A trajetória da Gurgel Veículos está intrinsecamente ligada à vida e ao espírito inovador de seu fundador, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel. Nascido em 1926, em Franca, São Paulo, e formado em Engenharia pela Universidade de São Paulo (USP) aos 23 anos, João Augusto demonstrou, desde a infância, uma paixão pela mecânica e um talento para propor soluções criativas diante de desafios técnicos. Seu interesse pelos automóveis se consolidou ainda na juventude, alimentando o sonho de projetar e fabricar veículos no Brasil. Determinado a transformar essa visão em realidade, ele se dedicou desde cedo a desenvolver as competências necessárias para inovar no setor automotivo. Ainda estudante, em 1947, João Augusto construiu um protótipo funcional de um veículo anfíbio de três rodas, equipado com motor de avião e hélice, demonstrando sua capacidade de pensar além das convenções. Em 1958, fundou em São Paulo a Moplast Moldagem de Plástico Ltda., sua primeira empresa, que se destacou pela produção dos primeiros painéis luminosos de acrílico do Brasil, uma alternativa inovadora ao neon. Contudo, sua paixão pelos automóveis logo o levou a novos empreendimentos. Em 1960, em parceria com Silvano Pozzi, João Augusto iniciou a fabricação do Mo-Kart, o primeiro kart de competição produzido em série no país, marcando sua entrada no mercado automotivo. No II Salão do Automóvel, em 1961, a Moplast apresentou o Gurgel II, um veículo de dois lugares com carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro, montado sobre um chassi tubular. O modelo contava com uma suspensão independente nas quatro rodas e um motor traseiro de 130 cm³ (10 cv, refrigerado a ar), acoplado a uma transmissão de variação contínua composta por polias tronco-cônicas e correias em V. Esse projeto pioneiro estabeleceu a fibra de vidro como uma característica distintiva dos veículos Gurgel, utilizada em todos os modelos subsequentes. No III Salão do Automóvel, a Moplast lançou o Mocar, um transportador industrial de 180 kg, capaz de carregar até 400 kg, projetado para movimentação de cargas em fábricas e aeroportos. Equipado com um motor a gasolina de dois tempos (125 cm³, 7,5 cv) e transmissão com uma marcha à frente e uma à ré, o Mocar foi anunciado como um produto de criação e fabricação integralmente nacionais, reforçando o compromisso de João Augusto com a inovação local. Em 1964, João Augusto deixou a Moplast e fundou a Macan Indústria e Comércio Ltda., uma concessionária Volkswagen que continuou a produzir karts, mini-carros infantis e o Mocar. No IV Salão do Automóvel, foi apresentado o Gurgel Jr II, um carrinho motorizado para crianças inspirado no Ford Mustang, com 3 cv e freios nas rodas traseiras. O ano de 1966 representou um divisor de águas na trajetória de João Augusto. Em parceria com a Volkswagen, ele lançou no V Salão do Automóvel o Gurgel 1200, um veículo de fibra de vidro construído sobre a plataforma VW. Disponível em quatro versões — Ipanema, Enseada e Augusta (modelos esportivos) e Xavante (voltado para transporte de cargas) —, o Gurgel 1200 utilizava a mecânica do Karmann-Ghia, com motor de 1.200 cm³ e 36 cv, posteriormente ampliado para 1.300 e 1.500 cm³. O sucesso do modelo foi tão expressivo que João Augusto passou a produzi-lo na Macan. Contudo, divergências com os sócios sobre o envolvimento da concessionária na fabricação de veículos levaram à sua saída da empresa.
Em 1º de setembro de 1969, João Augusto fundou a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos Ltda., em São Paulo, marcando o início de uma nova fase. A empresa consolidou seu legado de inovação, produzindo veículos que combinavam criatividade, funcionalidade e identidade brasileira. A trajetória da Gurgel reflete o compromisso de seu fundador com o desenvolvimento de uma indústria automotiva nacional, capaz de superar desafios técnicos e econômicos por meio de soluções originais e visionárias. A produção do Ipanema, escolhido como o primeiro modelo da Gurgel Veículos, teve início em 1969, em um ritmo modesto de aproximadamente quatro unidades por mês. Sob a nova marca, o veículo, rebatizado simplesmente como Gurgel, passou por refinamentos estéticos e funcionais para aprimorar sua segurança e desempenho. Entre as modificações implementadas, destacam-se a instalação de uma barra de proteção (santo antônio) para maior segurança dos ocupantes, a reformulação das entradas de ar traseiras para o motor, a adição de aberturas nas extremidades dos para-lamas e a substituição das lanternas redondas pelas retangulares da Volkswagen Kombi — embora as lanternas redondas tenham sido reincorporadas pouco tempo depois. Essas mudanças refletiram o compromisso da Gurgel em combinar funcionalidade com um design distintivo. Em 1970, a Gurgel Veículos reafirmou sua vocação para veículos utilitários ao lançar as versões picape e QT (Qualquer Terreno). Ambas foram equipadas com o sistema selectraction, um freio traseiro seletivo que funcionava como um diferencial autoblocante manual. Em situações de baixa tração, o dispositivo imobilizava a roda sem aderência, direcionando toda a potência do motor para a roda oposta. Essa solução, embora simples, compensava eficazmente a ausência de tração integral, oferecendo maior versatilidade em terrenos desafiadores e destacando a capacidade da Gurgel de inovar com recursos acessíveis. No VII Salão do Automóvel, realizado em 1972, a Gurgel apresentou o buggy Bugato, comercializado em kits. Com um design marcante — caracterizado por uma frente quadrada com falsa grade, tampa de acrílico transparente sobre o motor e filetes decorativos nas laterais —, o Bugato se destacou pela originalidade. No entanto, sua produção foi limitada, com apenas cerca de 20 unidades fabricadas, refletindo os desafios de posicionar um veículo de nicho em um mercado competitivo. Um marco tecnológico da Gurgel foi a introdução, em 1972, da estrutura plasteel, uma inovação desenvolvida por João Augusto Gurgel. Substituindo as plataformas com motor traseiro fornecidas pela Volkswagen, o plasteel consistia em uma estrutura tubular em treliça revestida com resina e fibra de vidro. Essa tecnologia conferia aos veículos flexibilidade à torção, redução de peso e resistência à corrosão, características que posicionaram a Gurgel em um nicho até então pouco explorado no Brasil: o de utilitários voltados para condições adversas de terreno. Na época, esse segmento era atendido apenas pelo Jeep Willys e pelo Toyota Bandeirante, ambos com projetos considerados obsoletos. O Xavante XT-72, lançado em 1972 como o primeiro utilitário Gurgel equipado com o chassi plasteel, incorporou a carroceria do modelo QT com adaptações para uso off-road. Entre os aprimoramentos, destacam-se para-choques reforçados, guincho, grade protetora nos faróis, engate para reboque, pás acopladas às laterais e o estepe reposicionado sobre o capô dianteiro.
Diferentemente de seus concorrentes, o Xavante apresentava uma carroceria monobloco de fibra de vidro com estrutura tubular integrada, motor traseiro, suspensão traseira independente com molas helicoidais, bancos anatômicos e peso reduzido. Essas características contrastavam com o chassi em escada, a carroceria de aço, a suspensão por feixe de molas e o elevado centro de gravidade dos Jeep e Toyota. O Xavante XT-72 oferecia vantagens significativas, como menor consumo de combustível e custos de manutenção reduzidos, graças à utilização da confiável mecânica Volkswagen. Apesar da ausência de tração nas quatro rodas, um diferencial técnico dos concorrentes, a leveza do veículo, a agilidade da suspensão e o sistema selectraction garantiam desempenho competitivo em condições menos exigentes. Com um preço cerca de 15% superior ao do Jeep Willys, seu principal concorrente, o Xavante se destacou como uma alternativa acessível e inovadora, consolidando a Gurgel como uma marca visionária no mercado automotivo brasileiro. Em 1973, a Gurgel Veículos lançou o modelo XT-73, projetado para reforçar a vocação off-road da marca. Equipado com suspensão reforçada, maior distância do solo e a opção de motor Volkswagen 1600, o XT-73 foi oferecido nas versões XTR, com portas ampliadas (sem as pás laterais características de modelos anteriores), e picape, que contava com teto rígido e caçamba removíveis, ambos fabricados em fibra de vidro. Essas características reforçavam a versatilidade e a durabilidade dos veículos Gurgel, alinhando-se à visão de João Augusto Gurgel de criar soluções práticas para os desafios do mercado brasileiro. No ano de 1974, os modelos XT-74 receberam aprimoramentos sutis, focados principalmente no conforto, com melhorias nos bancos e no acabamento interno. Nesse mesmo ano, a Gurgel celebrou a produção de seu 500º veículo, um marco que evidenciou o crescimento constante da empresa. Em fevereiro, foi introduzida a nova geração do Xavante, iniciada com o modelo XTC. Este apresentava uma carroceria redesenhada e mais espaçosa, capaz de acomodar confortavelmente quatro passageiros. Entre as inovações, destacavam-se um porta-malas mais amplo, quatro faróis, entradas de ar nas laterais traseiras, canos de escape elevados para melhor desempenho em estradas poeirentas ou alagadas, e pneus "cidade e campo" montados em um chassi plasteel reformulado. A suspensão dianteira foi ajustada para aumentar o vão livre, enquanto a traseira mantinha semelhanças com o modelo XT, e o motor Volkswagen 1600 com ventoinha vertical e carburador único garantia confiabilidade. O aumento das vendas e a crescente demanda por exportações impulsionaram a Gurgel a expandir suas operações. Em 1974, a empresa inaugurou uma nova fábrica em Rio Claro, São Paulo, projetada especificamente para abrigar as linhas de moldagem de carrocerias em fibra de vidro e a montagem mecânica. Essa instalação marcou um momento histórico, sendo a primeira unidade fabril construída sob medida para atender às necessidades da Gurgel, consolidando sua capacidade de produção em escala.
Em maio de 1975, a Gurgel lançou o modelo X-10, uma evolução do XTC que incorporava cerca de 120 modificações estéticas e mecânicas. A carroceria, reduzida em aproximadamente 15 cm, apresentava mudanças significativas, como o reposicionamento do estepe sob a tampa do capô, a integração do guincho na dianteira, um para-choque de fibra redesenhado para melhorar o ângulo de entrada, a realocação das entradas de ar para uma posição mais frontal, a criação de um túnel central estrutural e a introdução de um novo painel. No aspecto mecânico, a nova suspensão traseira foi projetada para minimizar a cambagem das rodas, aprimorando a estabilidade. O X-10 podia ser equipado com capota rígida, janelas corrediças e porta com chave, oferecendo maior conforto e segurança aos usuários. Em novembro de 1975, a Gurgel apresentou o X-12, uma versão civil derivada do X-12 M, desenvolvido para as Forças Armadas. Com 20 cm a menos que o X-10, o X-12 possuía balanços dianteiro e traseiro reduzidos, maior altura do solo, apenas dois faróis, e acessórios como pá e um galão sobressalente de 20 litros montado externamente, reforçando sua vocação utilitária. Paralelamente, a variante X-11, equipada com teto rígido, foi lançada, mas teve uma trajetória breve, sendo descontinuada em menos de um ano. Em agosto de 1976, a Gurgel Veículos apresentou o X-12 TR, uma evolução significativa do modelo X-12, projetada para combinar funcionalidade com maior conforto. O veículo trouxe de série um teto rígido, janelas de vidro deslizantes e uma porta de fibra de vidro, além de uma frente mais elevada com faróis embutidos e um porta-malas de maior capacidade. Essas modificações reforçaram o compromisso da Gurgel em atender às necessidades práticas de seus clientes, mantendo a identidade robusta e inovadora da marca. No X Salão do Automóvel, realizado no final de 1976, a Gurgel revelou duas novas versões baseadas no X-12, ampliando sua oferta para diferentes públicos. A primeira foi a versão a álcool, que adaptou o motor Volkswagen 1300 com uma taxa de compressão elevada de 6,8:1 para 10:1, além de ajustes no carburador e no coletor de admissão, alinhando-se à crescente demanda por combustíveis alternativos no Brasil. A segunda novidade foi o Gurgel Blue Jeans, uma versão voltada para o público jovem, com capota, bancos e portas revestidos em tecido jeans, além de rodas traseiras com talas largas, conferindo um visual moderno e descontraído. Nesse mesmo evento, a Gurgel anunciou uma garantia estendida de 100.000 km para sua carroceria monobloco em fibra de vidro e plasteel, reforçando a confiança na durabilidade de seus veículos. Outra estreia marcante no Salão foi o X-20, o primeiro utilitário com cabine avançada da marca, projetado para transportar até meia tonelada de carga, com possibilidade de adaptação para passageiros ou uso misto. Desenvolvido a partir de uma versão anterior criada para as Forças Armadas, o X-20 seguia a concepção básica do X-12, mas incorporava um motor Volkswagen 1600, um vão livre de 360 mm e ângulos de ataque e saída de 65° e 45°, respectivamente. Esses atributos, aliados ao reduzido balanço dianteiro e à elevada distância do solo, tornavam o X-20 excepcionalmente versátil para terrenos desafiadores.

Em 1978, a Gurgel lançou o X-12 E, uma variante totalmente equipada do X-12, projetada para oferecer maior economia por meio de uma nova regulagem do motor Volkswagen 1600. A carroceria passou por pequenas alterações, incluindo lanternas traseiras inspiradas no Chevrolet Chevette, um novo mecanismo de abertura da capota com tecido diferenciado, uma tampa de motor redesenhada e a introdução de cintos de segurança de três pontos, um marco em segurança para os veículos da marca. Em 1979, o X-12 passou por uma reformulação significativa, mantendo sua essência técnica, mas com foco renovado no conforto, espaço interno e acabamento. A carroceria ficou levemente mais larga e mais baixa, com portas ampliadas e a opção de rodas em cores claras e design moderno. As linhas do veículo ganharam proporções mais equilibradas, destacando-se a nova frente com faróis encaixados em uma base quadrada, sem a grade de proteção, conferindo um visual mais refinado. O painel foi redesenhado, e o galão sobressalente foi reposicionado do lado esquerdo para o direito, otimizando o espaço e a estética. O ano de 1980 marcou um momento de grande conquista para a Gurgel, com a produção de seu 8.000º veículo e um recorde anual de 1.872 unidades fabricadas. Nesse período, foi lançado o X-12 “Modelo 81”, que trouxe avanços significativos, como uma nova suspensão dianteira, freios a disco nas rodas dianteiras, tela de proteção nas entradas de ar, bancos dianteiros com novo formato e fixação aprimorada, além de melhorias na iluminação e no acabamento interno. Essas atualizações reforçaram a posição da Gurgel como uma marca comprometida com a inovação contínua e a satisfação de seus clientes. Em 1988 o Gurgel X-12 seria rebatizado como Tocantins, tendo como destaque a adoção da ignição eletrônica, novos faróis retangulares e grade com três elementos horizontais. A capota foi alongada em 200 mm para aumentar o espaço traseiro e pôr fim a suspensão ganhou barra estabilizadora dianteira e nova molas traseiras. Rápido moderno e arrojado, o Gurgel X-12 foi o principal produto da Gurgel durante a maior parte de sua existência, tendo atingido a cifra de mais de 16.000 unidades entregues. No entanto no início da década de 1990 com a abertura do mercado o modelo encontrou obstáculos com a crescente pressão dos jipes importados, aliado a este cenário, os planos excessivamente ambiciosos para a limitada capacidade administrativa e financeira da Gurgel acelerariam o processo de degradação da empresa. Para a conclusão da fábrica do Nordeste e instalação das máquinas importadas da França, João Augusto contava com participação financeira de US$ 185 milhões, oriunda dos governos dos Estados de São Paulo e Ceará, da Sudene e de um empréstimo do BNDES. Porém a participação dos dois governos, de fato, não aconteceu, o que também levou ao cancelamento da operação de apoio financeiro do BNDES. A partir daí foi rápido o processo de aniquilamento: impossibilitada de iniciar a produção do Delta por falta de recursos para a conclusão das linhas de fabricação e sem condições de cumprir seus compromissos frente aos fornecedores, no ano seguinte a Gurgel requereu concordata. Não tendo obtido resposta favorável às solicitações de apoio subsequentes, enviadas à Presidência da República, e após a manifestação final do MICT, em fevereiro de 1994, expressamente contrária ao aporte de recursos públicos na empresa, “quer sob a forma de empréstimo, quer sob a forma de participação societária”, sua falência foi finalmente solicitada.
Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
A história da utilização de veículos utilitários leves com tração integral 4x4, conhecidos como jipes, nas Forças Armadas Brasileiras teve início em 1942, no contexto da adesão do Brasil ao programa norte-americano Lend-Lease Act (Lei de Arrendamentos e Empréstimos). Esse acordo, firmado durante a Segunda Guerra Mundial, previa a cessão de aproximadamente dois mil jipes ao Brasil, sem padronização por fabricante ou modelo. Não há registros oficiais que detalhem a proporção de veículos fornecidos pela Ford Motor Company ou pela Willys-Overland Company, mas os primeiros lotes, compostos por veículos novos e usados provenientes da frota e da reserva estratégica do Exército dos Estados Unidos, começaram a chegar ao país a partir de março de 1942. Dentre esses veículos, 655 foram enviados diretamente à Itália para equipar a Força Expedicionária Brasileira (FEB). A experiência operacional adquirida pelo Exército Brasileiro em um cenário de conflagração com os jipes foi inestimável, moldando a doutrina motomecanizada do Exército Brasileiro nas décadas seguintes. A frota de jipes, complementada por outros veículos de transporte, proporcionou às Forças Armadas Brasileiras, especialmente ao Exército Brasileiro, uma capacidade de mobilidade sem precedentes entre as décadas de 1940 e 1950. Essa mobilidade fortaleceu as operações de infantaria, permitindo maior agilidade e eficiência em diversos cenários. Com o passar dos anos, o desgaste operacional e a obsolescência dos jipes começaram a impactar sua disponibilidade. A falta de manutenção adequada e a dificuldade de obtenção de peças de reposição, tendo em vista que muitos destes modelo tiveram sua produção descontinuada, agravaram o cenário, resultando em índices preocupantes de veículos inoperantes. Para enfrentar essa crise, o governo brasileiro negociou com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos a aquisição de novos lotes de jipes usados, classificados como material excedente de guerra (war surplus). Desta maneira dentro dos termos dos programas de ajuda militar seriam cedidos um grande numero de veículos deste tipo provenientes dos estoques estratégicos norte-americanos. Ao serem recebidos estes passariam a substituir os substituíram as viaturas mais antigas e desgastadas, ajudando a restaurar parte da capacidade operacional do Exército Brasileiro. No final da década de 1950, o Exército Brasileiro intensificou a modernização de sua frota com a incorporação de jipes produzidos no período pós-guerra, como os modelos Willys M-38A1 e M-38A1-C, este último equipado com canhões sem recuo M-40 de 106 mm. Essas aquisições apesar de em reduzida escala representaram um avanço significativo, trazendo maior confiabilidade e adaptabilidade às operações militares.
Apesar deste movimento de renovação com a incorporação dos "novos" Willys M-38A1 e M-38A1-C, a rota de jipes das Forças Armadas Brasileiras ainda enfrentava desafios significativos. As quantidades recebidas eram insuficientes para atender às reais necessidades de reequipamento, evidenciando a urgência de renovar esses veículos utilitários leves com tração 4x4. Estudos preliminares indicavam a necessidade de adquirir entre 300 e 600 novos jipes, com preferência por modelos modernos, como as versões atualizadas do Willys M-38 e do Ford M-151 Mutt. Contudo, os altos custos associados a essa aquisição tornavam a iniciativa economicamente inviável à época, face as limitadas dotações orçamentárias. Diante desse cenário, a partir de 1959, o governo brasileiro voltou seus olhares para a indústria automotiva nacional, buscando uma alternativa mais acessível que atendesse às demandas das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, impulsionasse a economia do país. A Willys-Overland do Brasil S/A emergiu como uma candidata promissora, oferecendo em seu portfólio modelos como os Jeeps CJ-3, CJ-4 e CJ-5. Dentre eles, o CJ-5 destacou-se como a melhor opção, combinando robustez, versatilidade e uma relação custo-benefício vantajosa. O Jeep militarizado desenvolvido pela Willys-Overland do Brasil rapidamente conquistou a confiança do Exército Brasileiro, sendo homologado para uso militar em 1961. Em outubro daquele ano, um contrato para o fornecimento de duzentas viaturas foi assinado, marcando um passo significativo na modernização da frota militar brasileira. Esse veículo, projetado com atenção aos detalhes e às demandas operacionais, combinava robustez, versatilidade e acessibilidade, refletindo o compromisso da indústria nacional em fortalecer as Forças Armadas enquanto impulsionava a economia do país. A nova versão, designada como Viatura de Transporte Não Especializado 4x4 (VTNE), incorporou modificações que a tornaram ideal para o uso militar. Os jipes ¼ tonelada com tração integral 4x4, produzidos pela Willys-Overland do Brasil nos modelos CJ-5 e CJ-6, tornaram-se peças fundamentais nas operações das três Forças Armadas Brasileiras — Exército, Marinha e Força Aérea. Esses veículos, adaptados para uso militar, destacaram-se pela versatilidade, desempenhando papéis em uma ampla gama de atividades, desde operações administrativas até missões especializadas. Variantes como as versões bombeiro e viatura policial, esta última equipada com sirenes ROTAM no para-lama direito para uso pela Polícia do Exército (PE), e a versão “canhoneiro” ¼ tonelada CSR (canhão sem recuo), utilizada pelo Corpo de Fuzileiros Navais (CFN), demonstraram a capacidade de adaptação do Jeep às demandas específicas de cada instituição militar. A Willys-Overland do Brasil consolidou-se como a principal fornecedora de viaturas não blindadas para as Forças Armadas, especialmente para o Exército Brasileiro, por meio de sucessivos contratos de aquisição.

Na década de 1970, as Forças Armadas Brasileiras passaram a priorizar a aquisição de veículos militares de fabricação nacional, impulsionando o desenvolvimento de montadoras estabelecidas no país, como a Ford do Brasil S/A, a Willys Overland S/A e a Dodge Chrysler do Brasil, entre outras multinacionais. Esse movimento refletia um esforço para fortalecer a indústria automotiva local, promovendo a independência tecnológica e econômica. Nesse cenário, a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos S/A, uma empresa paulista em seus primeiros anos de atuação, começou a ganhar destaque no mercado automotivo brasileiro com o lançamento do utilitário off-road X-10 Xavante. O Xavante, lançado no início da década, destacou-se por sua robustez, facilidade de manutenção e operação eficiente, características que o tornaram uma alternativa atraente para o público rural. Comparado aos jipes importados ou produzidos localmente, como o Toyota Bandeirante e o Jeep Willys, que eram mais caros e complexos devido à tração 4x4, o Xavante oferecia uma solução prática e econômica. Sua concepção, que mesclava elementos de buggy e jipe, conquistou uma fatia significativa do mercado rural, consolidando a Gurgel como uma marca inovadora e alinhada às necessidades do Brasil. O sucesso do X-10 Xavante no mercado civil inspirou a diretoria da Gurgel, liderada por João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, a explorar novas oportunidades, incluindo o segmento de defesa. Reconhecendo o potencial de seus veículos para operações militares, a empresa passou a oferecer seu portfólio às Forças Armadas Brasileiras. O X-10 Xavante destacou-se como o modelo mais adequado para esse propósito, graças à sua capacidade de operar em terrenos fora de estrada, baixo custo de aquisição e manutenção, e design versátil. Para atender às exigências militares, João Augusto Gurgel customizou duas unidades do X-10 Xavante para testes, adaptando-as com características que remetiam aos jipes tradicionais. As modificações incluíram um para-brisa rebatível, capota de lona, chassi com boa distância do solo e a adição de acessórios específicos, como guincho mecânico, pás e um galão suplementar de combustível. Essas alterações, embora simples, tornaram o veículo ainda mais funcional para operações em condições adversas. Apesar de não contar com tração nas quatro rodas, uma característica presente em concorrentes como o Toyota Bandeirante (equipado com motor diesel Mercedes) e o Jeep Willys (posteriormente produzido pela Ford), o X-10 Xavante compensava essa limitação com o inovador sistema Selectraction. Esse mecanismo, patenteado pela Gurgel, funcionava como um diferencial autoblocante manual, permitindo que a potência do motor fosse direcionada à roda com maior aderência em situações de baixa tração. Combinado com a leveza do veículo e sua construção em fibra de vidro com chassi plasteel, o Selectraction garantia um desempenho off-road satisfatório, especialmente em condições menos exigentes.
O X-10 Xavante oferecia uma relação custo-benefício altamente competitiva, com um preço significativamente inferior ao de seus concorrentes, que exigiam maior investimento inicial e custos de manutenção mais elevados devido à sua complexidade mecânica. Além disso, o apelo nacionalista da Gurgel, uma marca genuinamente brasileira, ressoava com os valores de soberania e desenvolvimento industrial defendidos pelas Forças Armadas. Assim sendo no início do ano de 1974, estes dois protótipos do Gurgel X-10 “militarizados” foram disponibilizados ao Exército Brasileiro para serem submetidos a testes de campo em Marambaia, no Rio de Janeiro. Apesar de receber elogios quanto ao desempenho no campo de batalha simulada, sua aquisição não seria recomendada, com esta negativa sendo baseada na composição em fibra de vidro da carroceira. Os militares envolvidos neste programa afirmavam que, caso uma explosão estilhaçasse a carroceria do veículo, os fragmentos alojados no corpo dos ocupantes não seriam identificados por equipamentos de raio x, dificultando assim o tratamento de feridos em combate. Porém como sempre João Amaral Gurgel resolveria o problema brilhantemente, sua ideia surgiria em uma conversa com um médico especialista, com a solução sendo baseada na introdução de sulfato de bário na composição da carroceria, substância esta, originalmente empregada como contraste nas radiografias do estômago. Desta maneira, uma nova reunião seria solicitada junto ao comando do Exército Brasileiro, nesta oportunidade João Amaral Gurgel, apresentaria como prova da solução do problema, uma radiografia de uma almofada permeada com estilhaços de fibra de fibra, com estes pequenos pedaços aparecendo em destaque. Convencidos da desta solução, seriam iniciadas as primeiras tratativas visando a aquisição de um primeiro lote destes veículos. Um contrato seria celebrado em meados do mesmo, com os primeiros Gurgel X-10 Xavante “militarizados” passando a ser entregues as unidades operativas do Exército Brasileiro a partir de abril do ano de 1975. Já em uso, o modelo da montadora nacional, conquistaria rapidamente a confiança de seus usuários, com este status sendo motivado pelo seu excelente ângulo de saída e ataque, com a carro dificilmente raspando em alguma superfície, graças ao grande ângulo de entrada de 63º e de saída com 41º. E apesar de possuir tração 4X2 , o emprego do sistema Selectration, se mostrava muito eficiente em atoleiros, com este conjunto deixando o Gurgel X-10 Xavante mais leve e econômico, permitindo relativa agilidade, proporcionada pelo motor Volkswagen Boxter 1600, que lhe rendia 60 cv de potência a 4.600rpm e torque de 12kgfm, que levava o carro de de 0 à 100km/h em longos 38 segundos. Em 1975 a Gurgel, lançaria no mercado civil seu novo modelo o Gurgel X-12 que manteve o desing básico do X-10 Xavante, porém com partes da estrutura em plástico reforçado com fibra de vidro, curiosamente a evolução deste modelo fora originada de um estudo solicitado pelo próprio Exército Brasileiro para uma versão melhorada do modelo anterior.

Em Escala.
Para representarmos o VTrAdm TNE Gurgel Tocantins X-12TRM "EB 34-13168“, do Exército Brasileiro, fizemos uso do modelo em die cast produzido pela Axio na escala 1/43 para a "Coleção Veículos de Serviço do Brasil" da Editora Altayia. Procedemos a customização para a versão militar. Empregamos decais confeccionados pela decais Eletric Products pertencentes ao set "Exército Brasileiro "Veículos Militares Brasileiros 1944 - 1982".
O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o padrão de pintura tático do Exército Brasileiro aplicado em todos seus veículos militares desde a Segunda Guerra Mundial até a o final do ano de 1982, quando este esquema foi substituído por uma camuflagem em dois tons. No entanto não registros fotográficos dos veículos da Gurgel neste novo padrão. Salientamos que os carros em uso pelo Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) e pela Força Aérea Brasileira, fizeram uso de outros padrões de pintura.
Bibliografia:
- Gurgel, o engenheiro que ousou sonhar - http://revistaautoesporte.globo.com
- Gurgel: o engenheiro que virou carro - https://quatrorodas.abril.com.br
- Veículos Militares Brasileiros – Roberto Pereira de Andrade e José S Fernandes
- Exército Brasileiro - http://www.exercito.gov.br