do selectration. Seu preço era competitivo, cerca de 15% superior ao Jeep, seu concorrente mais direto. Em meio à crise do petróleo da década de 1970, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel demonstrou sua visão inovadora ao desenvolver o Itaipu, um veículo elétrico projetado inicialmente como um minicarro urbano de dois lugares. Esse modelo representava uma resposta ousada aos desafios energéticos da época, buscando oferecer uma alternativa sustentável aos veículos movidos a combustão. Posteriormente, o conceito evoluiu para a criação do Gurgel Itaipu E-400, um furgão elétrico com design mais avançado que o da Volkswagen Kombi. O E-400 foi adotado por diversas companhias estatais de eletricidade em todo o Brasil, equipando suas frotas com uma solução inovadora. Contudo, as limitações tecnológicas da época, como baterias pesadas com baixa capacidade de carga, restringiam a autonomia do veículo, desafiando sua adoção em maior escala. A partir da segunda metade da década de 1970, as restrições impostas pelo governo federal à importação de veículos novos criaram um ambiente favorável para a indústria automotiva nacional. Esse cenário impulsionou significativamente os negócios da Gurgel Indústria e Comércio de Veículos S/A, que experimentou um aumento constante nas vendas. O sucesso comercial gerou os recursos necessários para a construção de uma nova e moderna planta fabril em Rio Claro, São Paulo. Essa unidade, projetada para atender à crescente demanda do mercado interno, marcou um momento crucial na trajetória da empresa, ampliando sua capacidade produtiva e consolidando sua posição no setor automotivo brasileiro. A nova fábrica em Rio Claro não apenas elevou a capacidade de produção da Gurgel, mas também posicionou a empresa como a primeira exportadora brasileira na categoria de veículos especiais. No final da década, a Gurgel alcançou um marco impressionante, tornando-se o segundo maior polo industrial do Brasil em termos de faturamento e volume de vendas. Com uma cadência de produção de 10 veículos por dia, dos quais 25% eram destinados à exportação, o modelo X-12 permaneceu como o principal produto da linha de montagem, reforçando a reputação da marca por sua confiabilidade e versatilidade.

O sucesso do X-12 e o crescimento da empresa inspiraram João Augusto Gurgel a diversificar o portfólio da Gurgel, com foco no desenvolvimento de veículos de maior porte. Mais uma vez, a empresa utilizou a consagrada plataforma e mecânica da Volkswagen do Brasil S/A como base, mantendo sua estratégia de aliar inovação a componentes confiáveis e acessíveis. O objetivo era criar utilitários leves com desempenho superior em ambientes fora de estrada, capazes de competir diretamente com a Volkswagen Kombi, que dominava o segmento na época. Para se diferenciar da Kombi, a Gurgel priorizou o desenvolvimento de um novo veículo com maior capacidade off-road, exigindo um design que garantisse uma altura do solo superior à de seu concorrente. Inicialmente, o projeto do Itaipu E-400, que compartilhava semelhanças com a Kombi, foi descartado para esse propósito, já que não atendia aos requisitos de desempenho em terrenos acidentados. Essa decisão refletiu o compromisso da Gurgel em criar veículos que combinassem funcionalidade, inovação e adaptação às necessidades específicas do mercado, mantendo a essência visionária de seu fundador. Na década de 1970, a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos S/A continuou a demonstrar sua capacidade de inovação ao desenvolver um novo utilitário com sistemas avançados de suspensão e tração. A suspensão utilizava semieixos com retorno limitado por coxins e cintas, combinados a molas helicoidais, garantindo maior estabilidade e conforto em terrenos variados. Já o sistema Selectraction, patenteado pela Gurgel, representava uma solução engenhosa para otimizar a tração. Por meio de alavancas integradas ao freio de mão, era possível frear individualmente cada roda motriz, anulando o efeito do diferencial. Em situações de perda de tração, o sistema transferia toda a potência para a roda com maior aderência, oferecendo uma capacidade off-road notável, apesar de sua simplicidade. Essa combinação de tecnologias reforçava a vocação da Gurgel para criar veículos práticos e eficientes, especialmente para ambientes fora de estrada. O projeto inicial culminou no desenvolvimento do Gurgel X-20, o primeiro utilitário da marca com cabine avançada, lançado no X Salão do Automóvel de 1976, em São Paulo. Projetado com base em uma versão anterior desenvolvida para as Forças Armadas, o X-20 seguia a concepção básica do modelo X-12, mas incorporava melhorias significativas. Equipado com motor Volkswagen 1600, o veículo apresentava um vão livre de 360 mm e ângulos de ataque e saída de 65° e 45°, respectivamente, graças ao reduzido balanço dianteiro e à elevada distância do solo. Disponível nas versões de cabine simples e dupla, o X-20 tinha capacidade para meia tonelada de carga e podia ser adaptado para transporte de passageiros ou uso misto. O design do X-20 destacava-se por suas linhas retas e angulares, com dimensões maiores que as de seu principal concorrente, a Volkswagen Kombi. Uma característica peculiar era a presença de três limpadores de para-brisa, um detalhe curioso que reforçava a originalidade do projeto. Apesar de sua inovação, o X-20 enfrentou dificuldades comerciais, com vendas abaixo do esperado, o que levou a Gurgel a repensar o conceito do veículo.
A partir da experiência com o X-20, a Gurgel desenvolveu o X-15, um veículo misto que combinava características de picape e jipe, projetado para atender às demandas do mercado com maior eficiência. Lançado como uma evolução natural, o X-15 mantinha os elementos estruturais e mecânicos característicos da marca: carroceria em fibra de vidro com chassi plasteel, motor traseiro Volkswagen 1600 refrigerado a ar (60 cv), caixa de quatro marchas, suspensão independente e freios a tambor nas quatro rodas. Com peso líquido de 980 kg e capacidade de carga de meia tonelada, o X-15 media 3,63 metros de comprimento, oferecendo um equilíbrio entre robustez e versatilidade. No final de 1979, a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos S/A revisou e ampliou sua linha de utilitários, lançando o G-15, um modelo derivado da picape X-15 militarizada. Com capacidade de carga de 700 kg, o G-15 foi oferecido em diversas versões, incluindo configurações com ou sem caçamba e carrocerias especiais adaptadas a diferentes necessidades. O design do G-15 era marcado por para-brisas extremamente inclinados, uma linha de cintura elevada e janelas de área reduzida, características que, embora conferissem uma estética distinta, comprometiam a visibilidade do motorista, tornando-se um ponto de crítica. Em 1980, respondendo à crescente demanda por combustíveis alternativos no Brasil, a Gurgel lançou a versão a álcool do G-15, equipada com dois tanques de combustível que proporcionavam uma impressionante autonomia de até 1.200 km. No ano seguinte, em 1981, foi introduzido o G-15 L, uma variante 30 cm mais longa, com capacidade de carga ampliada para 1.050 kg, mantendo o mesmo peso líquido do modelo original. O nome "Gurgel" passou a ser destacado de forma proeminente no para-choque dianteiro, reforçando a identidade da marca e seu compromisso com a inovação. Apesar dos avanços, o G-15 enfrentou dificuldades de aceitação no mercado, com vendas abaixo do esperado. Em 1982, a Gurgel respondeu a esse desafio com o lançamento do G-800, um utilitário com capacidade de carga de 1.100 kg e um design renovado, inspirado na carroceria do elétrico Itaipu E-400. Suas linhas curvas eram visualmente mais agradáveis, mas o modelo herdava as mesmas limitações de visibilidade e acesso do G-15, com janelas pequenas e uma linha de cintura elevada. No entanto, o G-800 se destacava pelo espaço interno traseiro excepcionalmente amplo, especialmente na versão cabine dupla, oferecendo maior conforto para os ocupantes. O G-800 manteve a mecânica confiável da Gurgel, baseada em componentes Volkswagen, mas trouxe melhorias significativas, como freios a disco nas rodas dianteiras e a inclusão de um servo-freio, embora o sistema Selectraction, característico de modelos anteriores, não tenha sido incorporado. O modelo foi oferecido em diversas configurações — picape, furgão, van, executivo, táxi e escolar —, atendendo a uma ampla gama de necessidades. Para melhorar a ventilação interna, grandes alçapões basculantes foram instalados no teto, enquanto cintos de segurança de três pontos nos bancos dianteiros reforçavam a segurança. O estepe do G-800 foi posicionado sob o piso, acessível por uma portinhola na lateral esquerda, otimizando o espaço interno. As versões van e cabine dupla contavam com um grande vidro fixo na lateral esquerda, que descia abaixo da linha da cintura, contrastando com a pequena janela do motorista e conferindo um design peculiar. Na versão picape cabine dupla, uma tampa de fibra de vidro opcional transformava a caçamba em um porta-malas, ampliando a versatilidade do veículo.

Emprego no Exército Brasileiro.
A história da utilização de veículos utilitários leves com tração integral 4x4, conhecidos como jipes, nas Forças Armadas Brasileiras teve início em 1942, no contexto da adesão do Brasil ao programa norte-americano Lend-Lease Act (Lei de Arrendamentos e Empréstimos). Esse acordo, firmado durante a Segunda Guerra Mundial, previa a cessão de aproximadamente dois mil jipes ao Brasil, sem padronização por fabricante ou modelo. Não há registros oficiais que detalhem a proporção de veículos fornecidos pela Ford Motor Company ou pela Willys-Overland Company, mas os primeiros lotes, compostos por veículos novos e usados provenientes da frota e da reserva estratégica do Exército dos Estados Unidos, começaram a chegar ao país a partir de março de 1942. Dentre esses veículos, 655 foram enviados diretamente à Itália para equipar a Força Expedicionária Brasileira (FEB). A experiência operacional adquirida pelo Exército Brasileiro em um cenário de conflagração com os jipes foi inestimável, moldando a doutrina motomecanizada do Exército Brasileiro nas décadas seguintes. A frota de jipes, complementada por outros veículos de transporte, proporcionou às Forças Armadas Brasileiras, especialmente ao Exército Brasileiro, uma capacidade de mobilidade sem precedentes entre as décadas de 1940 e 1950. Essa mobilidade fortaleceu as operações de infantaria, permitindo maior agilidade e eficiência em diversos cenários. Com o passar dos anos, o desgaste operacional e a obsolescência dos jipes começaram a impactar sua disponibilidade. A falta de manutenção adequada e a dificuldade de obtenção de peças de reposição, tendo em vista que muitos destes modelo tiveram sua produção descontinuada, agravaram o cenário, resultando em índices preocupantes de veículos inoperantes. Para enfrentar essa crise, o governo brasileiro negociou com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos a aquisição de novos lotes de jipes usados, classificados como material excedente de guerra (war surplus). Desta maneira dentro dos termos dos programas de ajuda militar seriam cedidos um grande numero de veículos deste tipo  provenientes dos estoques estratégicos norte-americanos. Ao serem recebidos estes passariam a substituir os substituíram as viaturas mais antigas e desgastadas, ajudando a restaurar parte da capacidade operacional do Exército Brasileiro. No final da década de 1950, o Exército Brasileiro intensificou a modernização de sua frota com a incorporação de jipes produzidos no período pós-guerra, como os modelos Willys M-38A1 e M-38A1-C, este último equipado com canhões sem recuo M-40 de 106 mm. Essas aquisições apesar de em reduzida escala representaram um avanço significativo, trazendo maior confiabilidade e adaptabilidade às operações militares.

Apesar deste movimento de renovação com  a incorporação dos "novos"  Willys M-38A1 e M-38A1-C, a rota de jipes das Forças Armadas Brasileiras ainda enfrentava desafios significativos. As quantidades recebidas eram insuficientes para atender às reais necessidades de reequipamento, evidenciando a urgência de renovar esses veículos utilitários leves com tração 4x4. Estudos preliminares indicavam a necessidade de adquirir entre 300 e 600 novos jipes, com preferência por modelos modernos, como as versões atualizadas do Willys M-38 e do Ford M-151 Mutt. Contudo, os altos custos associados a essa aquisição tornavam a iniciativa economicamente inviável à época, face as limitadas dotações orçamentárias. Diante desse cenário, a partir de 1959, o governo brasileiro voltou seus olhares para a indústria automotiva nacional, buscando uma alternativa mais acessível que atendesse às demandas das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, impulsionasse a economia do país. A Willys-Overland do Brasil S/A emergiu como uma candidata promissora, oferecendo em seu portfólio modelos como os Jeeps CJ-3, CJ-4 e CJ-5. Dentre eles, o CJ-5 destacou-se como a melhor opção, combinando robustez, versatilidade e uma relação custo-benefício vantajosa. Na década de 1970, as Forças Armadas Brasileiras passaram a priorizar a aquisição de veículos militares de fabricação nacional, impulsionando o desenvolvimento de montadoras estabelecidas no país, como a Ford do Brasil S/A, a Willys Overland S/A e a Dodge Chrysler do Brasil, entre outras multinacionais. Esse movimento refletia um esforço para fortalecer a indústria automotiva local, promovendo a independência tecnológica e econômica. Nesse cenário, a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos S/A, uma empresa paulista em seus primeiros anos de atuação, começou a ganhar destaque no mercado automotivo brasileiro com o lançamento do utilitário off-road X-10 Xavante. O Xavante, lançado no início da década, destacou-se por sua robustez, facilidade de manutenção e operação eficiente, características que o tornaram uma alternativa atraente para o público rural. Comparado aos jipes importados ou produzidos localmente, como o Toyota Bandeirante e o Jeep Willys, que eram mais caros e complexos devido à tração 4x4, o Xavante oferecia uma solução prática e econômica. Sua concepção, que mesclava elementos de buggy e jipe, conquistou uma fatia significativa do mercado rural, consolidando a Gurgel como uma marca inovadora e alinhada às necessidades do Brasil. O sucesso do X-10 Xavante no mercado civil inspirou a diretoria da Gurgel, liderada por João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, a explorar novas oportunidades, incluindo o segmento de defesa. Reconhecendo o potencial de seus veículos para operações militares, a empresa passou a oferecer seu portfólio às Forças Armadas Brasileiras.
Na década de 1970, a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos S/A consolidou sua presença no mercado brasileiro ao oferecer veículos robustos e acessíveis, capazes de atender às necessidades de diferentes setores. O primeiro modelo a ser avaliado pelo Exército Brasileiro foi o Gurgel X-10 Xavante, um veículo híbrido que combinava características de buggy e jipe. Sua capacidade off-road, impulsionada pelo sistema patenteado Selectraction, permitia transferir a potência do motor para a roda com maior aderência em situações de atolamento, freando a roda que girava em falso. Esse mecanismo, aliado à estrutura inovadora em plasteel (chassi tubular revestido com fibra de vidro), conferia ao Xavante uma excelente relação custo-benefício, atraindo o interesse das Forças Armadas Brasileiras. O sucesso do X-10 Xavante resultou nos primeiros contratos com o Exército Brasileiro, seguidos por pequenas aquisições pela Força Aérea Brasileira. A combinação de simplicidade, durabilidade e apelo nacionalista da marca Gurgel solidificou sua posição como uma opção viável para aplicações militares. Em 1975, a Gurgel lançou o X-12 Tocantins no mercado civil, acompanhado de uma versão militarizada, o X-12M, projetada especificamente para atender às demandas das Forças Armadas. O X-12M foi adquirido em larga escala pelo Exército Brasileiro e, posteriormente, incorporado pelo Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha e pelos Batalhões de Infantaria da Aeronáutica, onde chegou a ser equipado com metralhadoras de calibre 7,62 mm. Essa aceitação reforçou o relacionamento entre a Gurgel e as Forças Armadas, evidenciando a confiança na qualidade e versatilidade dos veículos da marca. Fortalecida pela parceria com as Forças Armadas, a Gurgel apresentou, em 1977, uma versão militarizada da picape X-20. Cerca de 40 unidades foram adquiridas pelo Exército Brasileiro para tarefas administrativas em unidades operacionais nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, complementando as picapes Volkswagen Kombi já em uso. Com capacidade de carga de meia tonelada, o X-20 militarizado representava uma oportunidade comercial significativa, incentivando a empresa a explorar o desenvolvimento de um veículo utilitário especializado para transporte de tropas, reconhecimento e operação de artilharia leve. A necessidade do Exército Brasileiro de substituir os jipes Ford & Kaiser M-151A1/C Mutt, que apresentavam baixa disponibilidade devido à dependência de peças importadas, abriu uma janela de oportunidade para a Gurgel. Esses jipes eram usados no transporte e operação de canhões sem recuo M-40A1 Recoilless Rifle de 106 mm, e a busca por uma alternativa nacional motivou a empresa a apresentar uma proposta inovadora.

A Gurgel desenvolveu uma versão militarizada do X-20, projetada com uma configuração extremamente espartana, sem laterais, portas ou para-brisa, remetendo ao conceito de “mula mecânica”. Mantendo a estrutura, chassi e mecânica do modelo civil, o protótipo foi entregue ao Centro de Avaliações do Exército (CAEx), no Campo de Provas de Marambaia, Rio de Janeiro, para um extenso programa de testes. As avaliações incluíram condução em condições normais de trânsito, operações off-road e cenários de tiro real com um canhão sem recuo M-40A1 Recoilless Rifle de 106 mm instalado na plataforma. O próprio João Augusto Gurgel participou da condução do protótipo durante os testes, demonstrando seu compromisso pessoal com o projeto. Contudo, a simplicidade excessiva do veículo, que não oferecia proteção mínima contra intempéries, levou à sua rejeição pelo Centro de Avaliações do Exército (CAEx) . Determinada a aproveitar a oportunidade, a Gurgel apresentou uma nova proposta baseada no utilitário civil X-15. Este modelo exibia um design rústico, com linhas retas e angulares que evocavam a robustez de um veículo blindado. Entre seus destaques estavam um para-choque robusto com faróis embutidos, um para-brisa rebatível com dois vidros planos assimétricos, um guincho mecânico dianteiro e um gancho traseiro para reboque. O X-15 militarizado mantinha a capacidade off-road característica da marca, com ângulos de entrada e saída de 50° e 45°, respectivamente, um entre-eixos curto de 223 cm e um vão livre do solo de 35 cm, superando significativamente a proposta anterior baseada no X-20. O veículo era equipado com o confiável motor Volkswagen 1600 refrigerado a ar, câmbio de quatro marchas e uma relação de diferencial intermediária (4,125:1). Na traseira, lanternas horizontais (inspiradas na Volkswagen Kombi), um estepe e um galão auxiliar de 20 litros complementavam o conjunto, que também contava com um robusto protetor de cárter. A Gurgel propôs três configurações: uma com teto de lona e suporte para canhão sem recuo, outra com teto rígido e cabine dupla com meia capota de lona, e uma versão utilitária padrão para até sete passageiros ou carga, destinada a tarefas administrativas. Apesar das melhorias, o protótipo do X-15 militarizado também foi submetido a testes rigorosos pelo CAEx, mas não foi aprovado. O Exército Brasileiro optou por adquirir jipes Willys CJ-5 nacionais militarizados para o transporte e operação do sistema de armas sem recuo de 106 mm, uma decisão que refletiu as limitações enfrentadas pela Gurgel em atender às exigências específicas do setor militar.
Apesar das dificuldades enfrentadas pela Gurgel Motores S.A. em consolidar o X-15 como um veículo militar amplamente adotado, a empresa logrou êxito ao comercializar um pequeno lote das versões básicas do modelo, destinadas a tarefas de transporte. Essas versões, equipadas com cabine de lona ou carroceria de teto rígido, foram empregadas pelo Exército Brasileiro, sobretudo em funções administrativas, operando principalmente nas Brigadas Militares entre os anos de 1981 e 1998. Posteriormente, esses veículos foram substituídos por versões mais modernas da Volkswagen Kombi 1600. Além do âmbito militar, a Gurgel conseguiu firmar contratos com governos estaduais e municipais, fornecendo o X-15 e o G-15 para uso como viaturas da Polícia Militar e ambulâncias em diversas Santas Casas, com destaque para o estado de São Paulo. Essas aplicações demonstraram a versatilidade do modelo e a confiança depositada na robustez de seu projeto. Passadas três décadas desde seu lançamento, os modelos X-15 e G-15 alcançaram status de ícones entre colecionadores e entusiastas do automobilismo brasileiro. Muitos exemplares foram restaurados, frequentemente personalizados com características de veículos militares, preservando a memória de uma das mais inovadoras e ousadas empresas automotivas do Brasil. Infelizmente, a Gurgel Motores S.A. enfrentou dificuldades financeiras que culminaram em sua falência em 1993, encerrando um capítulo marcante da indústria nacional.

Em escala.
Para representarmos o Gurgel X-15 militarizado em serviço pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul, empregamos o recente modelo impresso com tecnologia 3D produzido pela Factory Modelismo na escala 1/43. O veículo é muito bem-produzido e apresenta um bom nível de detalhamento para a escala, somente apontamos como ressalva a falta do mesmo vir com as janelas vazadas o que melhoraria o nível de realismo final. Fizemos a aplicação de decais confeccionados pela decais Eletric Products pertencentes ao set "Exército Brasileiro 1942 - 1982".
O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o padrão de pintura tático do Exército Brasileiro aplicado em todos seus veículos militares desde a Segunda Guerra Mundial até a o final do ano de 1982. Não existem registros que comprovem a aplicação neste modelo do esquema de camuflagem tático de duas cores adotado a partir de 1983. Empregamos tintas e vernizes produzidos pela Tom Colors.

Bibliografia:

- Gurgel, o engenheiro que ousou sonhar - http://revistaautoesporte.globo.com
- Gurgel: o engenheiro que virou carro - https://quatrorodas.abril.com.br
- Veículos Militares Brasileiros – Roberto Pereira de Andrade e José S Fernandes
- Exército Brasileiro - http://www.exercito.gov.br