Krupp Flak 88 mm C/56 Modelo 18

Historia e Desenvolvimento.
O emprego de armas antiaéreas durante a Primeira Guerra Mundial caracterizou-se, em grande medida, por adaptações improvisadas de canhões de médio calibre, alterados para permitir maiores ângulos de elevação. Embora esses sistemas tenham demonstrado alguma eficácia contra as aeronaves relativamente lentas e estruturalmente frágeis do período, o avanço acelerado da tecnologia aeronáutica no pós-guerra modificou profundamente o ambiente estratégico. A introdução de aviões mais rápidos, capazes de operar em altitudes significativamente superiores, expôs as limitações das defesas antiaéreas existentes, que careciam tanto de cadência de tiro quanto de alcance para lidar com as novas ameaças aéreas. Essa mudança de paradigma evidenciou a necessidade de desenvolver uma nova geração de armas antiaéreas, adequadas às exigências dos conflitos futuros. As potências vitoriosas da Primeira Guerra Mundial iniciaram, ainda na década de 1920, programas de modernização voltados à criação de sistemas mais eficientes, impulsionando avanços importantes no campo da defesa antiaérea. Na Alemanha, contudo, o processo de rearmamento enfrentava severos entraves impostos pelo Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919. O acordo restringia rigidamente a produção de armamentos, especialmente aqueles de caráter ofensivo ou com potencial de emprego estratégico. Apesar dessas limitações, a República de Weimar buscou, de forma discretamente planejada, alternativas para renovar suas capacidades militares. Nesse contexto, a tradicional indústria alemã de armamentos encontrou meios indiretos para dar continuidade ao desenvolvimento tecnológico. Foi justamente nesse cenário que surgiu a cooperação entre a Friedrich Krupp AG  fundada em 1811 e uma das mais importantes fabricantes de material bélico da Europa e a empresa sueca AB Bofors, fundada em 1646 e então detentora de participação acionária majoritária na Krupp. A parceria permitiu à indústria alemã contornar as restrições impostas pelas potências aliadas, ao mesmo tempo em que proporcionava à Bofors acesso a conhecimento técnico avançado e aos mercados potenciais. O projeto conjunto, iniciado em 1926, tinha como objetivo o desenvolvimento de um canhão antiaéreo moderno, projetado desde sua concepção para atender às novas demandas do campo de batalha. Entre os requisitos fundamentais encontravam-se: elevada cadência de tiro, velocidade inicial elevada para os projéteis, capacidade de engajar alvos em grandes altitudes e, como diferencial estratégico, a possibilidade de empregar a arma também em funções anticarro. Essa dualidade operacional permitiria racionalizar custos logísticos, padronizar munições e ampliar a versatilidade do sistema. Diferentemente de muitas armas da época, que derivavam de modelos pré-existentes, o novo canhão foi desenvolvido integralmente a partir de um projeto original. Essa abordagem permitiu incorporar soluções inovadoras, rompendo com os conceitos tradicionais da artilharia antiaérea do período. O resultado da cooperação entre a Krupp e a Bofors foi um sistema robusto, confiável e tecnologicamente avançado, que estabeleceria novos parâmetros para a defesa antiaérea global e influenciaria o desenvolvimento de armamentos nas décadas seguintes. 

Assim, o programa simboliza não apenas o engenho técnico-industrial de suas idealizadoras, mas também a determinação das nações europeias em adaptar-se ao acelerado ritmo de transformação militar do início do século XX, mesmo diante de profundas restrições políticas e diplomáticas. Durante as fases iniciais de produção do novo canhão antiaéreo desenvolvido conjuntamente pela Friedrich Krupp AG e pela AB Bofors, os protótipos foram inicialmente projetados no calibre de 75 mm. Entretanto, avaliações técnicas realizadas pelos militares alemães indicaram a necessidade de uma arma mais potente e com maior potencial de emprego dual  antiaéreo e anticarro. Atendendo a essas demandas, o projeto foi substancialmente redesenhado, culminando na adoção do calibre de 88 mm. Surgia, assim, o Flak 18 (Flugzeugabwehrkanone 18), que posteriormente se tornaria um dos mais emblemáticos e influentes sistemas de artilharia da história militar. Em abril de 1928, o primeiro protótipo do Flak 18 foi concluído. Ele apresentava um cano monobloco com 56 calibres de comprimento, sendo oficialmente classificado como Modelo 18 L/56. Apenas um mês depois, em maio de 1928, as primeiras unidades começaram a ser introduzidas no Reichswehr, ainda sob a vigilância das restrições impostas pelo Tratado de Versalhes  fato que exigia extrema discrição das autoridades alemãs quanto ao rearmamento em curso. Do ponto de vista técnico, o Flak 18 apresentava soluções de engenharia avançadas para a época. Era montado sobre uma base cruciforme fixa, permitindo rotação integral de 360º e um amplo arco de elevação, variando de -3º a +85º. Essa arquitetura conferia ao sistema uma versatilidade excepcional, viabilizando o engajamento tanto de alvos aéreos quanto terrestres. Em situações específicas, o canhão poderia inclusive ser acionado diretamente sobre o próprio reboque rodoviário, embora com redução perceptível de precisão. Um dos aspectos mais inovadores do Flak 18 residia em seu mecanismo de carregamento semiautomático. Após cada disparo, o estojo vazio era automaticamente ejetado, cabendo ao municiador apenas posicionar o próximo projétil na bandeja de alimentação. Esse processo eficiente permitia que a arma atingisse uma cadência de tiro de 10 a 20 disparos por minuto  desempenho superior ao da maioria dos sistemas antiaéreos contemporâneos. A capacidade de empregar diferentes tipos de munição ampliava ainda mais sua relevância operacional. Entre os projéteis disponíveis encontravam-se cargas altamente explosivas de 10,4 kg, adequadas para alvos aéreos e tropas, e munições perfurantes de 9,2 kg, capazes de penetrar a blindagem de qualquer veículo militar existente no final da década de 1920. Com uma velocidade inicial de aproximadamente 820 metros por segundo, esses disparos conferiam ao Flak 18 notável poder de impacto e letalidade. O desenvolvimento e a adoção do Flak 18 ocorreram em meio a um ambiente político tenso e marcado pelas severas limitações impostas à Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, esse quadro modificou-se radicalmente a partir de 1933. O incêndio do Reichstag, em fevereiro daquele ano, foi instrumentalizado pelo chanceler Adolf Hitler como justificativa para ampliar o controle do Partido Nazista sobre o Estado. 
Em 1934, após a morte do presidente Paul von Hindenburg, Hitler consolidou sua autoridade absoluta, dando início a um ambicioso programa de rearmamento que impulsionaria a rápida expansão e modernização das forças armadas alemãs  contexto no qual o Flak 18 desempenhou papel central. A Guerra Civil Espanhola, deflagrada em julho de 1936 após a insurreição militar contra a Segunda República, rapidamente assumiu contornos de um confronto ideológico internacional. De um lado, os republicanos, apoiados pela União Soviética e por brigadas internacionais de voluntários; de outro, os nacionalistas liderados por Francisco Franco, que receberam expressivo suporte material e militar da Alemanha nazista e da Itália fascista. Para Adolf Hitler, o conflito representou uma oportunidade estratégica singular. Além de conter o avanço do comunismo na Europa Ocidental, a Espanha oferecia um ambiente real de experimentação para as táticas de guerra relâmpago (Blitzkrieg) e para a avaliação de novos sistemas de armas, ainda em desenvolvimento no processo de rearmamento clandestino da Alemanha. Assim, em 1936, formou-se a Legião Condor, organização expedicionária enviada pela Luftwaffe e pelo Exército alemão, sob o comando do general Hugo Sperrle. A Legião Condor, que ao longo do conflito contabilizou entre 5.000 e 10.000 integrantes, era composta por pilotos, observadores, artilheiros, mecânicos, comunicações e pessoal logístico representando, portanto, um microcosmo da força militar alemã em reconstrução. Seu arsenal incluía aeronaves como o Heinkel He 51, o Junkers Ju 87 Stuka e o Messerschmitt Bf 109, tanques Panzer I e baterias antiaéreas equipadas com o recém-desenvolvido Flak 18 de 88 mm. A unidade funcionava como um laboratório operacional, no qual se avaliava a integração entre aviação, artilharia e forças mecanizadas. O emprego do Flak 18 em combate real revelou rapidamente suas qualidades. Contra as aeronaves republicanas, demonstrou-se o sistema antiaéreo mais eficaz disponível na época. Além disso, sua alta velocidade inicial e precisão permitiram utilizá-lo como arma antiveicular e antibunker de longo alcance, antecipando doutrinas que só seriam amplamente desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a experiência espanhola também expôs pontos de melhoria  problemas técnicos de menor amplitude, mas suficientes para orientar ajustes de projeto e aperfeiçoar o sistema. As lições oriundas desse conflito culminaram na evolução do modelo e no desenvolvimento do Flak 36, introduzido em 1939. O novo modelo incorporava alterações diretamente derivadas da prática operacional. O cano, originalmente monobloco no Flak 18, passou a ser dividido em duas seções, facilitando substituições e acelerando o processo de manutenção em campo. A base cruciforme recebeu reforços estruturais e novos conjuntos de rodas com pneus duplos, que aumentavam a estabilidade durante o transporte e permitiam manobras mais rápidas em terreno irregular. Entre os avanços mais notáveis, o Flak 36 podia ser colocado em posição de tiro diretamente a partir de sua plataforma de transporte, bastando desacoplá-lo do trator Sd.Kfz. 7  procedimento que exigia cerca de dois minutos e meio. 

Essa capacidade se alinhava perfeitamente aos princípios da Blitzkrieg, nos quais velocidade e capacidade de resposta eram fundamentais. A proteção da guarnição também foi aperfeiçoada mediante a inclusão de um escudo blindado frontal. Embora oferecesse proteção limitada, o escudo mitigava os riscos provenientes de estilhaços e projéteis de armas leves, podendo inclusive ser instalado em versões anteriores do Flak 18. Este componente tornou-se uma das características visuais mais distintivas do Flak 36 e representou, para os artilheiros, um reconhecimento às demandas de segurança em um campo de batalha cada vez mais letal. A evolução natural do programa iniciado com o Flak 18 e aperfeiçoado no Flak 36 resultaria, pouco depois, no desenvolvimento do Flak 37, modelo concebido para otimizar o comando e controle das baterias antiaéreas alemãs. Introduzido no final da década de 1930, o Flak 37 incorporava um sistema significativamente mais avançado de indicadores de tiro, plenamente integrados a um controlador central de direção de fogo. Essa inovação permitia que baterias de quatro canhões operassem com precisão coordenada, elevando a eficácia contra aeronaves de alta velocidade uma exigência cada vez maior à medida que as forças aéreas mundiais avançavam tecnologicamente. Embora o novo sistema exigisse um treinamento mais rigoroso das guarnições, os resultados operacionais justificavam o esforço: o Flak 37 alcançou níveis de precisão e consistência inéditos na defesa antiaérea da época. Além disso, o projeto manteve interoperabilidade logística com seus predecessores Flak 18 e Flak 36  permitindo que componentes críticos e peças de reposição fossem compartilhados entre as versões. Essa padronização foi vital para sustentar a capacidade de combate alemã em campanhas prolongadas. Em 1939, diante do crescente emprego de bombardeiros de alta altitude pelas potências rivais, o comando da Luftwaffe solicitou o desenvolvimento de um sistema antiaéreo ainda mais potente. Neste momento, a produção dos canhões de 88 mm havia passado para a indústria Rheinmetall AG, que rapidamente iniciou o projeto de uma versão mais avançada. O resultado foi o Flak 41, cujo protótipo ficou pronto em março de 1941. Essa nova arma possuía cano e cartucho de maior comprimento, permitindo disparar projéteis de 9,4 kg a 1.000 m/s, alcançando tetos efetivos de 11.300 metros e máximos de 14.700 metros desempenho significativamente superior aos modelos anteriores e projetado especificamente para enfrentar bombardeiros pesados operando em altitudes extremas. Paralelamente, as lições extraídas da Guerra Civil Espanhola (1936–1939) reforçaram a versatilidade do canhão de 88 mm. Naquele conflito, sob a égide da Legião Condor, o Flak 18 demonstrou-se não apenas a arma antiaérea mais eficiente disponível, mas também uma formidável plataforma antitanque e de artilharia de longo alcance, superando expectativas e ampliando seu papel tático. Essa capacidade seria novamente comprovada de forma contundente durante a Campanha da França, em 1940. Os canhões de 88 mm revelaram-se devastadores contra carros de combate bem blindados como o Char B1 Bis francês e o Matilda II britânico, veículos que a maioria das armas anticarro do período era incapaz de penetrar.
Diante desse desempenho, o Exército Alemão (Wehrmacht) introduziu versões do Flak 18 montadas em veículos semilagarta pesados Sd.Kfz. 8, designados como “Bunkerknacker” (“quebra-bunkers”). A munição perfurante do 88 mm, capaz de penetrar mais de 84 mm de blindagem a 2 km, tornava o sistema uma das mais temidas armas anticarro dos primeiros anos do conflito  e ainda eficaz contra muitos veículos pesados produzidos até entao. Na Campanha do Norte da África, o Afrika Korps, sob o comando do general Erwin Rommel, explorou com maestria o potencial do Flak 88 mm. Em diversas ocasiões, unidades de Panzer simulavam retirada para atrair os carros de combate do Oitavo Exército Britânico para zonas de emboscada previamente preparadas, onde baterias de 88 mm estavam camufladas e prontas para disparar. Essas táticas resultaram na destruição de mais de 250 tanques britânicos, consolidando a reputação do canhão de 88 mm como uma das armas mais eficazes de toda a guerra. Seu desempenho na batalha do Halfaya Pass, lhe renderia o apelido de "Hellfire Pass" (Passe do Fogo do Inferno), criando assim um mito, que passaria a ser muito temido por seus adversários. Já durante a operação  Barbarossa, seriam largamente usados obtendo grande êxito na primeira fase da campanha. No entanto a introdução dos novos carros de combate T-34 e KV trariam os primeiros revezes em combate contra a blindagem dos tanques soviéticos, sendo eficientes contra estes somente a uma distância de 200 metros.  Os canhões Flak 88 teriam destacada participação no esforço de defesa antiaérea do Reich, com suas baterias estrategicamente posicionadas fazendo uso do sistema Kommandogerät, um computador de artilharia analógico.  Este permitia disparos extremamente precisos, levando em conta a distância entre as armas umas das outras e da tripulação de mira, anulando o deslocamento e apontando todas as armas no mesmo ponto. Isso permitiu que várias armas fossem apontadas precisamente para o mesmo alvo por uma única tripulação de comando de cinco homens, em vez de exigir tripulações treinadas em cada arma. Sistemas de mira por radar também foram desenvolvidos para complementar esses sistemas.  O intensificar da campanha de bombardeio estratégico aliado levaria a priorização da produção de armas antiaéreas comprometendo quase 45% do orçamento de defesa alemão, estando em serviço em agosto de 1994, mais de dez mil canhoes Flak 88 mm  a defesa antiaérea internamente no país.  Além das forças armadas alemães os canhões Flak 88 seriam adquiridos  pela Itália, Espanha, Grécia, China Nacionalista, Brasil e Finlândia. Centenas de peças de artilharia desta família seria capturadas e empregadas pelas Forças Francesas Livres, Grécia, Iugoslávia e temporariamente pelo Exército dos Estados Unidos (US Army) pelos 79º e 244º Batalhões de Artilharia de Campanha, durante o auge de escassez de munição. O Flak 88mm ainda participaria das fases iniciais da Guerra do Vietna, sendo fornecidos pelos soviéticos as forças vietcongs.  Registra-se que as últimas unidades destas armas foram retiradas do serviço militar ativo somente no ano de 1977. Entre 1933 e 1945 seriam produzidos 26.616  canhões Flak 88 mm dispostos em sete versões. 

Emprego no Exército Brasileiro.
No início do século XX, o Exército Brasileiro embarcou em um ambicioso projeto de modernização com a Reforma Hermes, iniciada em 1905, que marcou um divisor de águas na história militar do país. Esse programa, liderado por visionários como o Marechal Hermes da Fonseca, buscava alinhar a Força Terrestre aos melhores exércitos europeus, introduzindo armamentos modernos e reestruturando suas unidades. Contudo, o rápido avanço tecnológico pós-Primeira Guerra Mundial e a obsolescência dos equipamentos na década de 1930 colocaram o Brasil em uma posição vulnerável.  Lançada em 1905, a Reforma Hermes representou um marco na modernização do Exército Brasileiro. Com um investimento significativo, o programa trouxe grandes quantidades de armamentos modernos, incluindo canhões de campanha fabricados por empresas europeias como a francesa Schneider e a alemã Krupp. Esses equipamentos, que incluíam obuses e peças de artilharia de 75 mm e 105 mm, elevaram o Brasil a um patamar operacional comparável ao de potências europeias, como França e Alemanha. Para os artilheiros brasileiros, operar esses canhões era motivo de orgulho, exigindo treinamento rigoroso nos campos de prática do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.  Cada disparo, ecoando nos terrenos de treinamento, simbolizava a ambição de construir uma Força Terrestre robusta e respeitada. No entanto, o brilho desse avanço durou pouco. O término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) acelerou o desenvolvimento tecnológico global, com novos tanques, aeronaves e peças de artilharia que rapidamente tornaram os equipamentos brasileiros obsoletos. Na década de 1930, o Exército Brasileiro enfrentava uma realidade preocupante: sua artilharia, outrora moderna, não acompanhava o ritmo das inovações. Relatórios confidenciais do Estado-Maior das Forças Armadas, elaborados com meticulosa análise, revelavam que vizinhos sul-americanos, como Argentina e Chile, possuíam arsenais mais avançados, tanto em quantidade quanto em qualidade, abrangendo forças aéreas, terrestres e navais. Em um cenário hipotético de conflito, o Brasil poderia resistir por apenas 30 dias antes de perder o controle de regiões estratégicas, como o Rio Grande do Sul, uma ameaça que pesava sobre os ombros dos militares brasileiros. Na segunda metade da década de 1930, o mundo vivia um clima de crescente tensão, com conflitos regionais, como a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), destacando a importância de armamentos modernos, como o canhão Flak 18 alemão. No Brasil, a obsolescência da artilharia era uma das principais fraquezas, com canhões antigos, de baixa cadência de tiro e manutenção complexa, incapazes de competir com os equipamentos de seus vizinhos. Essa vulnerabilidade exigia uma resposta urgente, e os oficiais do Exército, cientes do dever de proteger a nação, mobilizaram-se para reverter o quadro. Em abril de 1936, o General Eurico Gaspar Dutra, então Ministro da Guerra, tomou uma decisão ousada: criou uma comissão de compras sediada na Europa, encarregada de identificar e adquirir equipamentos modernos para reequipar as Forças Armadas. Essa equipe, composta por oficiais experientes e engenheiros, enfrentou a complexa tarefa de avaliar fornecedores internacionais, como as empresas Schneider et Compagnie (França), Societa Giovanni Ansaldo & Compagnia (Itália), Friedrich Krupp AG e Rheinmetall AG (Alemanha). 

Um edital detalhado foi elaborado, solicitando cotações, condições de pagamento e opções de financiamento, com foco em canhões de artilharia de campanha que atendessem às necessidades táticas do Brasil. Para viabilizar essas aquisições, o governo brasileiro alocou uma verba de 1,5 milhão de contos de réis, a ser desembolsada ao longo de dez anos, utilizando reservas financeiras estratégicas. As transações seriam realizadas em libra esterlina, a moeda de referência da época, garantindo acesso aos mercados internacionais. Um marco significativo foi a assinatura de um acordo comercial com a Alemanha, cuja indústria bélica, liderada por empresas como Krupp e Rheinmetall, despontava com tecnologia de ponta. Esse acordo permitia compras em marcos alemães de compensação, utilizando exportações brasileiras de produtos agrícolas, como café e algodão, para equilibrar a balança comercial. Para os negociadores brasileiros, cada contrato assinado era um passo rumo à autossuficiência militar, uma vitória silenciosa em um mundo à beira do conflito. Os canhões visados incluíam modelos de 75 mm e 105 mm, como os produzidos pela Krupp, que ofereciam maior alcance e precisão em comparação com os equipamentos obsoletos do Exército. A escolha de fornecedores alemães, que também produziam o Flak 18 testado na Guerra Civil Espanhola, refletia a confiança na qualidade e inovação da indústria germânica. Para os soldados que aguardavam a chegada desses armamentos, a expectativa era palpável: cada novo canhão prometia restaurar a capacidade de defesa do Brasil, especialmente no Sul, onde a proximidade com Argentina e Chile exigia prontidão. Dessa forma, em 19 de março de 1937, seria celebrado um contrato envolvendo a aquisição cem canhões de 75 mm C/26 e acessórios da Fried Krupp AG, para equipar as unidades de cavalaria que guarneciam as fronteiras do Sul e Oeste do Brasil. Eram peças de tração animal, pois existiam poucas estradas de rodagem, sendo o uso de veículos automotores predominante nos centros urbanos. O material militar seria recebido entre agosto de 1938 e fevereiro de 1939, com distribuição prevista para operação em vinte e cinco baterias de artilharia. Excetuando uma bateria que seria destinada à Escola Militar do Realengo na cidade do Rio de Janeiro, a fim realizar a instrução básica e elaboração de manuais de operação e manutenção. O restante seria distribuído em três divisões de cavalaria no Estado do Rio Grande do Sul e uma no Estado do Mato Grosso. Este primeiro movimento garantiria a retomada da capacidade mínima da artilharia de campanha do Exército Brasileiro, porém ainda havia necessidades a ser preenchidas principalmente no que tange a estruturação de um sistema básico de defesa antiaérea.  Em atendimento a estas demandas, em 25 de março de 1938, seriam assinados diversos contratos com a empresas alemães como a Daimler Benz, Kraus Maffei, Fried Krupp AG. AG Matra Werke, Bussing-NAG, Henschel & Sohn, Car Zeiss e Eletroacoustic GmBh, resultando na compra de uma quantidade substancial de material militar. O fornecedor principal nesta fase, novamente, seria a Fried Krupp AG, se destacando pelo volume de negócios celebrados com esta, assim por este motivo este acordo passaria a ser conhecido como “ O Grande Contrato Krupp¨.
Nestes termos seriam adquiridos nada menos do que 1.180 peças, desde canhões de campanha de 75 mm, a até obuseiros de 150 mm, uma substancial quantidade de munição e acessórios, incluindo 644 veículos automotores, 50 reboques-oficina, equipamentos para direção de tiro e de localização de som.  O pacote global totalizaria um investimento de  8.281.383 milhões  de libras esterlinas, com um depósito inicial de 15% nesta moeda, e o restante em até 25 parcelas, em marcos de compensação (aliás, dependendo do material, a quitação deveria ser feita entre 8  e 15 parcelas).  Assim, o “Grande Contrato Krupp” previa a aquisição de material dedicado a defesa área, como equipamentos de comando e direção de tiro (Preditores) WIKOG 9SH, fabricados pela Carl Zeiss e destinados às baterias antiaéreas de 88 mm; equipamentos de localização de som ELASCOPORTHOGNOM, fabricados pela Electroacoustic GmbH, para as baterias antiaéreas, e que era utilizado previamente à adoção de radares móveis, visando direcionar a artilharia contra aviões inimigos, orientando pelo som.  O contrato contemplava também os desenhos, o ferramental e os direitos de produção de todos os componentes das munições empregadas pelas peças adquiridas, buscando tornar o país autossuficiente nisso, exceção feita à espoleta mecânica de duplo efeito, não cedida . Em setembro de 1939 a Alemanha invadiu a Polônia, iniciando a Segunda Guerra Mundial. Imediatamente, em apoio aos poloneses, a França e a Inglaterra declararam guerra contra a Alemanha. Embora o Brasil fosse neutro, suas encomendas foram prejudicadas pelo bloqueio naval imposto pela Royal Navy, impedindo que embarcações estrangeiras chegassem a portos alemães. A solução encontrada foi despachar o material a partir de Gênova, na Itália. A primeira remessa, composta de quatro canhões antiaéreos 88 mm junto com munição, foi embarcada num navio mercante de bandeira brasileira. Depois disso, e para evitar que o material completo fosse apreendido pelo bloqueio naval inglês, as remessas foram enviadas em partes, ou seja, os tubos dos canhões foram remetidos em um navio, e os reparos em outro, e em datas distintas. Com a ocupação alemã da França e a adesão da Itália ao Eixo, o bloqueio inglês se expandiu e alcançou o Mar Mediterrâneo. A comissão brasileira que recebia o material produzido em Essen, passou utilizar como local de embarque a cidade de Lisboa, em Portugal, país que permaneceu neutro até o final das hostilidades. m novembro de 1940, o mercante “Siqueira Campos” carregado de parte da encomenda, foi apresado por navios ingleses e escoltado até Gibraltar. O fato, conhecido como “Incidente do Siqueira Campos”, gerou forte reação antibritânica nos oficiais brasileiros, e o general Dutra e o chefe do Estado-Maior do Exército, general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, solicitaram aos Estados Unidos que intercedessem na questão. O governo de Washington estava preocupado com a defesa do continente e buscava soluções para prover os países latinos com armamento, ao mesmo tempo em que enfrentava dificuldades para atender à sua própria demanda e ajudar aos que já combatiam o Eixo. Intervir a favor do Brasil iria resolver parcialmente, inclusive, a necessidade de armamento, para a defesa da costa nordestina contra uma eventual invasão alemã.  

Diante de um pedido pessoal do chefe do Estado-Maior do Departamento de Guerra dos Estados Unidos, o general George Marshall, os britânicos permitiram que a carga fosse embarcada em um mercante norte-americano, levada até Nova York e transferida para um navio brasileiro. O mesmo procedimento se deu no segundo semestre de 1941, com outra carga já a bordo do navio brasileiro “Bagé”.  Essas foram as últimas remessas que chegaram ao País, referentes ao “Grande Contrato Krupp”. Parte dos materiais, já aprovada e recebida pela comissão brasileira, estocadas em depósitos da Alemanha, França e Portugal aguardando um meio diplomático para ser remetida ao Brasil, acabaria sendo requisitada pelo Exército Alemão (Wehrmacht).Caso o Brasil tivesse recebido a totalidade da encomenda, teria se transformado, na ocasião, na nação latino-americana mais equipada em termos de artilharia. Especificamente em termos a estruturada de defesa antiaérea, seriam recebidos somente 28 peças do Flak 88 mm C/56 Modelo 18, 06 preditores Carl Zeiss WIKOG 9SH e 18 aparelhos de localização pelo som Electroacoustic GmbH ELASCOPORTHOGNOM. Embora a quantidade do material recebido fosse muito menor do que a encomendada, ainda foi possível organizar três regimentos: o 1º Grupo do 1º Regimento de Artilharia Antiaérea (1/1º RAAAé) no Rio de Janeiro - RJ, seria a primeira unidade a receber o material, em 04 de fevereiro de 1941, quando chegaram 12 peças para equipar três baterias, dois aparelhos de escuta ELASCOPORTHOGNOM, e uma bateria de projetor antiaéreo 60’’ SPERRY M-1939. Em outubro do mesmo ano, a unidade realizou o primeiro exercício de tiro real, utilizando alvos rebocáveis, bem como todos os equipamentos que equipavam as baterias, tais como telêmetros, preditores WIKOG 9SH, aparelhos para localização pelo som, projetores, dois tratores Sd.Kfz. 7. Durante 1943, o regimento foi reforçado por uma bateria de canhões automáticos antiaéreos de 37mm M-2A2, de origem norte-americana, 1º Grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/2ºRAAAé) sediado na cidade de Osasco – SP, seria equipada com duas baterias de quatro 88 mm cada, e todos os equipamentos auxiliares, como dois tratores Sd.Kfz. 7 e por fim o 1°Grupo do 3° Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3° RAAAé) sediando na cidade de Natal – RN, que receberia recebeu os oito 88mm restantes, perfazendo duas baterias e equipamentos acessórios e um trator meia-lagarta Sd.Kfz. 7. Sua missão era proteger a área de Natal (RN), tanto contra ataques aéreos à Base Aérea de Parnamirim, como para defesa do litoral. Assim, uma bateria seria estacionada ao largo daquela base aérea, apoiada por uma bateria de projetores SPERRY M-1939, e a outra foi para a região de Ponta de Santa Rita (Genipabu). Esta bateria seria acionada para um ataque real, no dia 18 de dezembro de 1942, as 7:00 horas da manhã, quando disparos foram efetuados contra a vela de um submarino não identificado, detectado a 2.600 metros da costa, não havendo registros oficiais sobre possíveis impactos. 
A partir de 1942, o Brasil, alinhado aos Aliados após sua entrada na Segunda Guerra Mundial, recebeu uma quantidade significativa de material militar por meio do Lend-Lease Act. Entre os equipamentos estavam centenas de canhões antiaéreos modernos, incluindo os M-2A2 de 37 mm, M-3 de 76 mm e M-1A3 de 90 mm, que fortaleceram a capacidade de defesa contra ameaças aéreas. Esses canhões, equipados com sistemas de mira avançados e alta cadência de tiro, representavam o ápice da tecnologia militar norte-americana, projetada para enfrentar os desafios de um conflito global. Para os artilheiros brasileiros, operar essas armas era uma tarefa de grande responsabilidade, exigindo treinamento intensivo em bases como a Vila Militar no Rio de Janeiro e adaptação a tecnologias mais sofisticadas do que os equipamentos até então em uso. No entanto, os canhões alemães Krupp Flak 88 mm C-56 Modelo 18, adquiridos em 1936 sob a liderança do General Eurico Gaspar Dutra, continuaram plenamente operacionais durante toda a Segunda Guerra Mundial. Inspirados no sucesso do Flak 18 na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), esses canhões de 88 mm destacavam-se por sua versatilidade, precisão e potência, capazes de atingir alvos aéreos a até 14.860 metros e de atuar como armas antitanque e antibunker. Para as tripulações do 1º Regimento de Artilharia Antiaérea (1/1º RAAAé), sediado no Rio de Janeiro, o Flak 88 era um orgulho nacional, operado com perícia em exercícios que simulavam a defesa de cidades estratégicas contra ataques aéreos. Os Flak 88 mm C-56 Modelo 18 foram empregados em diversas unidades, incluindo o 1/1º RAAAé, o 1º Grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/2º RAAAé) no arquipélago de Fernando de Noronha, e o 1º Grupo do 3º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3º RAAAé). Em Fernando de Noronha, os canhões protegiam uma posição estratégica no Atlântico, enfrentando o desafio de operar em um ambiente isolado, onde a manutenção dependia da engenhosidade dos mecânicos. Cada disparo, realizado em exercícios sob o sol tropical, reforçava o senso de dever dos artilheiros, que viam no Flak 88 um símbolo de resistência frente às ameaças da guerra. A substituição dos Flak 88 começou em novembro de 1954, quando o 1/1º RAAAé, redesignado como 1º Grupo de Canhões 90 Antiaéreos (1º G Can 90 AAé), adotou os canhões M-1 (M-117) de 90 mm norte-americanos. Esses equipamentos, com sistemas de controle de tiro mais avançados, como preditores automáticos, ofereciam maior precisão contra aeronaves modernas. Em 1955, o I/2º RAAAé, transferido de Fernando de Noronha para Osasco (SP) e renomeado como 2º Grupo de Artilharia Antiaérea (2º GAAAé) “José Bonifácio e Fernando de Noronha”, com sede em Praia Grande (SP), também substituiu seus Flak 88 pelos M1. O último grupo a desativar os canhões alemães foi o I/3º RAAAé, em 1956, marcando o fim de uma era. A retirada do Flak 88 não se deu por deficiências operacionais, mas pela crescente escassez de munição de 88 mm, cuja produção havia sido descontinuada após a guerra. Em muitos aspectos, o Flak 88 superava seus equivalentes norte-americanos, especialmente em potência e versatilidade, uma qualidade que os artilheiros brasileiros admiravam. 

Em Escala.
Para recriar o Flak 88 mm C-56 Modelo 18 na escala 1:35 pertencente ao 1º Regimento de Artilharia Antiaérea (1/1º RAAAé), foi utilizado o kit da AFV Club, amplamente reconhecido por sua excepcional qualidade e detalhamento. Composto por peças em plástico, metal, borracha e componentes photo-etched (fotogravados), o modelo reproduz com precisão elementos como a base cruciforme, os pneus duplos e o cano de peça única, característicos da versão usada pelo Exército Brasileiro. Diferentemente das versões Flak 36 e 37, que incluíam um escudo blindado, o Flak 18 brasileiro não possuía essa proteção, exigindo que os modelistas descartem essa peça do kit para garantir autenticidade histórica.    
O esquema de cores aplicado aos canhões Flak 88 mm C-56 Modelo 18 e outras peças de artilharia alemã no Brasil foi provavelmente inspirado no padrão da Wehrmacht no final da década de 1930, adaptado às necessidades operacionais do Exército Brasileiro. Na Alemanha, o Flak 18, amplamente utilizado na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), era pintado em um tom monocromático de cinza-esverdeado, conhecido como Dunkelgrau (RAL 7021 ou aproximado ao Federal Standard FS 36081), que oferecia camuflagem eficaz em ambientes urbanos e rurais. No Brasil, esse padrão foi mantido ou adaptado para um verde-oliva fosco, similar ao FS 34079, usado em veículos militares brasileiros até 1982.


 Bibliografia: 
- 1º Grupo de Artilharia Antiaérea  https://www.1gaaae.eb.mil.br/2016-02-10-19-06-22 

- Flak de 88 mm 18/36/37/41 Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/8.8_cm_Flak_18/36/37/41  

- Canhões antiaéreos Krupp 88 mm no EB – Helio Higuchi e Paulo R. Bastos Jr – Tecnologia & Defesa 

- O Nordeste na II Guerra Mundial - Editora Record, 1971 

- O Duplo Jogo de Vargas GAMBINI, Roberto - Editora Símbolo, 1977