Ao longo de mais de um século, o engenho criativo de Gottlieb Daimler e Carl Benz moldou de maneira decisiva o surgimento da indústria automobilística moderna. Trabalhando de forma paralela, ainda que independente, ambos desenvolveram os primeiros automóveis motorizados plenamente funcionais, inaugurando uma era de transformações tecnológicas profundas. O pioneirismo desses inventores não se limitou aos veículos de passeio: deles também derivaram marcos fundamentais como o primeiro ônibus, o primeiro caminhão equipado com motor a gasolina e o primeiro caminhão movido a diesel, inovações que estabeleceram as bases para o transporte automotivo no século XX. Em abril de 1900, a introdução do motor “Daimler-Mercedes” representou um salto tecnológico expressivo. O novo grupo propulsor, projetado para ser eficiente, simples e de custo competitivo, revolucionou a produção seriada de veículos comerciais e consolidou a reputação da engenharia alemã no campo da motorização. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), a empresa desempenhou um papel central no esforço de guerra alemão. Suas fábricas produziram uma ampla variedade de equipamentos, incluindo caminhões, automóveis militares, componentes mecânicos e motores aeronáuticos, contribuindo diretamente para a sustentação logística e operacional das forças armadas do Império Alemão. Com o fim do conflito, entretanto, a Alemanha mergulhou em uma grave crise econômica. A hiperinflação, o desemprego em massa e a queda abrupta no poder de compra da população afetaram profundamente a indústria automotiva, especialmente o mercado de veículos de luxo. A sobrevivência tornou-se um desafio para grande parte das montadoras; muitas foram forçadas à fusão ou à cooperação industrial como forma de enfrentar o ambiente adverso. Nesse contexto, ao longo da década de 1920, a produção automotiva começou a apresentar sinais de recuperação. Para enfrentar os desafios econômicos e fortalecer sua posição no mercado, as empresas Daimler-Motoren-Gesellschaft (DMG) e Benz & Cie firmaram um acordo amplo de administração conjunta e cooperação tecnológica. O pacto — projetado para vigorar até o ano 2000 — previa a unificação de processos de engenharia, compras, produção, vendas e publicidade. Apesar disso, cada empresa continuou, por um breve período, comercializando seus automóveis sob suas marcas tradicionais. A aproximação evoluiu de modo natural para uma integração plena, resultando na formação da Daimler-Benz AG. O símbolo da nova companhia, a célebre estrela de três pontas, concebida originalmente por Gottlieb Daimler, passou a expressar a versatilidade universal dos motores da empresa, pensados para operar em terra, no ar e no mar. Já em meados da década de 1930, a Daimler-Benz foi profundamente impactada pelo contexto político da Alemanha Nazista. O agressivo programa de rearmamento implementado pelo governo de Adolf Hitler impulsionou de forma decisiva as vendas e garantiu contratos volumosos para a companhia. O portfólio, até então concentrado em automóveis e caminhões, foi expandido para incluir: motores aeronáuticos e navais; componentes mecânicos para veículos militares; embarcações de pequeno porte; equipamentos especializados destinados às Forças Armadas. Com isso, a Daimler-Benz consolidou-se como um dos principais pilares industriais do regime, desempenhando papel estratégico no fortalecimento da máquina de guerra nazista às vésperas da Segunda Guerra Mundial.
A Daimler-Benz fabricou alguns dos caminhões e utilitários mais usados pela Wehrmacht, especialmente durante os estágios iniciais do conflito, como o Mercedes-Benz L 3000 (1938–1944), Mercedes-Benz L 4500 (1941–1944). Seria ainda responsável pela produção dos veículos de comando e reconhecimento Mercedes-Benz 170 VK e Tipo G5 (W152). Ao término do conflito, a Alemanha encontrava-se profundamente abalada. Suas principais instalações industriais haviam sido severamente danificadas pelos incessantes bombardeios aliados, levando a Daimler-Benz assim como tantas outras empresas alemãs a um cenário de virtual paralisação produtiva. A reconstrução dessas fábricas tornou-se, portanto, uma necessidade urgente, e acabou ocorrendo com apoio técnico e político de britânicos e norte-americanos, como parte de um esforço mais amplo de recuperação econômica. A partir de 1947, esse processo de reconstrução ganhou fôlego com a implementação do Plano Marshall. O programa, ao promover a revitalização da infraestrutura europeia, também gerou uma demanda imediata e crescente por veículos utilitários de diversos portes, indispensáveis às obras de reconstrução, transporte de suprimentos e reorganização logística. Foi nesse ambiente de renascimento industrial que a Daimler-Benz identificou uma oportunidade ímpar: concentrar seus esforços no desenvolvimento e aperfeiçoamento de caminhões leves e médios, essenciais à nova realidade econômica europeia. Para acelerar sua retomada, a empresa inicialmente recorreu a projetos concebidos ainda na década de 1930, os quais, apesar da defasagem tecnológica, demonstraram grande potencial comercial. A adoção desses modelos permitiu uma rápida reentrada no mercado, com êxito não apenas na Alemanha, mas em diversos países europeus, garantindo à montadora uma importante economia de recursos em um período de extrema escassez. Entretanto, somente em meados da década de 1950 a Daimler-Benz lançaria um produto verdadeiramente alinhado às necessidades daquele momento de reconstrução: o Mercedes-Benz MB L-319. Projetado com cabine avançada (cab-over-engine — COE), o modelo maximizava o espaço destinado à carga sem ampliar o comprimento total do veículo ou a distância entre eixos. Essa solução conferia maior agilidade em ambientes urbanos, além de maior eficiência operacional. O MB L-319 foi oferecido em diversas configurações — caminhão de carga, furgão, chassi para ônibus e versões especializadas — o que ampliou significativamente sua aceitação comercial. O êxito alcançado pelo L-319 impulsionou o desenvolvimento da família LP (Lastkraftwagen-Pulmann), composta por modelos com diferentes capacidades e aplicações, como os LP-315, LP-321, LP-326, LP-329 e LP-331. Essa linhagem consolidou a reputação da Mercedes-Benz como fabricante de veículos robustos, eficientes e adaptáveis às demandas de um continente em reconstrução. Nesse mesmo período, a diretoria da Daimler-Benz AG começou a estruturar um ambicioso plano de expansão internacional. A empresa buscava novos mercados que oferecessem potencial de crescimento, condições favoráveis de industrialização e perspectivas de longo prazo.

Ao avaliar diferentes regiões para sua expansão internacional no pós-Segunda Guerra Mundial, a Daimler-Benz identificou na América do Sul, em especial no Brasil, um ambiente extremamente promissor. O país atravessava um período de transformação econômica, marcado por políticas de industrialização, urbanização acelerada e crescente demanda por veículos pesados capazes de atender tanto ao transporte de cargas quanto ao nascente setor rodoviário nacional. Dentro desse cenário, o mercado sul-americano assumiu caráter estratégico, e o Brasil foi escolhido como ponto inicial dessa nova etapa de internacionalização. O objetivo da montadora alemã era estabelecer uma linha de produção local de caminhões e, futuramente, de chassis para ônibus, aproveitando o dinamismo econômico brasileiro e a política governamental favorável à substituição de importações. Nesse contexto, destacou-se a atuação de Alfred Jurzykowski, empresário polonês radicado nos Estados Unidos e representante da marca no Brasi, foi o principal responsável por consolidar as vendas de veículos Mercedes-Benz no país, então importados na forma de kits CKD (Completely Knock-Down), montados localmente. Graças ao seu sucesso comercial e à sua habilidade de articulação política, ele se tornou figura central na aproximação entre a Daimler-Benz e o governo brasileiro. Em 1951, Jurzykowski desempenhou papel decisivo ao intermediar as negociações entre a empresa alemã e o governo de Getúlio Vargas, que buscava atrair investimentos estrangeiros para fortalecer a indústria nacional. As tratativas culminaram em um acordo para a produção de caminhões e ônibus com motores diesel no Brasil, alinhando-se às metas do Estado brasileiro de modernizar sua frota pesada e reduzir a dependência externa. Assim, em outubro de 1953, foi oficialmente fundada a Mercedes-Benz do Brasil S.A., iniciando-se os trabalhos de implantação da primeira fábrica da empresa fora da Alemanha, localizada no município de São Bernardo do Campo, na Região do ABC Paulista, área que se tornaria, nas décadas seguintes, um dos principais polos industriais da América Latina. Paralelamente à construção da planta, foi lançado um programa de nacionalização de componentes, com foco especial nos motores diesel, atendendo às exigências das políticas de desenvolvimento industrial vigentes. Em dezembro de 1955, na presença de Juscelino Kubitschek, então presidente eleito, ocorreu o marco simbólico da fundição dos primeiros blocos de motores diesel produzidos na América Latina, nas instalações da Sofunge (Sociedade Técnica de Fundições Gerais S/A). No mês seguinte, em janeiro de 1956, iniciava-se a usinagem desses blocos, consolidando o avanço da tecnologia diesel no país, em contraste com o modelo predominante nos Estados Unidos, baseado no uso extensivo de gasolina. A fábrica de São Bernardo do Campo foi oficialmente inaugurada em 28 de setembro de 1956, sob a direção técnica de Ludwig Winkler, que anteriormente comandara a linha de montagem da Mercedes-Benz no Rio de Janeiro e que, anos mais tarde, assumiria papel semelhante na concorrente Magirus. A cerimônia, que contou com a presença do Presidente da República, simbolizou o clima de otimismo e confiança no futuro industrial do Brasil. Em seu discurso, Kubitschek proferiu a célebre frase: “O Brasil acordou!”, ecoando o espírito desenvolvimentista que marcaria sua administração.
Durante o evento, o presidente percorreu as instalações a bordo do primeiro caminhão diesel de médio porte fabricado no Brasil, o Mercedes-Benz L-312. Com capacidade para 6 toneladas de carga útil, o modelo inaugurava uma nova era do transporte pesado nacional. Equipado com motor diesel brasileiro de seis cilindros, 4.580 cm³, 110 cv, caixa de cinco marchas e freios hidráulicos com assistência pneumática, o L-312 apresentava uma cabine metálica recuada singularidade mantida como exclusiva na linha de produção brasileira. O caminhão Mercedes-Benz L-312 foi introduzido no mercado brasileiro em três variantes, seguindo a nomenclatura adotada na Alemanha, que permaneceu em vigor por quatro décadas, todas com uma distância entre eixos de 3,20 metros: o modelo básico L (Lastwagen, ou caminhão, em alemão), o basculante LK (Kipper) e o cavalo-mecânico LS (Sattelschlepper, ou reboque), sendo os dois últimos configurados com balanço traseiro reduzido. Adicionalmente, estavam disponíveis duas opções de encarroçamento: uma versão completa e outra sem cabine, composta apenas por capô e para-lamas, que serviu como base principal para a fabricação de lotações. A partir de 1957, acompanhando a evolução tecnológica da matriz alemã, a subsidiária brasileira iniciou a produção da família LP, composta pelos modelos LP-315, LP-321, LP-326, LP-329 e LP-331. Esses caminhões foram rapidamente adaptados às necessidades nacionais, desempenhando funções variadas: transporte de carga seca, combustível, água, além de versões equipadas com cisternas ou caçambas basculantes. Essa versatilidade refletia a realidade de um país em expansão, onde a rede rodoviária tornava-se elemento central para integrar regiões distantes e impulsionar o crescimento econômico. A presença da marca no mercado brasileiro foi reforçada em 1960, quando a Mercedes-Benz do Brasil participou da 1ª edição do Salão do Automóvel de São Paulo, evento que se tornaria referência continental. No ano seguinte, dando início à sua trajetória exportadora, a empresa comercializou 550 unidades do ônibus O-321 para a Argentina, consolidando-se como protagonista no fornecimento de veículos pesados para a América Latina. Entre os modelos brasileiros, destacou-se o LP-321, cuja simplicidade mecânica e robustez contribuíram decisivamente para seu sucesso comercial. Equipado com o confiável motor diesel OM-321, de seis cilindros em linha, 120 cv a 3.000 rpm, o modelo utilizava um sistema de combustão de antecâmara em fluxo contínuo — tecnologia que otimizava a queima do combustível e reduzia o consumo específico. O conjunto mecânico era complementado por uma transmissão manual de cinco marchas totalmente sincronizadas, proporcionando condução mais fácil, menor desgaste e economia de combustível, fatores valorizados por transportadores em uma época de infraestrutura ainda precária. Essas características, aliadas à maior capacidade de carga útil, tornavam possível operar frotas menores para transportar o mesmo volume de mercadorias, representando uma vantagem competitiva expressiva sobre os concorrentes. Como resultado, o LP-321 atingiu números impressionantes: 34.142 unidades vendidas entre 1958 e 1970, tornando-se um dos caminhões mais bem-sucedidos da história da Mercedes-Benz do Brasil.
Outro elemento marcante do projeto era a distância entre eixos de 4,6 metros, que favorecia a distribuição homogênea do peso sobre a carroceria. A fabricante oferecia uma caçamba padrão de 6,5 metros, mas permitia ampla customização — uma prática que atendia transportadores regionais e grandes frotistas em um país de dimensões continentais. Essa flexibilidade aumentou ainda mais a competitividade da linha LP (Lastkraftwagen-Pullman) e contribuiu para sua ampla aceitação no mercado brasileiro. Ao longo das décadas seguintes, o L-312 e a família LP se tornariam ícones da fase inicial de industrialização automobilística no Brasil, pavimentando o caminho para a consolidação do país como um dos principais polos de produção de caminhões Mercedes-Benz fora da Alemanha. O chassi do Mercedes-Benz LP-321, do tipo escada, foi projetado para oferecer alta flexibilidade, essencial para suportar curvas acentuadas e garantir a integridade de cargas pesadas. Construído com barras de aço reforçado, proporcionava rigidez estrutural superior, aumentando a confiabilidade e a robustez do conjunto, mesmo em altas velocidades. Com uma distância entre eixos de 4,6 metros, o chassi assegurava uma distribuição uniforme do peso ao longo da carroceria, otimizando a estabilidade. A Mercedes-Benz do Brasil oferecia uma caçamba padrão com 6,5 metros de comprimento, mas permitia customizações conforme as necessidades dos clientes, uma característica que impulsionou significativamente as vendas da linha LP no mercado brasileiro. Embora originalmente concebido com tração 4x2, a variante MB LPK-331, equipada com caçamba basculante, foi projetada com tração nas quatro rodas e pneus especiais para operações em terrenos fora de estrada, ampliando sua versatilidade. Diversas versões foram produzidas até 1965, com destaque para o modelo LP-334, que se tornou o mais bem-sucedido comercialmente, alcançando a produção de 4.703 unidades. Sua elevada confiabilidade e adaptabilidade levaram à sua adoção em larga escala por governos municipais em todo o país, especialmente para aplicações em serviços públicos. Em 1963, o modelo passou por uma última atualização, incorporando uma nova cabine com formas mais angulares, alinhada às tendências globais de design da Mercedes-Benz. Essa cabine, de dimensões reduzidas, aumentava o espaço disponível para transporte de carga na parte posterior do veículo, otimizando ainda mais sua funcionalidade. O Mercedes-Benz LP-321, lançado no Brasil em 1957 pela Mercedes-Benz do Brasil S.A., deixou um legado significativo para a indústria brasileira, influenciando não apenas o setor automotivo, mas também a economia, a infraestrutura de transporte e o desenvolvimento industrial do país. O LP-321 foi um dos primeiros caminhões diesel de médio porte fabricados no Brasil, marcando a transição do uso predominante de motores a gasolina, típicos do modelo norte-americano, para motores diesel, mais econômicos e duráveis. Produzido em um contexto de industrialização acelerada durante o governo de Juscelino Kubitschek, o LP-321 se destacou por sua robustez, versatilidade e eficiência, consolidando a Mercedes-Benz como líder no mercado de veículos comerciais e estabelecendo padrões que moldaram a indústria nacional.Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Exército Brasileiro vivenciou um salto expressivo em sua capacidade de mobilização terrestre, resultado direto da chegada de caminhões militares norte-americanos fornecidos por meio da Lei de Empréstimos e Arrendamentos (Lend-Lease Act). Esse fluxo de material bélico, inserido no esforço aliado após a declaração de guerra do Brasil em 1942, representou um marco logístico sem precedentes, permitindo à Força Terrestre alcançar níveis de prontidão e flexibilidade até então inéditos. Entre 1942 e 1945, as Forças Armadas Brasileiras receberam mais de 5.000 caminhões militares, distribuídos entre as séries GMC CCKW, Corbitt, Diamond T e Studebaker US6G. Esses veículos tornaram-se o eixo da mobilidade do Exército, sustentando operações de transporte, suprimento e apoio logístico tanto no território nacional quanto na preparação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para seu emprego na Itália. Contudo, já ao final da década de 1950, essa frota outrora símbolo de modernidade passou a enfrentar sérios entraves operacionais. Dois fatores se destacavam: Desgaste natural: decorrente não apenas do uso intensivo durante o conflito, mas também da prorrogação de sua utilização por mais de uma década após o término da guerra. Escassez de peças de reposição: resultado da interrupção da produção desses modelos nos Estados Unidos, o que tornava cada vez mais difícil e onerosa a aquisição de componentes essenciais. Esse quadro provocou crescente apreensão no alto comando do Exército Brasileiro. A perda progressiva de disponibilidade desses caminhões comprometia a capacidade da Força Terrestre de cumprir suas atribuições constitucionais, impondo a necessidade de soluções urgentes e financeiramente sustentáveis para restabelecer a eficiência logística. A alternativa considerada ideal era a substituição integral da frota por caminhões modernos de tração 4x4 e 6x6 especialmente os modelos REO M-34 e REO M-35, que naquele momento representavam o padrão tecnológico dos exércitos ocidentais. No entanto, a aquisição de uma frota numericamente equivalente aos antigos veículos do Lend-Lease ultrapassava, de maneira expressiva, a capacidade orçamentária do Exército na metade do século XX, inviabilizando a renovação plena. Diante das restrições financeiras, formularam-se três soluções de caráter complementar: 1. Aquisição restrita de veículos modernos A compra limitada de caminhões REO M-34 e M-35, destinada a suprir as necessidades consideradas críticas — sobretudo missões estratégicas e atividades que exigiam alto grau de confiabilidade mecânica. 2. Repotencialização da frota existente Estudos foram conduzidos para avaliar a viabilidade de modernizar os caminhões GMC CCKW e Studebaker US6G, com o objetivo de ampliar sua vida útil mediante a introdução de sistemas atualizados ou substituição de componentes vitais. 3. Emprego de caminhões comerciais nacionalizados A incorporação de veículos produzidos no Brasil, adaptados para uso militar, destinando-os a funções secundárias, como transporte de cargas leves, apoio administrativo ou missões de curta distância.
Essas três diretrizes, aplicadas de forma combinada, tinham potencial para restaurar a capacidade logística da Força Terrestre de modo gradual, econômico e compatível com as possibilidades industriais do país naquele período de transição. No entanto, os estudos referentes à repotencialização dos caminhões do Lend-Lease foram, após detalhada avaliação técnica, considerados inviáveis. Os principais obstáculos identificados foram: Elevado custo de execução, sobretudo pela necessidade de importar peças já fora de linha ou desenvolver substitutos em território nacional; Insuficiente capacidade técnico-industrial do país, que ainda não possuía, na década de 1950, a expertise necessária para um programa de modernização em larga escala envolvendo reengenharia de veículos militares complexos. Diante dessas limitações, o Exército Brasileiro direcionou seus esforços para a combinação das demais alternativas, buscando conciliar modernização gradual, racionalidade logística e responsabilidade orçamentária num momento em que o parque industrial automotivo nacional ainda dava seus primeiros passos rumo à autonomia O cancelamento do programa de repotencialização dos caminhões GMC CCKW 352/353 e Studebaker US6G trouxe à tona a urgência de se encontrarem alternativas viáveis para restaurar a capacidade operacional da frota automotiva do Exército Brasileiro. Diante da impossibilidade técnica e financeira de modernizar os veículos herdados do esforço de guerra, consolidou-se a necessidade de uma solução pragmática, que combinasse eficiência, custo reduzido e aderência às condições estruturais do país. A adoção de caminhões comerciais militarizados foi identificada como uma abordagem viável, permitindo: Substituição em Missões Básicas: Utilização de veículos comerciais em tarefas de transporte básico, liberando os caminhões militares com tração 6x6 para operações táticas e estratégicas em ambientes fora de estrada. Otimização da Frota Existente: Concentração dos veículos militares remanescentes em melhor estado para missões críticas. Essa estratégia, já implementada desde a década de 1930 com caminhões comerciais de pequeno porte, beneficiava-se do baixo custo de aquisição e operação dos veículos produzidos localmente, alinhando-se às prioridades orçamentárias da Força Terrestre. Para suprir a crescente demanda por caminhões médios, o Ministério do Exército voltou-se para a Fábrica Nacional de Motores (FNM), símbolo do projeto de industrialização brasileiro. A empresa, criada durante o Estado Novo e posteriormente transferida ao setor automotivo, assumia papel central no objetivo governamental de reduzir a dependência tecnológica externa. Dois modelos foram selecionados: FNM D-9500: Caminhão médio com características adequadas para adaptação militar. FNM D-11000: Modelo destacado por sua robustez estrutural, capaz de atender, em teoria, aos parâmetros exigidos para o processo de militarização. A escolha dos caminhões FNM refletiu o compromisso do governo em fomentar a indústria nacional, aproveitando a capacidade produtiva local para suprir as necessidades do Exército Brasileiro.

Apesar do avanço na substituição dos caminhões médios, a frota de caminhões leves permanecia obsoleta, composta majoritariamente por modelos como: Opel Blitz II Comercial; Chevrolet 157 Gigante 1937; General Motors G7106, G7107 e G-617M, recebidos entre 1935 e 1942. Esses veículos desempenhavam um papel central na estrutura de transporte do Exército Brasileiro, mas seu desgaste e a dificuldade de manutenção exigiam um programa urgente de renovação. A substituição dessa frota representava uma oportunidade significativa para as montadoras nacionais, incentivadas pelo Governo Federal por meio do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), instituído em 1956. O GEIA foi criado para promover o desenvolvimento da indústria automotiva brasileira, oferecendo incentivos fiscais e financeiros às montadoras que investissem na produção local. Esse programa alinhava-se aos objetivos do Exército Brasileiro, pois: Estimulava a fabricação de veículos robustos e acessíveis, adequados à militarização; reduzia a dependência de importações, mitigando os problemas de fornecimento de peças observados com a frota legada da Segunda Guerra Mundial; Fortalecia a economia nacional, gerando empregos e capacidade industrial. A aquisição de caminhões FNM e a perspectiva de renovação da frota de caminhões leves foram, portanto, estratégias alinhadas aos objetivos do GEIA, promovendo a integração entre as necessidades militares e o desenvolvimento industrial. No cenário de intensificação da indústria automotiva nacional ao final da década de 1950, a General Motors do Brasil S.A. foi a primeira montadora a obter êxito significativo no mercado militar, por meio da celebração de contratos envolvendo versões militarizadas dos caminhões Chevrolet Brasil 6400 e 6500 posteriormente sucedidos pelo C-60. Logo em seguida, a Ford Brasil conquistaria seus primeiros contratos com as Forças Armadas, fornecendo ao Exército Brasileiro e à Força Aérea Brasileira unidades do Ford F-600, consolidando-se como outro importante fornecedor de viaturas militares de uso geral. Ciente desse ambiente competitivo e das oportunidades emergentes, a diretoria da Mercedes-Benz do Brasil S.A. intensificou esforços diplomáticos e comerciais junto ao Ministério do Exército. A montadora buscava demonstrar que seus caminhões ofereciam vantagens tecnológicas significativas, especialmente no que dizia respeito aos motores diesel, área em que a empresa detinha expertise consolidada desde os anos 1930. Esses motores proporcionavam consumo substancialmente menor e custos de manutenção reduzidos quando comparados aos modelos movidos a gasolina de seus concorrentes como o Ford F-600 e o Chevrolet C-60 empregados pelo Exército Brasileiro naquele período. Essa combinação de desempenho, robustez mecânica e eficiência operacional tornou-se peça-chave na argumentação da Mercedes-Benz. Como resultado, em maio de 1959, foi assinado o primeiro contrato entre a montadora e o Ministério do Exército, consolidando oficialmente a Mercedes-Benz como fornecedora de caminhões para a Força Terrestre. O acordo previa a aquisição inicial de 280 viaturas dos modelos MB LAPK-321 e MB LAPK-331, ambos equipados com tração 4x2 e reconhecidos por sua simplicidade construtiva e elevada confiabilidade. Pouco tempo depois, o Exército incorporaria também o LAPK-321, que se tornaria um marco histórico ao representar a primeira viatura de grande porte produzida no Brasil com tração 4x4.
Este modelo distinguia-se ainda por sua carroceria com capacidade de carga ampliada, atingindo cerca de 10 toneladas, o que o situava acima dos caminhões comerciais convencionais e o tornava especialmente adequado para operações militares. A adoção desses veículos tinha como objetivo fortalecer a logística terrestre, reduzindo a dependência de caminhões puramente militares 6x6 como os REO M-34, recebidos em 1958 que passaram a ser empregados prioritariamente em missões fora de estrada e em situações de exigência tática elevada. Assim, ao transferir parte das tarefas administrativas e de transporte leve para viaturas comercialmente baseadas, o Exército conseguia preservar sua frota especializada e otimizar recursos. Por se tratarem de caminhões comerciais apenas levemente adaptados ao serviço militar, o cronograma de entrega foi particularmente ágil. As primeiras unidades chegaram às organizações militares em maio de 1960, menos de um ano após a assinatura do contrato, contribuindo para aliviar rapidamente a carência logística da Força Terrestre. As versões militarizadas dos LAPK-321 e LAPK-331, embora visualmente próximas às versões civis, apresentavam modificações específicas para atender às demandas operacionais se destacando, para-choques reforçados, adequados às condições de campo; guinchos mecânicos dianteiro e traseiro para tração leve; grades de proteção para faróis e lanternas, resguardando os componentes contra impactos; ganchos de reboque para operações de resgate e movimentação de cargas e carroceria militar de aço, equipada com cobertura de lona e inspirada no padrão utilizado pelos caminhões GMC CCKW 352/353 e Studebaker US6G. Ao longo do início da década de 1960, a Mercedes-Benz do Brasil S.A. consolidou-se como um dos principais fornecedores de viaturas para o setor público brasileiro, ampliando significativamente sua presença entre órgãos civis e militares. A empresa passou a celebrar contratos não apenas para o fornecimento de caminhões de transporte convencional, mas também para veículos especializados, incluindo versões cisterna de água, bombeiro, basculante e, de maneira pioneira, uma variante policial destinada ao transporte de tropas de choque uma necessidade crescente no contexto de modernização das forças de segurança estaduais. O primeiro cliente dessa versão policial foi o Governo do Estado de São Paulo, que em 1962 firmou contrato para a aquisição de dez caminhões destinados ao transporte de seus Batalhões de Choque, empregados em operações de controle de distúrbios urbanos. O êxito operacional dessas viaturas levou rapidamente à celebração de novos contratos, incluindo unidades configuradas para o transporte de combustíveis. Em pouco tempo, outros estados brasileiros passaram a adotar modelos semelhantes, distribuindo-os entre suas polícias militares e corpos de bombeiros, ampliando a presença da Mercedes-Benz no setor de segurança pública. Paralelamente, o Exército Brasileiro, empregando inicialmente os caminhões Mercedes-Benz em tarefas secundárias como transporte administrativo de carga e de pessoal — constatou desempenho extremamente satisfatório. Destacavam-se a confiabilidade do conjunto mecânico, a rigidez estrutural do chassi e a facilidade de manutenção, características valorizadas em frotas de emprego contínuo. Embora grande parte dos MB LAPK-321 e derivados não dispusesse de tração 4x4, esses veículos demonstravam desempenho aceitável em terrenos leve a moderadamente acidentados quando exigidos ocasionalmente no ambiente fora de estrada. No entanto, seu uso frequente nessas condições provocava desgaste acelerado do trem de força, algo que se tornaria ponto de atenção para a Força Terrestre.

Os resultados positivos da primeira incorporação motivaram a formalização de um novo contrato em 1961, que ampliou substancialmente a variedade de versões encomendadas. Tratava-se de um pacote que atendia desde necessidades administrativas até funções especializadas, incluindo: com carrocerias, destinadas a funções específicas, como VTE Choque 48 4x2 EB-20 - EB-11, VTE Furgão Transporte de Animais 4X2 1964 EB-51 - EB-73, VTNE Carga Emprego Geral carroceria de madeira 7 Ton 6x2 1961 EB-51 - EB-72 ou CC Bat. de Eng. e Construção, VTNE Furgão Carga Emprego Geral 15 Ton 6x2 1960 EB-51 - EB-72 LAPK-321, VTNE Carga Emprego Geral 15 ton 4x2 1960 EB-51 - EB-72 e VTE Cozinha Móvel 3 ½ Ton 4x2. Logo em seguida novos contratos seriam firmados não só pelo Exército Brasileiro, mas também pela Força Aérea Brasileira e Marinha do Brasil, envolvendo os primeiros caminhões com tração 6X2, incluindo uma versão de veículo misto para transporte e de cargas pesadas. Entre as viaturas mais importantes desse novo ciclo destacava-se o VTNE Carga – Emprego Geral Comercial Munck 15 toneladas 4x2 (1960 EB-51– EB-72), equipado com um guindaste articulado tipo “Munck” com capacidade para elevar até quinze toneladas. Este modelo representou um marco na logística militar brasileira, sendo o primeiro caminhão nacional com guindaste articulado incorporado pelas Forças Armadas, ampliando significativamente a capacidade de carga, elevação e apoio às unidades de engenharia e manutenção. Os últimos veículos pertencentes a estes contratos de produção seriam entregues aos seus operadores militares em fins do ano de 1964. Todas as versões militarizadas destes caminhões MB LP-321 e LP-331 seriam entregues na configuração de chassis com 5,5 metros de comprimento, 1,80 metro de largura e 2,60 metros de altura, salvo exceções de modelos para específicos emprego. Apesar da família de caminhões médios ser oferecida ao mercado civil com diversas opções de motorização, em função de padronização todos os caminhões adquiridos pelas Forças Armadas Brasileiras estavam equipados com o motor nacional a diesel MB OM-321 com seis cilindros em linha capaz de desenvolver 110 cv a 2.800 rpm. A única exceção foram os poucos veículos pesados do modelo MB LP-331 S, com potência elevada para 180 cv, tornando-o o mais potente caminhão brasileiro em uso no Exército Brasileiro naquele período. Até o final de década de 1970 os Mercedes Benz LP-321 e LP-331 prestaram excelentes serviços as Forças Armadas Brasileiras, a partir do início da década de seguinte, esta grande frota começaria a ser gradualmente substituída por outros caminhões militares nacionais mais modernos, entre ele os novos MB L-1111 e L-1113. Caminhões estes que passariam a ser dotados exclusivamente de tração nas quatro rodas, passando também a operar no ambiente fora da estrada em terrenos irregulares, com melhor desempenho e sem o mesmo desgaste apresentado por seus antecessores. Apesar de suas limitações, como a ausência de tração integral e um projeto civil já obsoleto, esses veículos atenderam às demandas operativas com eficiência, apoiando missões de treinamento, logística e assistência à sociedade. Sua incorporação marcou o início de uma longa parceria com a Mercedes-Benz do Brasil, pavimentando o caminho para a adoção de modelos mais avançados que fortaleceram a capacidade logística do EB. O legado dos LP-321 e LP-331 permanece como um símbolo da resiliência e da capacidade de adaptação do Exército Brasileiro em sua missão de servir ao país.
Em Escala.
Para representarmos o Mercedes Benz LAPK-331 VTNE "Carga Emprego Geral Comercial Munck 15 toneladas" 4x2 com o registro EB51-128, fizemos uso do modelo em die cast produzido pela Axio para a Editora Altaya, na escala 1/43. Para compormos o veículo empregado pelo Exército Brasileiro, desmontamos todo o veículo retirando o baú de carga, substituindo por uma carroceria confeccionada em scratch, como o sistema de guincho tipo Munk. Já na parte frontal do veículo aumentamos a distância entre o para choque e a cabine para a inclusão das grades proteção de lentes para os faróis e gancho mecânico de reboque. Fizemos a aplicação de decais confeccionados pela decais Eletric Products pertencentes ao set "Exército Brasileiro 1942/1982".
OO esquema de cores (FS) descrito neste relatório representa o padrão tático militar adotado pelo Exército Brasileiro para todos os seus veículos militares desde a Segunda Guerra Mundial até o final de 1982. A partir de 1983, os veículos militares remanescentes do Exército Brasileiro passaram a adotar um novo esquema de camuflagem técnica de dois tons. Os veículos utilizados pela Marinha do Brasil não seguiam o padrão tático do Exército Brasileiro, adotando esquemas de pintura distintos, adaptados às suas missões específicas e aos ambientes operacionais em que atuavam. Essas variações garantiam a adequação dos veículos às necessidades de cada ramo, como maior visibilidade em operações aéreas ou resistência a condições marítimas. Para a aplicação dos esquemas de pintura, foram empregadas tintas e vernizes de alta qualidade produzidos pela Tom Colors.
Bibliografia :
- Caminhões Brasileiros de Outros Tempos – MB LP-321/331 , Editora Altaya
- História da Mercedes Benz do Brasil -https://www.forummercedes.com.br/
- Veículos Militares Brasileiros – Roberto Pereira de Andrade e José S Fernandes
- Manual Técnico – Exército Brasileiro 1976





