História e Desenvolvimento.
A Alfa Romeo Automobiles S.p.A., tradicional marca italiana, teve suas origens em 24 de junho de 1910, na cidade de Milão. Fundada sob a denominação Anonima Lombarda Fabbrica Automobili (ALFA), a empresa surgiu em um momento de intensa efervescência industrial na Itália do início do século XX. O termo Anonima fazia referência ao modelo societário composto por investidores anônimos, bastante comum no ambiente empresarial europeu da época. Suas operações iniciaram-se nas instalações anteriormente utilizadas pela montadora francesa Automobiles Darracq France, que havia encerrado suas atividades pouco tempo antes. O primeiro automóvel produzido em série pela nova empresa foi o ALFA 24 HP, lançado em 1910 e projetado pelo engenheiro Giuseppe Merosi, profissional cuja visão técnica seria determinante para consolidar a reputação da marca. O modelo distinguiu-se por sua robustez mecânica e desempenho superior, marcando o início de uma tradição voltada à inovação e à qualidade. Em 1911, a jovem montadora ingressou oficialmente no universo do automobilismo ao participar da célebre competição Targa Florio, inscrevendo dois exemplares do 24 HP. O desempenho convincente dos veículos reforçou a imagem da ALFA como fabricante de máquinas potentes e confiáveis, contribuindo para a construção de uma identidade profundamente ligada ao espírito esportivo e ao design refinado — características que se tornariam pilares da marca nas décadas seguintes. A trajetória da empresa tomaria novo rumo em agosto de 1915, quando o empresário napolitano Nicola Romeo assumiu sua administração. Diante das demandas impostas pela Primeira Guerra Mundial, a produção automotiva foi reorientada para atender ao esforço militar italiano. A fábrica passou então a dedicar-se à fabricação de equipamentos bélicos, motores e veículos para uso militar, promovendo uma diversificação forçada, porém estratégica. A partir dessa fase, a companhia adotaria definitivamente o nome Alfa Romeo. Entretanto, o período pós-guerra revelou-se desafiador. A empresa enfrentou sérias dificuldades financeiras, agravadas pela instabilidade econômica da década de 1920. A crise culminou, em 1932, na absorção da Alfa Romeo pelo Instituto per la Ricostruzione Industriale (IRI), órgão estatal criado para reorganizar setores essenciais da indústria italiana. Sob direção do IRI, a montadora expandiu suas atividades, incorporando à sua linha de produção caminhões, ônibus e diversos componentes militares, demonstrando grande capacidade de adaptação às necessidades nacionais em tempos de reconstrução. Após a Segunda Guerra Mundial, a Alfa Romeo direcionou seus esforços para a fabricação de carros populares, medida necessária para estabilizar suas finanças e reconstruir sua posição no mercado. O êxito dessa estratégia permitiu que a empresa retomasse gradualmente a produção de veículos comerciais de pequena e média tonelagem. No início da década de 1950, a Alfa Romeo consolidou-se como uma das fabricantes mais respeitadas da Europa Ocidental, reconhecida pela combinação de robustez mecânica, soluções inovadoras e elevado padrão de engenharia. Essa trajetória se conectaria diretamente à história industrial do Brasil por meio da Fábrica Nacional de Motores (FNM).
Fundada em 13 de junho de 1942, em Duque de Caxias (RJ), a FNM nasceu com a missão estratégica de produzir motores aeronáuticos para apoiar o esforço aliado durante a Segunda Guerra Mundial. Com o término do conflito, em 1945, a empresa buscou novas áreas de atuação, redirecionando-se para a produção de caminhões e veículos pesados. Esse cenário eliminou as perspectivas de exportação de motores aeronáuticos, principal objetivo inicial da estatal, levando a uma crise prolongada caracterizada por: Falta de propósito claro para a continuidade das operações, e necessidade de reorientação das linhas de produção para novos produtos. Diante da crise, a FNM buscou alternativas para suas linhas de produção, explorando diferentes projetos: Montagem de Jipes Willys-MB: Proposta para diversificar a produção com veículos leves. Caminhões Pesados Mack: Planejamento para a fabricação de caminhões de maior porte e por fim: Fornecimento de Tratores: Contrato com o Ministério da Agricultura para a produção de 10.000 tratores, denominados MSTM. Os projetos enfrentaram significativos atrasos devido a desentendimentos entre a diretoria da FNM e membros do governo, resultando no cancelamento das iniciativas. Essa falta de alinhamento comprometeu o cronograma e aprofundou as dificuldades da estatal. Nesse contexto de incertezas, um novo caminho começou a se delinear em janeiro de 1949, quando a FNM assinou um contrato com a montadora italiana Isotta Fraschini, tradicional fabricante de veículos de luxo. O acordo previa a nacionalização progressiva e a fabricação em território brasileiro de sua linha de caminhões. Embora representasse uma oportunidade estratégica de reestruturação, a parceria carregava riscos consideráveis: a Isotta Fraschini encontrava-se em grave crise financeira desde o pós-guerra. A empresa italiana, que havia perdido grande parte de sua capacidade produtiva durante o conflito, sobrevivia apoiada em apenas dois modelos de caminhões. Em concordata desde fevereiro de 1948, a montadora acabou por decretar falência em setembro de 1949, colocando em risco todo o empreendimento conjunto. Apesar dessas dificuldades, o projeto teve continuidade, graças ao empenho brasileiro em consolidar sua nascente indústria automobilística. O resultado desse esforço foi o lançamento do Isotta D.80, oficialmente rebatizado no Brasil como FNM D-7300, o primeiro caminhão fabricado em território nacional. Suas principais características técnicas incluíam: Capacidade de carga: 7 toneladas; Motor: Diesel de injeção direta, 6 cilindros, 7,3 litros, desenvolvendo 100 cv; Transmissão: Caixa manual de cinco marchas e Freios: Sistema pneumático. O modelo destacava-se pela arquitetura diesel — uma inovação frente aos caminhões médios a gasolina, majoritariamente importados dos Estados Unidos e predominantes no país à época. A produção inicial previa 200 unidades, cada qual com mais de 30% de componentes nacionais, em consonância com a política de nacionalização do período. A entrega deveria ocorrer ao longo de dois anos, representando um marco histórico para a industrialização brasileira e para a própria FNM.

A falência da montadora Isotta Fraschini, em 1949, encerrou abruptamente o primeiro grande projeto de industrialização automobilística da Fábrica Nacional de Motores (FNM). Contudo, em vez de representar um retrocesso definitivo, esse episódio abriu caminho para novas articulações diplomáticas entre os governos do Brasil e da Itália. Como resultado dessas negociações, estabeleceu-se uma parceria estratégica com a estatal Alfa Romeo Automobiles S.p.A., que viria a redefinir os rumos da indústria automotiva nacional. Apesar de entraves administrativos e burocráticos que marcaram seus primeiros anos, o acordo trouxe bases tecnológicas e industriais robustas. Ele previu o fornecimento de lotes de 1.000 chassis para caminhões e ônibus, destinados à montagem no Brasil, combinando a expertise mecânica e de engenharia da Alfa Romeo com a capacidade instalada da FNM. Essa colaboração tinha como objetivo garantir a produção de veículos adequados às condições brasileiras, contribuindo simultaneamente para a expansão industrial e para a integração territorial do país — missão na qual o caminhão “Fenemê” se tornaria um verdadeiro ícone. A montagem inicial começou em 1952, utilizando cabines importadas diretamente da Alfa Romeo. A montadora italiana chegou a desenvolver um protótipo de cabine de linhas mais retas, pensado especialmente para o mercado brasileiro; entretanto, o modelo não chegou a ser adotado na produção seriada. O primeiro caminhão produzido foi o FNM D-9500, com as seguintes especificações: Capacidade de Carga: 8,1 toneladas (ou 14,0 toneladas com reboque). Motor: Diesel com injeção direta, 130 cv. Transmissão: Oito marchas à frente e duas a ré. Eixo Traseiro: Dupla redução Freios: Pneumáticos. Durante o primeiro ano de fabricação, todos os componentes do modelo eram integralmente importados, evidenciando a dependência inicial de tecnologia externa. Contudo, a partir de 1952, a FNM implementou um estruturado programa de nacionalização, que não apenas reduziu custos, mas também fortaleceu o nascente parque industrial brasileiro. O processo foi estruturado em etapas: 1953: Início da estampagem de uma nova cabine e utilização de componentes nacionais, como pneus e baterias. 1954: Incorporação de molas, radiador, rodas, tambores de freio, tanque de combustível e sistema de exaustão. Meta de 45% de conteúdo nacional, com projeção de alcançar 55% com a produção local de eixos e sistema de direção. 1955: Produção do primeiro chassi brasileiro, com a FNM superando a marca de 2.400 veículos fabricados. O rápido fortalecimento industrial refletiu-se no mercado. Já em 1956, a frota de caminhões FNM em circulação no Brasil ultrapassava a soma das frotas dos veículos Mercedes-Benz e Volvo — ambos ainda importados. Essa ascensão demonstrou a ampla aceitação do “Fenemê”, admirado por sua robustez, durabilidade e capacidade de enfrentar longas distâncias em estradas frequentemente precárias. Nesse mesmo período, a FNM lançou a cabine leito, equipada com dois pequenos beliches, proporcionando conforto adicional para motoristas que enfrentavam viagens extensas pelo interior do país. A inovação respondia diretamente às demandas crescentes do transporte rodoviário, que se expandia em ritmo acelerado no Brasil da década de 1950. A parceria estabelecida entre a FNM e a Alfa Romeo em 1949 consolidou-se como um dos marcos mais significativos da industrialização automobilística brasileira. O caminhão FNM D-9500, aliado a um bem-sucedido processo de nacionalização, não apenas superou os desafios iniciais como projetou a estatal brasileira à liderança do mercado nacional de caminhões.
Mais do que um veículo, o “Fenemê” tornou-se símbolo de desenvolvimento, modernização e integração territorial em um país que avançava rumo à industrialização. Em 1957, a FNM introduziu o modelo D-11000, que manteve o mesmo desenho de cabine e carroceria do antecessor D-9500, mas trouxe melhorias significativas: Motor: Diesel de 6 cilindros, 11 litros, 150 cv, com bloco e três cabeçotes de alumínio. Capacidade de Carga: 9,1 toneladas (ou 18 toneladas com reboque). Opções de Configuração: Três distâncias entre eixos disponíveis. Nacionalização: Conteúdo local superior a 82%. Campanha Publicitária: Sob o slogan “Montanha comigo é festa!”, destacou o desempenho robusto em terrenos desafiadores. O D-11000 alcançou grande aceitação, com quase 4.000 unidades produzidas em 1958 na planta de Duque de Caxias, RJ, consolidando-se como um sucesso comercial. Uma falha crítica no processo de fundição do bloco do motor causou o vazamento de líquido de arrefecimento para o cárter, contaminando o óleo e podendo levar à falha total do motor. Popularmente chamada de “barriga d’água”, essa questão comprometeu temporariamente a reputação do modelo. A FNM respondeu rapidamente com uma campanha de substituição dos motores defeituosos, restaurando a confiança do mercado na robustez do D-11000. Os caminhões FNM D-11000 desempenharam um papel crucial em projetos de infraestrutura no Brasil, incluindo: Construção de Brasília, inaugurada em 1960. Abertura de rodovias estratégicas, como a Belém-Brasília e a Transamazônica. Essa participação reforçou a imagem do “Fenemê” como símbolo do progresso e da industrialização brasileira. Em 1960, a Fábrica Nacional de Motores (FNM)expandiu seu portfólio com a produção do automóvel 2000 JK, fabricado sob licença da Alfa Romeo. No mesmo ano, os caminhões D-11000 receberam uma reestilização, com mudanças no grupo óptico e melhorias no design. Em 1962, a FNM iniciou a usinagem local de motores, marcando um avanço tecnológico significativo e preparando a empresa para novos desenvolvimentos. Em 1964, a FNM introduziu a série de caminhões “V”, composta pelos modelos: V-6 (chassi curto); V-5 (chassi médio); V-4 (chassi longo) e V-2 (chassi super longo). Estes apresentariam inovações, como opção de direção assistida hidráulica, novos bancos e acabamento interior aprimorado, alcançariam ainda 97% de conteúdo local, refletindo o avanço da indústria nacional. Apesar dessas melhorias, os caminhões FNM começaram a perder competitividade frente a modelos mais modernos da Mercedes-Benz e Scania-Vabis, impactando diretamente suas vendas. Em 1967, as vendas da FNM caíram drasticamente, com apenas 1.000 caminhões comercializados, refletindo a defasagem tecnológica dos modelos. Em resposta, a FNM anunciou o desenvolvimento de uma cabine modernizada, designada comercialmente como “Futurama”, com produção planejada para o segundo semestre de 1968. No entanto, o projeto não avançou além da fase de protótipo e foi cancelado. As atualizações introduzidas limitaram-se a um novo painel de instrumentos e à opção de um terceiro eixo de fábrica, insuficientes para reverter o declínio.

Durante o período do governo militar, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) atravessou uma fase marcada por profundas indefinições estratégicas. Dentro da administração federal, formaram-se duas correntes distintas: uma defendia a recuperação e modernização da estatal, argumentando que sua preservação era essencial para a autonomia industrial brasileira; a outra, que acabaria prevalecendo, advogava pela alienação da empresa, considerando-a onerosa e pouco competitiva frente ao avanço das montadoras estrangeiras instaladas no país. Assim, em 1967, a FNM foi oficialmente colocada à venda, atraindo o interesse de diversas fabricantes internacionais. Entre as propostas apresentadas destacaram-se: Citroën e Renault, que vislumbravam a cooperação técnica para a produção de automóveis de passeio e veículos utilitários; Alfa Romeo Automobiles S.p.A., que apresentou a proposta mais consistente e abrangente, assumindo integralmente a operação da FNM em 1968. A escolha pela Alfa Romeo surpreendeu parte do mercado automotivo, sobretudo porque a montadora italiana havia encerrado a produção de caminhões em seu país de origem em 1964. Ainda assim, sua tradição em engenharia mecânica e sua experiência prévia com a própria FNM tornaram a aquisição estratégica e, de certo modo, coerente com os interesses brasileiros. Em 1972, já sob controle italiano, a FNM lançaria seu último grande modelo de caminhão pesado, cuja cabine derivava do Alfa Romeo Mille, produzido na Itália entre 1958 e 1964. O ferramental de estampagem do modelo foi transferido diretamente da matriz, reduzindo custos industriais e acelerando o processo de nacionalização. As principais características incluíam: Cabine: Fixada ao chassi com componentes elásticos, equipada com ventilação forçada e aquecimento. O ferramental de estampagem foi transferido da matriz italiana, reduzindo custos de produção. Modelos: FNM 180 com motor diesel de 11 litros, 180 cv de potencia, disposta nas configurações de três opções de entre-eixos, com terceiro eixo opcional. FNM 210 com motor diesel de 11 litros, 215 cv de potencia, disponível apenas como cavalo mecânico, com transmissão reduzida. Em 1973, a Fiat Automóveis adquiriu 43% das ações da Alfa Romeo na Itália, assumindo o controle acionário total três anos depois, em 1976. No Brasil, essa transição impactou diretamente a FNM: Em 1977, a razão social da operação brasileira foi alterada para Fiat Diesel S/A. A produção de caminhões continuou sob a nova administração, mantendo a herança da linha FNM-Alfa Romeo. A produção de caminhões na planta de Duque de Caxias continuou até 1985, quando a Fiat Diesel S/A encerrou a fabricação da linhagem iniciada pela FNM. Após 36 anos de operação e a produção de aproximadamente 78.000 caminhões, o último veículo da linha “FNM-Alfa-Fiat” deixou a linha de montagem, marcando o fim de uma era na indústria automotiva brasileira. A trajetória da FNM, com sua linhagem de caminhões “Fenemê”, permanece como um marco histórico da industrialização e do desenvolvimento do setor automotivo no Brasil.
Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
Durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos, sob a liderança do presidente Franklin D. Roosevelt, observava com preocupação a possibilidade de que as forças do Eixo estendessem o conflito ao continente americano. Em um cenário de crescente tensão geopolítica, Washington buscou fortalecer suas alianças no hemisfério ocidental. Nesse contexto, o Brasil assumiu papel central, tanto pela sua posição estratégica no Atlântico Sul quanto pelo potencial de cooperação militar. A aproximação entre os dois países consolidou-se por meio de uma ampla agenda de cooperação. Em troca do engajamento brasileiro no esforço de guerra aliado, o governo norte-americano ofereceu ao Brasil uma série de vantagens estratégicas, que incluíam: • Acordos bilaterais de comércio: ampliando e fortalecendo a inserção econômica do Brasil no mercado norte-americano • Acesso ao programa Lend-Lease Act (Lei de Empréstimos e Arrendamentos): por meio do qual o Brasil obteve uma linha de crédito de aproximadamente US$ 100 milhões, destinada à aquisição de equipamentos militares modernos — armamentos, aeronaves, veículos blindados e carros de combate. Entre 1942 e 1945, como resultado direto dessa cooperação, o Exército Brasileiro recebeu mais de 5.000 caminhões militares, distribuídos entre diversos modelos, como GMC CCKW, Diamond T, White-Corbitt Cargo, Ward La France, Chevrolet Série G e Studebaker US6G. Essa frota representou um salto significativo na mobilidade terrestre, permitindo à Força Terrestre aprimorar sua capacidade de transporte de tropas, suprimentos e equipamentos. Com o fim do conflito, entretanto, surgiram novos desafios. Durante a década de 1950, os caminhões adquiridos no período de guerra começaram a apresentar sérios problemas operacionais, decorrentes de: • Desgaste natural: resultado do emprego intensivo durante o conflito e da continuidade de uso no período pós-guerra. • Dificuldade de manutenção: a paralisação da produção desses modelos nos Estados Unidos tornou cada vez mais complexa e dispendiosa a obtenção de peças de reposição. A combinação desses fatores gerou forte preocupação no alto comando do Exército. A perda progressiva da capacidade de transporte ameaçava diretamente a prontidão operacional, considerada vital para a defesa do território nacional em plena Guerra Fria. Tornou-se evidente que medidas emergenciais precisariam ser adotadas para garantir a continuidade das atividades logísticas. A substituição completa da frota por veículos modernos, como os norte-americanos REO M-34 e M-35 (4×4 e 6×6), surgia como alternativa ideal. Contudo, o elevado custo desses equipamentos ultrapassava as possibilidades orçamentárias do Exército Brasileiro naquele momento. Diante desse cenário, estudos internos apontaram para uma estratégia mais pragmática e dividida em três frentes complementares: Aquisição limitada de caminhões modernos: compra de um número reduzido de viaturas REO M-34, destinadas a suprir demandas críticas e emergenciais. Repotencialização das frotas existentes: projetos de modernização e remotorizaçao dos GMC CCKW e Studebaker US6G, prolongando sua vida útil por meio de reformas estruturais e mecânicas. Adoção de caminhões comerciais militarizados: utilização de veículos civis adaptados para missões secundárias, oferecendo uma solução mais econômica e rápida para recompor a capacidade logística.
Apesar das alternativas discutidas à época, o Exército Brasileiro continuava a enfrentar desafios significativos para preservar sua capacidade operacional, especialmente diante do crescente processo de obsolescência de sua frota de caminhões militares recebidos durante a Segunda Guerra Mundial. Para restaurar a eficiência logística da Força Terrestre, três caminhos principais foram analisados: a aquisição de novos caminhões militares, a repotencialização dos veículos remanescentes e a adoção de caminhões comerciais convertidos para uso militar. Entretanto, os estudos voltados à modernização dos modelos GMC CCKW e Studebaker US6G foram logo abandonados. Dois fatores foram decisivos para esse desfecho: Alto custo de implementação: Os investimentos necessários ultrapassavam de forma significativa as possibilidades orçamentárias do Exército. Falta de expertise técnica: O país ainda não possuía experiência suficiente para conduzir um programa de modernização de grande porte, envolvendo milhares de veículos e profunda reengenharia mecânica. Com o cancelamento dessa iniciativa, intensificou-se a necessidade de ampliar a estratégia de aquisição de caminhões comerciais militarizados, que passariam a atuar como complemento à frota militar de origem norte-americana — composta majoritariamente por veículos 6×6 destinados a operações fora de estrada. A intenção era clara: liberar os caminhões táticos para missões de campanha e empregar os novos veículos comerciais em tarefas logísticas secundárias, como o transporte urbano e rodoviário, onde se demandava menor esforço mecânico. No contexto de fortalecimento da jovem indústria automotiva brasileira durante a década de 1950, o Ministério do Exército decidiu priorizar a aquisição de veículos produzidos no país. Entre as empresas nacionais, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) despontava como uma das principais fornecedoras de caminhões médios, oferecendo dois modelos de destaque: o FNM D-9500 e o FNM D-11000. Após análises técnicas e operacionais, o FNM D-11000 foi selecionado como a plataforma mais adequada para o processo de militarização. O modelo apresentava robustez e confiabilidade superiores, consideradas essenciais para atender, ao menos em teoria, aos padrões exigidos pelas operações militares. Projetado para atuar em condições severas, o D-11000 era capaz de transportar cargas pesadas por estradas deficientes, terrenos irregulares e ambientes de infraestrutura limitada — realidade comum no território brasileiro da época. Suas características básicas eram - Chassi reforçado: Construído com sete travessas forjadas em aço de alta resistência, garantindo maior durabilidade e sustentação de cargas elevadas. Capacidade de carga: Até 9,1 toneladas (ou 18 toneladas quando tracionando reboque). Configurações disponíveis: Cavalo mecânico, carga seca, baú, basculante e versões com chassi alongado compatíveis com a instalação de terceiro eixo. Motor: Diesel de 6 cilindros, 11 litros, 150 cv reconhecido por seu torque elevado e boa confiabilidade. Transmissão: Caixa de oito marchas à frente e duas à ré, proporcionando maior flexibilidade em terrenos acidentados. Sistema de freios: Pneumático, assegurando melhor controle em operações de carga. A combinação entre sua estrutura reforçada, variedade de configurações e facilidade de adaptação fez do FNM D-11000 uma escolha tecnicamente viável para complementar a frota militar. Embora não fosse um caminhão tático no sentido estrito, sua introdução permitiu ao Exército dividir melhor as funções logísticas, garantindo que os veículos militares de maior complexidade permanecessem disponíveis para missões estratégicas e para o emprego em terrenos mais adversos.

A introdução do FNM D-11000 na frota do Exército Brasileiro marcou um importante capítulo na modernização logística das Forças Armadas durante a segunda metade da década de 1950. As primeiras unidades do modelo 4×2, na versão carga, começaram a ser entregues a partir de 1957, ainda bastante próximas às configurações comerciais produzidas pela Fábrica Nacional de Motores. Contudo, receberam modificações específicas para atender às exigências de militarização impostas pelo Ministério do Exército. Entre as principais adaptações implementadas destacavam-se: Para-choques reforçados: Projetados para suportar impactos e condições severas de operação. Grades de proteção: Instaladas para resguardar componentes sensíveis, sobretudo o conjunto ótico dianteiro. Carroceria em aço de padrão militar: Mais robusta que a versão civil, adequada ao transporte de pessoal e cargas diversas. Coberta de lona: Inspirada nos tradicionais caminhões norte-americanos GMC CCKW 352–353 e Studebaker US6, garantindo proteção contra intempéries e tornando o veículo mais apropriado para operações prolongadas em campo. Com essas modificações, o FNM D-11000 consolidou-se como uma viatura de transporte não especializado, capaz de atender a variadas demandas logísticas em ambientes urbanos, rodoviários e rurais. Sua concepção robusta o tornou particularmente adequado para emprego em unidades como os Batalhões Rodoviários (BRv) e os Batalhões de Engenharia de Construção (BEc), frequentemente responsáveis por operar em regiões remotas e em infraestrutura deficitária. Nos anos seguintes, o desempenho satisfatório do D-11000 levou à celebração de novos contratos entre a FNM e o Exército Brasileiro. Após 1968, com a aquisição da FNM pela Alfa Romeo Automobiles S.p.A., esses acordos passaram a contemplar também modelos derivados da engenharia italiana. O fornecimento atendeu a diferentes ramos das Forças Armadas: Exército Brasileiro: Recebeu caminhões FNM D-11000 e modelos Alfa Romeo, distribuídos por unidades de todo o país, sendo classificados inicialmete como VTNE (Viatura de Transporte Não Especializado). Esses veículos passaram a atuar em conjunto com os recém-adquiridos Mercedes-Benz LP-321 e LP-331, reforçando a renovação da frota logística. Força Aérea Brasileira (FAB) e Marinha do Brasil: Incorporaram unidades dos mesmos modelos, utilizando-as em tarefas de apoio, transporte de suprimentos e movimentação interna de bases e depósitos. Essa ampliação do parque viário permitiu a transição gradual dos veteranos caminhões norte-americanos como os GMC CCKW, GMC G717 e Studebaker US6 — para funções secundárias. Os novos modelos ofereciam maior disponibilidade mecânica, custos operacionais mais baixos e peças acessíveis, fatores decisivos para a eficiência logística. A adoção do FNM D-11000 representou um avanço substancial na capacidade de mobilidade militar brasileira. Os veículos militarizados proporcionaram: Maior flexibilidade para operações rodoviárias e urbanas. Desoneração da frota 6×6, que pôde ser preservada para missões em terrenos difíceis. Aprimoramento da eficiência logística, apoiado por veículos mais modernos e adequados às condições nacionais.
Curiosamente, o FNM D-11000 tornou-se o primeiro caminhão nacional a ser empregado em um cenário de conflagração real. Esse marco singular da indústria automotiva brasileira não decorreu de um planejamento específico, mas sim da convergência de acontecimentos geopolíticos que culminaram na Crise do Canal de Suez, um dos episódios mais tensos da Guerra Fria. A crise teve início em julho de 1956, quando o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser anunciou a nacionalização do Canal de Suez, ato realizado em resposta à suspensão do financiamento norte-americano e britânico para a construção da Barragem de Aswan. A decisão das potências ocidentais foi motivada pela aproximação crescente do Egito com a União Soviética e a Tchecoslováquia, em um contexto de rivalidade ideológica global. Entre as medidas adotadas por Nasser destacaram-se: a decretação de lei marcial na zona do canal; a tomada de controle da Companhia do Canal de Suez;a intenção declarada de financiar a Barragem de Aswan a partir das receitas obtidas com os pedágios. Esse movimento despertou profunda preocupação no Reino Unido e na França, que temiam a interrupção do fluxo de petróleo oriundo do Golfo Pérsico vital para suas economias no pós-guerra. Diante do fracasso das negociações diplomáticas, britânicos e franceses, em conjunto com Israel, arquitetaram uma operação militar para retomar o controle do canal e, possivelmente, depor Nasser. Em outubro de 1956, tropas israelenses invadiram o Sinai, seguidas pela intervenção anglo-francesa em novembro. A ofensiva encontrou resistência política interna nos três países e reação vigorosa da comunidade internacional, incluindo ameaças de intervenção soviética e pronunciamentos firmes da Organização das Nações Unidas (ONU). A pressão internacional levou à criação da primeira força de paz da ONU, a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF-Suez), encarregada de supervisionar o cessar-fogo, organizar a retirada das tropas invasoras e estabilizar a região. Como membro ativo das Nações Unidas, o Brasil foi convocado a integrar a comissão internacional de estudos sobre a crise, desempenhando simultaneamente funções diplomáticas e militares. A diplomacia brasileira atuou de forma destacada na defesa de uma solução pacífica, apoiando: a retirada das tropas europeias em dezembro de 1956; a evacuação das forças israelenses até março de 1957, em um processo que expôs a derrota política das potências invasoras. Paralelamente, decidiu-se pela participação de um contingente militar brasileiro na UNEF-Suez, marcando o primeiro grande envolvimento do país em uma missão de paz multinacional. Em fevereiro de 1957, as primeiras tropas brasileiras desembarcaram no Egito. O contingente foi equipado com um inventário heterogêneo que refletia o momento de transição vivido pelas Forças Armadas do Brasil: armamentos e veículos blindados norte-americanos, remanescentes da Segunda Guerra Mundial; veículos utilitários, leves e pesados produzidos no Brasil, entre os quais se destacavam os caminhões FNM D-9500 e FNM D-11000, representando a jovem porém crescente indústria automotiva nacional. Estes caminhões seriam retirados diretamente das unidades operativas, com os primeiros sendo mobilizados ainda nas cores padrão do Exército Brasileiro. Posteriormente seriam pintados nas cores padrão dos veiculos das Nações Unidas (ONU). Estes caminhões seriam transportados em navios da Marinha do Brasil, chegando juntamente com o primeiro contingente brasileiro no teatro de operações do oriente médio.

Este momento apresentaria desafios operacionais, pois o terreno desértico do Egito apresentou limitações significativas para os FNM D-11000, que frequentemente atolavam na areia fofa devido à sua configuração 4x2. Nesses casos, as missões eram complementadas por caminhões britânicos Bedford 6x6, mais adequados às condições off-road. Apesar disto em ambientes de estrada, relatos da época indicam que os D-11000 e D-9500 demonstraram desempenho satisfatório, superando expectativas quanto à durabilidade e à capacidade de carga em comparação a modelos estrangeiros contemporâneos. A experiência da UNEF-Suez também teve impacto duradouro nas estruturas militares brasileiras. O contingente nacional desenvolveu novas doutrinas de logística, padronização e manutenção em ambientes hostis, conhecimentos posteriormente aplicados nos batalhões nacionais. Ademais, a participação brasileira consolidou a tradição de engajamento do país em missões de paz, tradição que se estenderia nas décadas seguintes, em operações na América Central, África e no Haiti. Nos anos seguintes, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) foi integralmente adquirida pela subsidiária brasileira da Alfa Romeo em 1968, e sua linha de caminhões passou a adotar a marca comercial Alfa Romeo. Os contratos previamente firmados com as Forças Armadas Brasileiras foram mantidos, com entregas realizadas conforme os cronogramas estabelecidos. Esse processo se repetiu em 1976, quando a Fiat italiana assumiu o controle acionário da Alfa Romeo, garantindo a continuidade do cumprimento dos contratos. No final da década de 1970, a obsolescência dos primeiros lotes de caminhões FNM e Alfa Romeo tornou-se evidente. A ausência de melhorias técnicas significativas na linha de caminhões da montadora levou as Forças Armadas Brasileiras a buscar alternativas mais modernas. Os principais ramos (Exército, Força Aérea e Marinha) intensificaram a aquisição de veículos militarizados, incluindo os Mercedes-Benz L-1111 e L-1213, Ford Série F-600 e Chevrolet C-60 e D-60. Esses modelos começaram a substituir grande parte da frota envelhecida, assumindo funções logísticas primárias. Apesar da substituição, os caminhões FNM e Alfa Romeo em melhores condições permaneceram em serviço, desempenhando papéis em unidades de apoio e suprimentos, especialmente nas organizações de Intendência e Logística do Exército Brasileiro. Algumas viaturas continuaram ativas por décadas, demonstrando a robustez e durabilidade do projeto. Atualmente, diversos caminhões FNM, Alfa Romeo e Fiat Diesel militarizados permanecem em condições operacionais, mantidos por colecionadores e empresas de transporte, particularmente no interior do Brasil. Esses veículos são testemunhos do legado da FNM e de sua contribuição para o desenvolvimento logístico e industrial do país. A absorção da FNM pela Alfa Romeo e, posteriormente, pela Fiat Diesel garantiu a continuidade de sua produção e fornecimento às Forças Armadas Brasileiras. Embora substituídos por modelos mais modernos no final da década de 1970, os caminhões FNM e Alfa Romeo deixaram um legado duradouro, permanecendo em serviço por décadas e preservados como ícones da história automotiva e militar brasileira.
Em Escala.
Para representarmos o caminhão FNM D-11000 empregado pelo Exército Brasileiro junto a UNEF - United Nations Emergency Force, na região de Gaza, empregamos o modelo em die cast produzido pela Axio para a Editora Altaya na escala 1/43. Fizemos uso desta opção por não existir um kit no mercado para este modelo caminhão. Como a versão militarizada apresenta mínimas diferenças em relação a versão civil, procedemos uma leve conversão em scratch build, para assim se obter a configuração empregada pelo Exército Brasileiro. Empregamos ainda decais confeccionados pela Eletric Products presentes no Set UNEF - SUEZ. 

O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o padrão de pintura tático do Exército Brasileiro em todos seus veículos militares desde a Segunda Guerra Mundial até a o final do ano de 1982, tendo como alteração apenas a remoção das marcações nacionais, sendo estas substituídas pelo sistema de identificação padrão dos veículos a serviço da Organização das Nações Unidas (ONU) – para a operação de paz internacional - UNEF SUEZ.
Bibliografia :
- Caminhões Brasileiros de Outros Tempos – FMN , editora Altaya
- Alfa Romeu - https://en.wikipedia.org/wiki/Alfa_Romeo
- Veículos Militares Brasileiros – Roberto Pereira de Andrade e José S Fernandes
- Manual Técnico – Exército Brasileiro 1976
- FNM - www.lexicar.com.br
- Caminhões FNM no Exército - Expedito Carlos S Bastos
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