Krupp Flak 88 mm C/56 Modelo 18

Historia e Desenvolvimento.
Durante a Primeira Guerra Mundial, as armas antiaéreas eram, em sua maioria, adaptações de canhões de médio calibre, modificados para oferecer um amplo ângulo de ataque. Essas armas alcançaram certa eficácia contra os aviões lentos e vulneráveis da época, mas o rápido avanço da tecnologia aeronáutica no período pós-guerra transformou o cenário. As novas aeronaves, com maior velocidade e capacidade de operar em altitudes mais elevadas, tornaram obsoletas as defesas antiaéreas existentes, que careciam da cadência de tiro e do alcance necessários para neutralizar as ameaças emergentes. Esse desafio revelou a urgência de desenvolver uma nova geração de canhões antiaéreos capazes de enfrentar os aviões militares modernos em futuros conflitos. Nesse contexto, as nações vitoriosas da Primeira Guerra Mundial iniciaram esforços para criar sistemas antiaéreos mais eficazes, impulsionando inovações tecnológicas na área de defesa. Na Alemanha, porém, o Tratado de Versalhes, imposto em 1919, restringia severamente o desenvolvimento e a produção de armamentos em grande escala ou com capacidade ofensiva avançada. Apesar dessas limitações, a República de Weimar, movida pela necessidade de rearmamento, começou a explorar, de maneira sigilosa, alternativas para modernizar suas forças armadas. Foi nesse cenário que a empresa alemã Friedrich Krupp AG (Fundada em 1811), uma das líderes na indústria de defesa, uniu-se à sueca AB Bofors (Fundada em 1646), que detinha participação majoritária na Krupp, em um acordo de cooperação estratégica. Essa parceria visava contornar as restrições do Tratado de Versalhes (assinado com os aliados ocidentais em 28 de junho de 1919), permitindo o desenvolvimento de uma nova geração de canhões antiaéreos. O projeto, iniciado em 1926, buscava criar uma arma inovadora, com alta cadência de disparos, projéteis de alta velocidade e capacidade de atingir alvos em grandes altitudes. Um diferencial notável era a versatilidade da plataforma, projetada para ser utilizada tanto em funções antiaéreas quanto antitanque, reduzindo custos de produção e manutenção, observando a comunalidade também no quesito das munições. Desenvolvido do zero, o novo canhão rompeu com os conceitos tradicionais das armas antiaéreas da época, incorporando soluções pioneiras que garantiam eficiência e confiabilidade. A colaboração entre a Krupp e a Bofors resultou em um sistema que não apenas atendia às demandas militares do período, mas também estabelecia um novo padrão para a defesa antiaérea, marcando um avanço significativo na tecnologia de armamentos. Esse projeto reflete a determinação das nações em se adaptarem às rápidas mudanças do cenário militar, superando limitações impostas e pavimentando o caminho para inovações que moldariam os novos conflitos do século XX.

No início da produção do novo canhão antiaéreo, desenvolvido pela parceria entre a Friedrich Krupp AG e a AB Bofors, os protótipos foram inicialmente configurados com um calibre de 75 mm. Contudo, os militares alemães, buscando uma arma com maior potência e versatilidade, solicitaram um redesenho do projeto, resultando na adoção do calibre de 88 mm. Essa decisão marcou o nascimento do Flak 18 (Flugzeugabwehrkanone), um canhão antiaéreo que se tornaria um dos mais emblemáticos sistemas de defesa da história militar. Em abril de 1928, o primeiro protótipo do Flak 18 foi concluído, equipado com um cano de peça única com 56 calibres de comprimento, o que lhe conferiu a designação oficial de Modelo 18 L/56. Em maio do mesmo ano, as primeiras unidades começaram a ser integradas ao Exército Alemão (Reichswehr), ainda sob as restrições do Tratado de Versalhes. O Flak 18 foi projetado com uma base cruciforme fixa, permitindo um giro completo de 360º e uma elevação que variava de -3º a +85º. Essa configuração possibilitava atacar alvos tanto aéreos quanto terrestres, oferecendo flexibilidade única para a época. Em situações específicas, o canhão podia ser operado diretamente de sua base de transporte sobre rodas, embora com menor precisão. O diferencial mais notável do Flak 18 era seu sistema de carregamento semiautomático, uma inovação que simplificava a operação. Após cada disparo, o cartucho vazio era ejetado automaticamente, permitindo que o operador apenas inserisse um novo projétil na bandeja de alimentação, que então era carregado na câmara, rearmando a arma rapidamente. Esse mecanismo resultava em uma cadência de tiro impressionante, de 10 a 20 disparos por minuto, superando significativamente outros canhões antiaéreos da época. A versatilidade do Flak 18 era reforçada por sua capacidade de utilizar uma ampla gama de munições, incluindo projéteis altamente explosivos de 10,4 kg, ideais contra aeronaves e pessoal, e projéteis perfurantes de 9,2 kg, capazes de penetrar a blindagem de qualquer veículo em serviço na década de 1920. Com uma velocidade inicial de 820 metros por segundo, esses projéteis tornavam o Flak 18 uma ameaça formidável tanto no céu quanto em terra. O desenvolvimento do Flak 18 ocorreu em um período de tensões políticas e limitações impostas pelo Tratado de Versalhes, que restringia o armamento alemão. Contudo, o cenário político mudou drasticamente em fevereiro de 1933, com o incêndio do Reichstag, que foi explorado pelo chanceler Adolf Hitler como pretexto para consolidar o poder do Partido Nazista. Após a morte do presidente Paul von Hindenburg em 1934, Hitler assumiu o controle total do governo, iniciando um ambicioso programa de rearmamento das forças armadas alemãs.

A Guerra Civil Espanhola, desencadeada em julho de 1936 após um golpe militar contra a Segunda República Espanhola, dividiu o país entre republicanos (apoiados pela União Soviética e voluntários internacionais) e nacionalistas (apoiados pela Alemanha nazista e pela Itália fascista). Para Adolf Hitler, apoiar Franco era uma oportunidade estratégica: além de combater a influência comunista na Europa, a Espanha oferecia um campo de testes ideal para as táticas de Blitzkrieg e os equipamentos da Wehrmacht. A Legião Condor, formada em 1936 sob o comando do general Hugo Sperrle, era composta por cerca de 5.000 a 10.000 militares alemães ao longo do conflito, incluindo pilotos, artilheiros, mecânicos e pessoal de apoio logístico. Equipada com aeronaves como o Heinkel He 51, Junkers Ju 87 Stuka e Messerschmitt Bf 109, além de tanques Panzer I e baterias antiaéreas Flak 18, a unidade foi projetada para operar como uma força integrada, testando a coordenação entre aviação, artilharia e infantaria mecanizada. Em combate real neste conflito contra as forças republicanas, este canhão se mostraria como a melhor arma antiaérea disponível na época, provando também ser preciso e versátil como uma excelente arma anti-veículo e anti-bunker de longo alcance. A experiencia obtida durante este conflito regional, revelaria, no entanto, a ocorrência de vários problemas técnicos de pequena ordem, porém apresentariam grandes oportunidades de potenciais de melhoria de projeto. As lições da Guerra Civil Espanhola culminaram no desenvolvimento do Flak 36, introduzido em 1939. Essa versão aprimorada trouxe inovações que refletiam a experiência prática dos artilheiros. O cano, antes uma peça única no Flak 18, foi redesenhado em duas seções, facilitando a substituição de componentes desgastados e reduzindo o tempo de manutenção em campo. A nova base cruciforme, mais robusta e equipada com pneus duplos na frente e atrás, aumentava a estabilidade e permitia maior mobilidade, mesmo em operações de emergência. Notavelmente, o Flak 36 podia ser disparado diretamente da posição de transporte, após ser desacoplado do trator meia-lagarta SdKfz 7, em apenas dois minutos e meio – uma característica que o alinhava ao conceito de Blitzkrieg, exigindo respostas rápidas em cenários dinâmicos. A proteção dos artilheiros também foi priorizada com a introdução de um escudo blindado, que oferecia defesa limitada contra estilhaços e fogo leve. Esse acessório, retroinstalável no Flak 18, tornou-se uma marca visual do Flak 36, proporcionando um pequeno, mas vital, conforto às tripulações expostas ao perigo. Para os soldados, o escudo era um símbolo da atenção dada à sua segurança, mesmo em meio às demandas implacáveis do campo de batalha.

O desenvolvimento do Flak 37, introduzido pouco após o Flak 36, elevou ainda mais o desempenho da arma. Equipado com indicadores de mira avançados, integrados a um controlador central, o Flak 37 permitia o fogo coordenado de uma bateria de quatro canhões, maximizando a eficácia contra alvos aéreos em movimento rápido. Essa inovação exigia treinamento intensivo, mas recompensava as tripulações com uma precisão quase cirúrgica, transformando cada bateria em uma fortaleza antiaérea. A interoperabilidade de componentes críticos entre as versões Flak 18, 36 e 37 foi um marco logístico, garantindo que peças sobressalentes fossem compartilhadas, mantendo a operacionalidade mesmo em campanhas prolongadas. Já em 1939, o comando da Força Aérea Alemã (Luftwaffe) solicitaria o desenvolvimento de novas armas para a defesa antiaérea, principalmente para atuar contra bombardeiros de alta altitude. Neste momento a produção dos Flak 88 mm estava sob responsabilidade da empresa Rheinmetall AG, que rapidamente responderia a esta demanda com uma nova versão, que passava a apresentar canos e cartuchos mais longos. Seu protótipo designado como Flak 41 seria entregue para testes em março de 1941, disparando projeteis de 9,4 kg a uma velocidade de focinho de 1.000 m/s (3.280 pés/s), dando-lhe um teto efetivo de 11.300 metros (37.100 pés) e um máximo de 14.700 metros (48.200 pés). O grande êxito obtido pela Legião Condor na Guerra Civil Espanhola (1936 – 1939) onde sua utilidade como arma antitanque e peça de artilharia de campo excederia seu papel como arma antiaérea, seria novamente comprovado durante a batalha da França em 1940. Neste momento seu emprego seria devastador contra os carros de combate franceses Char B1 Bis e ingleses Matilda II. Neste momento seria introduzido no Exército Alemão (Wehrmacht) de canhões Flak 18 montados em veículos meia lagarta pesados Sd.Kfz. 8, recebendo nesta configuração a denominação de "Bunkerknacker". A capacidade da sua munição em penetrar mais de 84 mm de armadura a um alcance de 2 km, o tornaria uma arma antitanque incomparável durante os primeiros dias da guerra e ainda formidável contra todos, exceto os tanques mais pesados no final. Na campanha da Africa do Norte, as forças alemãs do Afrika Korps, sob o comando do general Erwin Rommel, os Flak 88 mm seriam empregados com maestria, quando Panzers em movimento de aparente retirada, atrairiam os carros de combate britânicos do Oitavo Exército Britânico para uma armadilha, sendo destruídos mais de duzentos e cinquenta tanques inimigos.  
A repetida perda de tanque de canhões Flak 88 mm bem-posicionados nas batalhas do Halfaya Pass lhes renderia o apelido de "Hellfire Pass" (Passe do Fogo do Inferno), criando assim um mito, que passaria a ser muito temido por seus adversários. Já durante a operação  Barbarossa, a invasão da União Soviética, os Flak 88 seriam largamente usados na frente oriental obtendo grande êxito na primeira fase da campanha. No entanto a introdução dos novos carros de combate T-34 e KV trariam os primeiros revezes em combate contra a blindagem dos tanques soviéticos, sendo eficientes contra estes somente a uma distância de 200 metros.  Os canhões Flak 88 teriam destacada participação no esforço de defesa antiaérea do Reich, com suas baterias estrategicamente posicionadas fazendo uso do sistema Kommandogerät, um computador de artilharia analógico.  Este permitia disparos extremamente precisos, levando em conta a distância entre as armas umas das outras e da tripulação de mira, anulando o deslocamento e apontando todas as armas no mesmo ponto. Isso permitiu que várias armas fossem apontadas precisamente para o mesmo alvo por uma única tripulação de comando de cinco homens, em vez de exigir tripulações treinadas em cada arma. Sistemas de mira por radar também foram desenvolvidos para complementar esses sistemas. A série de radares de Würzburg foi produzida aos milhares e amplamente utilizada. Ele permitia fogo de área geral sem linha de visão, mas tinha baixa precisão em comparação com os sistemas visuais. O intensificar da campanha de bombardeio estratégico aliado levaria a priorização da produção de armas antiaéreas comprometendo quase 45% do orçamento de defesa alemão. A Força Aérea Alemã (Luftwaffe) em agosto do ano de 1944, chegaria a dispor de mais de dez mil canhoes Flak 88 mm em serviço para a defesa antiaérea internamente no país. Além das forças armadas alemães os canhões Flak 88 seriam adquiridos novos de fábrica pela Itália, Espanha, Grécia, China Nacionalista, Brasil e Finlândia. Centenas de peças de artilharia desta família seria capturadas e empregadas pelas Forças Francesas Livres, Grécia, Iugoslávia e temporariamente pelo Exército dos Estados Unidos (US Army) pelos 79º e 244º Batalhões de Artilharia de Campanha, durante o auge de escassez de munição. Estas armas de artilharia antiaérea, ainda veriam combate real durante a Guerra do Vietnã, quando peças fornecidas pela Uniao Soviética a partir do ano de 1954, foram empregadas contra aeronaves norte-americanas no início daquele conflito. Registra-se que as últimas unidades destas armas foram retiradas do serviço militar ativo somente no ano de 1977. Entre 1933 e 1945 seriam produzidos 26.616  canhões Flak 88 mm dispostas em sete versões. 

Emprego no Exército Brasileiro.
No início do século XX, o Exército Brasileiro embarcou em um ambicioso projeto de modernização com a Reforma Hermes, iniciada em 1905, que marcou um divisor de águas na história militar do país. Esse programa, liderado por visionários como o Marechal Hermes da Fonseca, buscava alinhar a Força Terrestre aos melhores exércitos europeus, introduzindo armamentos modernos e reestruturando suas unidades. Contudo, o rápido avanço tecnológico pós-Primeira Guerra Mundial e a obsolescência dos equipamentos na década de 1930 colocaram o Brasil em uma posição vulnerável. Para os soldados e oficiais que serviam na época, a luta para superar essas deficiências era não apenas uma questão técnica, mas um compromisso com a defesa da soberania nacional, um espírito que ecoaria em iniciativas futuras, como a modernização do M108 no programa Força Terrestre 90 (FT-90). Lançada em 1905, a Reforma Hermes representou um marco na modernização do Exército Brasileiro. Com um investimento significativo, o programa trouxe grandes quantidades de armamentos modernos, incluindo canhões de campanha fabricados por empresas europeias como a francesa Schneider e a alemã Krupp. Esses equipamentos, que incluíam obuses e peças de artilharia de 75 mm e 105 mm, elevaram o Brasil a um patamar operacional comparável ao de potências europeias, como França e Alemanha. Para os artilheiros brasileiros, operar esses canhões era motivo de orgulho, exigindo treinamento rigoroso nos campos de prática do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Cada disparo, ecoando nos terrenos de treinamento, simbolizava a ambição de construir uma Força Terrestre robusta e respeitada. No entanto, o brilho desse avanço durou pouco. O término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) acelerou o desenvolvimento tecnológico global, com novos tanques, aeronaves e peças de artilharia que rapidamente tornaram os equipamentos brasileiros obsoletos. Na década de 1930, o Exército Brasileiro enfrentava uma realidade preocupante: sua artilharia, outrora moderna, não acompanhava o ritmo das inovações. Relatórios confidenciais do Estado-Maior das Forças Armadas, elaborados com meticulosa análise, revelavam que vizinhos sul-americanos, como Argentina e Chile, possuíam arsenais mais avançados, tanto em quantidade quanto em qualidade, abrangendo forças aéreas, terrestres e navais. Em um cenário hipotético de conflito, o Brasil poderia resistir por apenas 30 dias antes de perder o controle de regiões estratégicas, como o Rio Grande do Sul, uma ameaça que pesava sobre os ombros dos militares brasileiros. Na segunda metade da década de 1930, o mundo vivia um clima de crescente tensão, com conflitos regionais, como a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), destacando a importância de armamentos modernos, como o canhão Flak 18 alemão. No Brasil, a obsolescência da artilharia era uma das principais fraquezas, com canhões antigos, de baixa cadência de tiro e manutenção complexa, incapazes de competir com os equipamentos de seus vizinhos. Essa vulnerabilidade exigia uma resposta urgente, e os oficiais do Exército, cientes do dever de proteger a nação, mobilizaram-se para reverter o quadro. Em abril de 1936, o General Eurico Gaspar Dutra, então Ministro da Guerra, tomou uma decisão ousada: criou uma comissão de compras sediada na Europa, encarregada de identificar e adquirir equipamentos modernos para reequipar as Forças Armadas. Essa equipe, composta por oficiais experientes e engenheiros, enfrentou a complexa tarefa de avaliar fornecedores internacionais, como as empresas Schneider et Compagnie (França), Societa Giovanni Ansaldo & Compagnia (Itália), Friedrich Krupp AG e Rheinmetall AG (Alemanha). 

Um edital detalhado foi elaborado, solicitando cotações, condições de pagamento e opções de financiamento, com foco em canhões de artilharia de campanha que atendessem às necessidades táticas do Brasil. Para viabilizar essas aquisições, o governo brasileiro alocou uma verba de 1,5 milhão de contos de réis, a ser desembolsada ao longo de dez anos, utilizando reservas financeiras estratégicas. As transações seriam realizadas em libra esterlina, a moeda de referência da época, garantindo acesso aos mercados internacionais. Um marco significativo foi a assinatura de um acordo comercial com a Alemanha, cuja indústria bélica, liderada por empresas como Krupp e Rheinmetall, despontava com tecnologia de ponta. Esse acordo permitia compras em marcos alemães de compensação, utilizando exportações brasileiras de produtos agrícolas, como café e algodão, para equilibrar a balança comercial. Para os negociadores brasileiros, cada contrato assinado era um passo rumo à autossuficiência militar, uma vitória silenciosa em um mundo à beira do conflito. Os canhões visados incluíam modelos de 75 mm e 105 mm, como os produzidos pela Krupp, que ofereciam maior alcance e precisão em comparação com os equipamentos obsoletos do Exército. A escolha de fornecedores alemães, que também produziam o Flak 18 testado na Guerra Civil Espanhola, refletia a confiança na qualidade e inovação da indústria germânica. Para os soldados que aguardavam a chegada desses armamentos, a expectativa era palpável: cada novo canhão prometia restaurar a capacidade de defesa do Brasil, especialmente no Sul, onde a proximidade com Argentina e Chile exigia prontidão. Dessa forma, em 19 de março de 1937, seria celebrado um contrato envolvendo a aquisição cem canhões de 75 mm C/26 e acessórios da Fried Krupp AG, para equipar as unidades de cavalaria que guarneciam as fronteiras do Sul e Oeste do Brasil. Eram peças de tração animal, pois existiam poucas estradas de rodagem, sendo o uso de veículos automotores predominante nos centros urbanos. O material militar seria recebido entre agosto de 1938 e fevereiro de 1939, com distribuição prevista para operação em vinte e cinco baterias de artilharia. Excetuando uma bateria que seria destinada à Escola Militar do Realengo na cidade do Rio de Janeiro, a fim realizar a instrução básica e elaboração de manuais de operação e manutenção. O restante seria distribuído em três divisões de cavalaria no Estado do Rio Grande do Sul e uma no Estado do Mato Grosso. Este primeiro movimento garantiria a retomada da capacidade mínima da artilharia de campanha do Exército Brasileiro, porém ainda havia necessidades a ser preenchidas principalmente no que tange a estruturação de um sistema básico de defesa antiaérea.  Em atendimento a estas demandas, em 25 de março de 1938, seriam assinados diversos contratos com a empresas alemães como a Daimler Benz, Kraus Maffei, Fried Krupp AG. AG Matra Werke, Bussing-NAG, Henschel & Sohn, Car Zeiss e Eletroacoustic GmBh, resultando na compra de uma quantidade substancial de material militar. O fornecedor principal nesta fase, novamente, seria a Fried Krupp AG, se destacando pelo volume de negócios celebrados com esta, assim por este motivo este acordo passaria a ser conhecido como “ O Grande Contrato Krupp¨. Nestes termos seriam adquiridos nada menos do que 1.180 peças, desde canhões de campanha de 75 mm, a até obuseiros de 150 mm, um substancial quantidade de munição e acessórios, incluindo 644 veículos automotores, 50 reboques-oficina, equipamentos para direção de tiro e de localização de som.  
O pacote global totalizaria um investimento de  8.281.383 milhões  de libras esterlinas, com um depósito inicial de 15% nesta moeda, e o restante em até 25 parcelas, em marcos de compensação (aliás, dependendo do material, a quitação deveria ser feita entre 8  e 15 parcelas).  Assim, o “Grande Contrato Krupp” previa a aquisição de material dedicado a defesa área, como equipamentos de comando e direção de tiro (Preditores) WIKOG 9SH, fabricados pela Carl Zeiss e destinados às baterias antiaéreas de 88 mm; equipamentos de localização de som ELASCOPORTHOGNOM, fabricados pela Electroacoustic GmbH, para as baterias antiaéreas, e que era utilizado previamente à adoção de radares móveis, visando direcionar a artilharia contra aviões inimigos, orientando pelo som.  O contrato contemplava também os desenhos, o ferramental e os direitos de produção de todos os componentes das munições empregadas pelas peças adquiridas, buscando tornar o país autossuficiente nisso, exceção feita à espoleta mecânica de duplo efeito, não cedida . Em setembro de 1939 a Alemanha invadiu a Polônia, iniciando a Segunda Guerra Mundial. Imediatamente, em apoio aos poloneses, a França e a Inglaterra declararam guerra contra a Alemanha. Embora o Brasil fosse neutro, suas encomendas foram prejudicadas pelo bloqueio naval imposto pela Royal Navy, impedindo que embarcações estrangeiras chegassem a portos alemães. A solução encontrada foi despachar o material a partir de Gênova, na Itália. A primeira remessa, composta de quatro canhões antiaéreos 88 mm junto com munição, foi embarcada num navio mercante de bandeira brasileira. Depois disso, e para evitar que o material completo fosse apreendido pelo bloqueio naval inglês, as remessas foram enviadas em partes, ou seja, os tubos dos canhões foram remetidos em um navio, e os reparos em outro, e em datas distintas. Com a ocupação alemã da França e a adesão da Itália ao Eixo, o bloqueio inglês se expandiu e alcançou o Mar Mediterrâneo. A comissão brasileira que recebia o material produzido em Essen, passou utilizar como local de embarque a cidade de Lisboa, em Portugal, país que permaneceu neutro até o final das hostilidades. m novembro de 1940, o mercante “Siqueira Campos” carregado de parte da encomenda, foi apresado por navios ingleses e escoltado até Gibraltar. O fato, conhecido como “Incidente do Siqueira Campos”, gerou forte reação antibritânica nos oficiais brasileiros, e o general Dutra e o chefe do Estado-Maior do Exército, general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, solicitaram aos Estados Unidos que intercedessem na questão. O governo de Washington estava preocupado com a defesa do continente e buscava soluções para prover os países latinos com armamento, ao mesmo tempo em que enfrentava dificuldades para atender à sua própria demanda e ajudar aos que já combatiam o Eixo. Intervir a favor do Brasil iria resolver parcialmente, inclusive, a necessidade de armamento, para a defesa da costa nordestina contra uma eventual invasão alemã.  

Diante de um pedido pessoal do chefe do Estado-Maior do Departamento de Guerra dos Estados Unidos, o general George Marshall, os britânicos permitiram que a carga fosse embarcada em um mercante norte-americano, levada até Nova York e transferida para um navio brasileiro. O mesmo procedimento se deu no segundo semestre de 1941, com outra carga já a bordo do navio brasileiro “Bagé”.  Essas foram as últimas remessas que chegaram ao País, referentes ao “Grande Contrato Krupp”. Parte dos materiais, já aprovada e recebida pela comissão brasileira, estocadas em depósitos da Alemanha, França e Portugal aguardando um meio diplomático para ser remetida ao Brasil, acabaria sendo requisitada pelo Exército Alemão (Wehrmacht).Caso o Brasil tivesse recebido a totalidade da encomenda, teria se transformado, na ocasião, na nação latino-americana mais equipada em termos de artilharia. Especificamente em termos a estruturada de defesa antiaérea, seriam recebidos somente 28 peças do Flak 88 mm C/56 Modelo 18, 06 preditores Carl Zeiss WIKOG 9SH e 18 aparelhos de localização pelo som Electroacoustic GmbH ELASCOPORTHOGNOM. Embora a quantidade do material recebido fosse muito menor do que a encomendada, ainda foi possível organizar três regimentos: o 1º Grupo do 1º Regimento de Artilharia Antiaérea (1/1º RAAAé) no Rio de Janeiro - RJ, seria a primeira unidade a receber o material, em 04 de fevereiro de 1941, quando chegaram 12 peças para equipar três baterias, dois aparelhos de escuta ELASCOPORTHOGNOM, e uma bateria de projetor antiaéreo 60’’ SPERRY M-1939. Em outubro do mesmo ano, a unidade realizou o primeiro exercício de tiro real, utilizando alvos rebocáveis, bem como todos os equipamentos que equipavam as baterias, tais como telêmetros, preditores WIKOG 9SH, aparelhos para localização pelo som, projetores, dois tratores Sd.Kfz. 7. Durante 1943, o regimento foi reforçado por uma bateria de canhões automáticos antiaéreos de 37mm M-2A2, de origem norte-americana, 1º Grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/2ºRAAAé) sediado na cidade de Osasco – SP, seria equipada com duas baterias de quatro 88 mm cada, e todos os equipamentos auxiliares, como dois tratores Sd.Kfz. 7 e por fim o 1°Grupo do 3° Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3° RAAAé) sediando na cidade de Natal – RN, que receberia recebeu os oito 88mm restantes, perfazendo duas baterias e equipamentos acessórios e um trator meia-lagarta Sd.Kfz. 7. Sua missão era proteger a área de Natal (RN), tanto contra ataques aéreos à Base Aérea de Parnamirim, como para defesa do litoral. Assim, uma bateria seria estacionada ao largo daquela base aérea, apoiada por uma bateria de projetores SPERRY M-1939, e a outra foi para a região de Ponta de Santa Rita (Genipabu). Esta bateria seria acionada para um ataque real, no dia 18 de dezembro de 1942, as 7:00 horas da manhã, quando disparos foram efetuados contra a vela de um submarino não identificado, detectado a 2.600 metros da costa, não havendo registros oficiais sobre possíveis impactos. 
A partir de 1942, o Brasil, alinhado aos Aliados após a entrada na Segunda Guerra Mundial, recebeu uma quantidade significativa de material militar por meio do Lend-Lease Act. Entre os equipamentos estavam centenas de canhões antiaéreos modernos, incluindo os M2A2 de 37 mm, M3 de 76 mm e M1A3 de 90 mm, que fortaleceram a capacidade de defesa contra ameaças aéreas. Esses canhões, equipados com sistemas de mira avançados e alta cadência de tiro, representavam o ápice da tecnologia militar norte-americana, projetada para enfrentar os desafios de um conflito global. Para os artilheiros brasileiros, operar essas armas era uma tarefa de grande responsabilidade, exigindo treinamento intensivo em bases como a Vila Militar no Rio de Janeiro e adaptação a tecnologias mais sofisticadas do que os equipamentos até então em uso. No entanto, os canhões alemães Krupp Flak 88 mm C-56 Modelo 18, adquiridos em 1936 sob a liderança do General Eurico Gaspar Dutra, continuaram plenamente operacionais durante toda a Segunda Guerra Mundial. Inspirados no sucesso do Flak 18 na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), esses canhões de 88 mm destacavam-se por sua versatilidade, precisão e potência, capazes de atingir alvos aéreos a até 14.860 metros e de atuar como armas antitanque e antibunker. Para as tripulações do 1º Regimento de Artilharia Antiaérea (1/1º RAAAé), sediado no Rio de Janeiro, o Flak 88 era um orgulho nacional, operado com perícia em exercícios que simulavam a defesa de cidades estratégicas contra ataques aéreos. Os Flak 88 mm C-56 Modelo 18 foram empregados em diversas unidades, incluindo o 1/1º RAAAé, o 1º Grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/2º RAAAé) no arquipélago de Fernando de Noronha, e o 1º Grupo do 3º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3º RAAAé). Em Fernando de Noronha, os canhões protegiam uma posição estratégica no Atlântico, enfrentando o desafio de operar em um ambiente isolado, onde a manutenção dependia da engenhosidade dos mecânicos. Cada disparo, realizado em exercícios sob o sol tropical, reforçava o senso de dever dos artilheiros, que viam no Flak 88 um símbolo de resistência frente às ameaças da guerra. A substituição dos Flak 88 começou em novembro de 1954, quando o 1/1º RAAAé, redesignado como 1º Grupo de Canhões 90 Antiaéreos (1º G Can 90 AAé), adotou os canhões M1 (M-117) de 90 mm norte-americanos. Esses equipamentos, com sistemas de controle de tiro mais avançados, como preditores automáticos, ofereciam maior precisão contra aeronaves modernas. Em 1955, o I/2º RAAAé, transferido de Fernando de Noronha para Osasco (SP) e renomeado como 2º Grupo de Artilharia Antiaérea (2º GAAAé) “José Bonifácio e Fernando de Noronha”, com sede em Praia Grande (SP), também substituiu seus Flak 88 pelos M1. O último grupo a desativar os canhões alemães foi o I/3º RAAAé, em 1956, marcando o fim de uma era. A retirada do Flak 88 não se deu por deficiências operacionais, mas pela crescente escassez de munição de 88 mm, cuja produção havia sido descontinuada após a guerra. Em muitos aspectos, o Flak 88 superava seus equivalentes norte-americanos, especialmente em potência e versatilidade, uma qualidade que os artilheiros brasileiros admiravam. 

Em Escala.
Para recriar o Flak 88 mm C-56 Modelo 18 na escala 1:35 pertencente ao 1º Regimento de Artilharia Antiaérea (1/1º RAAAé), foi utilizado o kit da AFV Club, amplamente reconhecido por sua excepcional qualidade e detalhamento. Composto por peças em plástico, metal, borracha e componentes photo-etched (fotogravados), o modelo reproduz com precisão elementos como a base cruciforme, os pneus duplos e o cano de peça única, característicos da versão usada pelo Exército Brasileiro. Diferentemente das versões Flak 36 e 37, que incluíam um escudo blindado, o Flak 18 brasileiro não possuía essa proteção, exigindo que os modelistas descartem essa peça do kit para garantir autenticidade histórica.
O esquema de cores aplicado aos canhões Flak 88 mm C-56 Modelo 18 e outras peças de artilharia alemã no Brasil foi provavelmente inspirado no padrão da Wehrmacht no final da década de 1930, adaptado às necessidades operacionais do Exército Brasileiro. Na Alemanha, o Flak 18, amplamente utilizado na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), era pintado em um tom monocromático de cinza-esverdeado, conhecido como Dunkelgrau (RAL 7021 ou aproximado ao Federal Standard FS 36081), que oferecia camuflagem eficaz em ambientes urbanos e rurais. No Brasil, esse padrão foi mantido ou adaptado para um verde-oliva fosco, similar ao FS 34079, usado em veículos militares brasileiros até 1982.



 Bibliografia: 

- 1º Grupo de Artilharia Antiaérea  https://www.1gaaae.eb.mil.br/2016-02-10-19-06-22 

- Flak de 88 mm 18/36/37/41 Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/8.8_cm_Flak_18/36/37/41  

- Canhões antiaéreos Krupp 88 mm no EB – Helio Higuchi e Paulo R. Bastos Jr – Tecnologia & Defesa 

- O Nordeste na II Guerra Mundial - Editora Record, 1971 

- O Duplo Jogo de Vargas GAMBINI, Roberto - Editora Símbolo, 1977