História e Desenvolvimento.
A Engesa – Engenheiros Especializados S.A., fundada em 1958 na cidade de São Paulo, SP, por um grupo de engenheiros recém-formados liderado por José Luiz Whitaker Ribeiro, consolidou-se como o principal fabricante de equipamentos militares terrestres do Brasil. Nos anos iniciais, a empresa concentrou suas atividades na produção de equipamentos para prospecção, produção e refino de petróleo. Composta por profissionais altamente qualificados, muitos deles formados pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Engesa destacou-se pela excelência técnica e inovação. Em 1966, a Engesa iniciou um marco em sua trajetória com o projeto e a fabricação do sistema de tração 4×4, conhecido comercialmente como Tração Total. Esse sistema, composto por uma caixa de transferência com duas tomadas de força, eixo dianteiro direcional e guincho opcional, foi projetado para equipar veículos nacionais de série, como picapes e caminhões das marcas Chevrolet, Ford e, posteriormente, Dodge. O sucesso do sistema levou ao desenvolvimento das versões 6×4 e 6×6, que aproveitavam eixos e feixes de molas traseiros originais dos veículos. O sistema Tração Total conferiu excepcional desempenho fora de estrada, até então inédito no Brasil para veículos dessa categoria. Um exemplo notável foi a picape F-100 6×6, cuja capacidade de carga foi duplicada, permitindo a transposição de rampas com inclinação de até 85%. Devido à sua eficiência, o sistema foi patenteado no Brasil e em diversos países, consolidando a reputação da Engesa no mercado. O crescimento da Engesa esteve intrinsecamente ligado ao período da ditadura militar (1964–1985). Em 1967, o sistema Tração Total foi declarado “de interesse para a Segurança Nacional”, resultando em contratos com o Exército Brasileiro para o fornecimento de centenas de caminhões novos (modelos Chevrolet 4×4 e 6×6) e a modernização de parte da frota herdada da Segunda Guerra Mundial. Esses contratos incluíam a reforma de chassis e carrocerias, repotencialização de motores e substituição de suspensões e sistemas de tração pelos fabricados pela Engesa. Paralelamente, a empresa continuou atendendo o mercado civil, adaptando veículos para empresas como Petrobras, empreiteiras, concessionárias de energia e madeireiras. A partir de 1968, a Engesa passou a exibir seus produtos em diversas edições do Salão do Automóvel, ampliando sua visibilidade no setor. Os laços da Engesa com as Forças Armadas foram fortalecidos pelo Decreto-Lei nº 200/67, que promovia a descentralização de atividades da administração federal e incentivava a execução indireta de tarefas por meio da iniciativa privada. O decreto estipulava que a administração deveria transferir atividades executivas para empresas privadas capacitadas, o que resultou na redução de verbas e de quadros de servidores dedicados à pesquisa e desenvolvimento no setor público, incluindo o Exército. Essa política beneficiou diretamente a Engesa, que assumiu parte das responsabilidades de pesquisa e desenvolvimento militar.
O crescimento da empresa foi expressivo, com a adaptação de 960 veículos em 1968, número que alcançou 1.371 dois anos depois. Esse avanço foi acompanhado pela criação de novos produtos voltados às Forças Armadas, consolidando a Engesa como um dos principais fornecedores militares do Brasil. Em abril de 1971, a Engesa – Engenheiros Especializados S.A. demonstrou sua capacidade como fabricante de armamentos modernos ao apresentar à imprensa brasileira dois blindados sobre rodas, desenvolvidos conforme especificações do Exército Brasileiro. O primeiro, um Carro de Reconhecimento (CRR), e o segundo, um Carro de Transporte de Tropas Anfíbio (CTR-A), foram os protótipos dos modelos EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu, respectivamente. Esses lançamentos marcaram o início de uma linha de equipamentos militares identificada por nomes de cobras venenosas, que se tornaria característica da Engesa nas décadas seguintes. As primeiras unidades do EE-9 Cascavel foram equipadas com canhões de 37 mm reutilizados, provenientes de blindados M3 Stuart recebidos pelo Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. A segunda série do veículo incorporou uma configuração modernizada, com uma torreta francesa armada com um canhão de 90 mm. Contudo, esse sistema apresentava custos elevados e dependia de autorizações prévias do governo francês para exportações, o que levou a Engesa a desenvolver um canhão de 90 mm próprio, fabricado sob licença com base em um projeto belga. O EE-9 Cascavel, equipado com esse canhão “nacionalizado”, foi posteriormente reconhecido por analistas internacionais como um dos melhores blindados leves de reconhecimento do mundo. Estimulada pelos planos de investimento das Forças Armadas Brasileiras e pelo potencial de mercado no Oriente Médio, a Engesa transferiu, em 1974, suas principais instalações para São José dos Campos, SP. No mesmo ano, a empresa criou a Engex S.A., uma unidade fabril em Salvador, BA, dedicada à produção de engrenagens, caixas de transmissão e canhões. Ainda em 1974, a Engesa lançou os caminhões EE-15 e EE-25, com capacidades de carga de 1,5 e 2,5 toneladas, respectivamente, projetados para operações fora de estrada, com o dobro da capacidade em superfícies regulares. No início de 1982, o comando do Exército Brasileiro solicitou à Engesa estudos para o desenvolvimento de um carro de combate médio sobre lagartas, com peso de aproximadamente 35 toneladas. Este seria o veículo mais pesado a entrar em serviço no Brasil e o primeiro projeto desse porte conduzido pela empresa. Considerando a limitada demanda interna, a Engesa optou por adaptar o projeto às necessidades do mercado internacional de defesa, aumentando o peso do veículo para 41 toneladas. Com isso, o projeto foi elevado à categoria de Main Battle Tank (MBT – Carro Principal de Combate), ampliando seu potencial competitivo no cenário global.
Na década de 1980, o Exército da Arábia Saudita lançou uma concorrência internacional para o desenvolvimento e aquisição de um novo Carro de Combate Principal (Main Battle Tank – MBT), destinado a substituir os obsoletos AMX-30B de fabricação francesa. O programa previa a compra de aproximadamente mil unidades, em um contrato estimado em US$ 3 bilhões. A Engesa – Engenheiros Especializados S.A., reconhecendo o potencial de exportação, identificou nessa oportunidade a possibilidade de alcançar a escala industrial necessária para viabilizar o atendimento às demandas do Exército Brasileiro, além de fortalecer sua posição no mercado global. A Engesa S/A já detinha significativa notoriedade como fornecedora de veículos militares e equipamentos para nações do Oriente Médio, o que a posicionava como uma concorrente relevante na concorrência saudita. Sua experiência prévia na exportação de blindados, como o EE-9 Cascavel e o EE-11 Urutu, reforçava sua credibilidade no setor de defesa. O projeto do novo carro de combate, inicialmente denominado T-1 e posteriormente batizado EE-T1, foi concebido para atender aos padrões modernos de MBTs, com ênfase em poder de fogo, proteção e mobilidade. O veículo deveria incorporar tecnologias avançadas, incluindo: Pontaria a laser e controles para tiro em movimento; Sistemas de visão noturna; Proteção contra ameaças químicas, radioativas e biológicas (QRB); Sensores térmicos infravermelhos. A blindagem do EE-T1 foi projetada para ser leve e resistente, utilizando chapas compostas de materiais metálicos e compostos, desenvolvidas pela Eletrometal S.A., empresa responsável também pela produção de aços especiais para os canhões da Engesa. Para acelerar o desenvolvimento e reduzir custos, a Engesa buscou parcerias com fabricantes internacionais renomados, como a Dr. Ing. hc F. Porsche AG e a Thyssen-Henschel, ambas alemãs. O objetivo era adquirir tecnologia por meio de transferência, mas divergências comerciais e diferenças nos parâmetros de projeto inviabilizaram essas colaborações. Diante do fracasso nas negociações, a Engesa optou por desenvolver o EE-T1 de forma autônoma, incorporando as tecnologias mais avançadas disponíveis no mercado. O projeto foi estruturado em duas vertentes: Versão para Exportação: Customizada para atender às especificações exigidas pelo mercado internacional, incluindo a concorrência saudita. Versão para o Exército Brasileiro: Configuração simplificada, adaptada às necessidades operacionais nacionais. Para equipar o EE-T1, a Engesa encomendou à britânica Vickers Defence Systems duas torres intercambiáveis com comando elétrico, compatíveis com canhões de 105 mm e 120 mm, este último de origem francesa. Essa abordagem permitiu flexibilidade no armamento, atendendo a diferentes requisitos operacionais
O Engesa EE-T1, projetado para uma tripulação de quatro membros, foi concebido com uma estrutura monobloco composta por chapas blindadas soldadas, utilizando materiais monometálicos, bimetálicos e compostos. A blindagem composta, aplicada no arco frontal com pequenos ângulos de incidência, assegurava baixa silhueta e maximizava a proteção balística. Em 1986, essa configuração permitia resistência razoável contra munições antitanque disponíveis à época. O veículo incluía saias laterais em aço blindado para proteger as lagartas e os sistemas de suspensão, enquanto o motor e a transmissão automática com conversor de torque eram posicionados na traseira. O monobloco foi dividido em dois compartimentos principais — tripulação e power pack — separados por uma parede estrutural “corta-fogo” com isolamento térmico-acústico. O compartimento do power pack contava com três tampas em aço blindado bimetálico, projetadas para facilitar o acesso, complementadas por grades balísticas nas entradas e saídas de ar. A suspensão hidropneumática, fabricada pela Dunlop, atuava sobre as doze rodas de apoio (seis por lado), utilizando lagartas Dhil. O sistema de frenagem, hidráulico a disco com retarder, era assistido por computador, garantindo maior controle e segurança. Para propulsão, foi selecionado o motor MWM TBD 234 V12 a diesel, refrigerado a ar, com 1.020 cv, importado da Alemanha, acoplado à transmissão ZF Friedrichshafen AG LSG 3000, de seis velocidades (quatro à frente e duas à ré). O EE-T1 estava equipado com o sistema de controle de fogo britânico Marconi Centaur, integrado a dois periscópios franceses SFIM VS580 VICAS, um para o atirador (com telêmetro a laser) e outro para o comandante (com visão panorâmica). Adicionalmente, o sistema de visão noturna Philips UA9090, de fabricação holandesa, proporcionava visores para ambos os tripulantes, ampliando a capacidade operacional em condições de baixa luminosidade. Em julho de 1985, um protótipo do EE-T1 (P.1) foi enviado à Arábia Saudita para participar do processo de pré-seleção da concorrência internacional promovida pelo Exército Saudita. O veículo demonstrou plena adaptação ao terreno desértico, obtendo excelentes resultados e sendo classificado para a fase seguinte, onde competiu diretamente com modelos de fabricantes da França, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Conforme o cronograma, em julho de 1987, o protótipo definitivo, equipado com um canhão de 120 mm e sistemas eletrônicos de ponta, foi despachado para o Oriente Médio para a seleção final. Durante os testes, o EE-T1 apresentou os seguintes dados de desempenho: Rampa máxima: 65% ; Obstáculo vertical máximo: 1,15 m; Capacidade de vau: 1,20 m (sem preparação) a 2,00 m (com preparação); Velocidade máxima: 70 km/h; Autonomia aproximada de : 550 km.

O Engesa EE-T1 Al Fahd (P.2) destacou-se como um dos carros de combate principais (Main Battle Tank – MBT) mais avançados de sua categoria, rivalizando com os melhores projetos globais, exceto o alemão Leopard, que não participou da concorrência saudita. Sua combinação de qualidade mecânica e sistemas de controle sofisticados conferiu ao veículo um desempenho excepcional, particularmente nos testes de autonomia e precisão de tiro. O sistema de controle de fogo do EE-T1 Al Fahd era notavelmente avançado, incorporando uma "janela de coincidência" que analisava a posição do canhão e a mira do atirador. Esse recurso permitia disparos apenas quando o alinhamento entre o canhão e os periscópios era coincidente, mesmo durante oscilações do veículo, resultando em alta precisão. Nos testes, o EE-T1 foi o único a acertar um alvo a 4 km de distância. Em disparos contra alvos móveis a distâncias entre 1,5 e 2,5 km, o veículo brasileiro obteve oito acertos em doze tentativas, superando o M1A1 Abrams norte-americano (cinco acertos) e os demais concorrentes (um acerto cada). Na fase inicial da concorrência, os carros de combate franceses AMX-40 e britânicos Challenger foram desclassificados, deixando o EE-T1 Al Fahd e o M1A1 Abrams como finalistas. Na etapa final de testes de campo, iniciada em 1987, o EE-T1 Al Fahd (P.2) novamente demonstrou superioridade técnica em relação ao modelo norte-americano, consolidando a confiança da Engesa na vitória do certame. Como resultado de seu desempenho, a Engesa S.A. assinou um pré-contrato com o governo saudita para o fornecimento inicial de 316 carros de combate, em um acordo avaliado em US$ 15 bilhões (valores ajustados para 2020). Esse contrato representava não apenas uma conquista comercial, mas também a validação do projeto brasileiro no cenário internacional de defesa. Apesar da superioridade técnica do EE-T1 Al Fahd, em 1989, o Departamento de Estado e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos apresentaram ao Congresso norte-americano um relatório detalhado defendendo a importância estratégica do contrato para os interesses geopolíticos e a indústria de defesa dos EUA. O M1A1 Abrams, já em serviço nas unidades de cavalaria do Exército dos Estados Unidos desde o início da década de 1980, havia sido amplamente testado em operações reais, conferindo-lhe uma vantagem operacional comprovada. Além disso, a versão do M1A1 Abrams ofertada, equipada com o canhão alemão Rheinmetall L/44 de 120 mm, estava em produção seriada desde 1986, permitindo entregas imediatas ao Exército da Arábia Saudita. Esses fatores, aliados à significativa influência política dos Estados Unidos, favoreceram a escolha do modelo norte-americano, impactando diretamente o desfecho da concorrência. Embora o EE-T1 Al Fahd tenha demonstrado excelência técnica e competitividade, a decisão final da Arábia Saudita refletiu a complexidade de fatores políticos e logísticos em concorrências internacionais de defesa. O episódio destacou os desafios enfrentados pela Engesa em competir com potências estabelecidas no mercado global, apesar de sua capacidade de desenvolver um MBT de classe mundial.
Emprego no Exército Brasileiro.
Durante a década de 1970, a força de carros de combate do Exército Brasileiro encontrava-se em um momento de transição tecnológica e doutrinária. O parque blindado nacional era composto, majoritariamente, pelos M-41, M-41A1 e M-41A3 Walker Bulldog, de fabricação norte-americana, complementados por um número limitado de Bernardini X-1 e X-A2, estes últimos resultantes da modernização de antigos M3A1 Stuart. Embora cumprissem adequadamente seu papel nas décadas anteriores, esses veículos já demonstravam acentuada obsolescência frente às novas demandas táticas e às potenciais ameaças regionais, sobretudo nas fronteiras do sul do país. Com o avanço tecnológico das forças blindadas na América do Sul especialmente a modernização dos meios mecanizados da Argentina e do Chile, tornou-se evidente para o comando do Exército Brasileiro que os blindados nacionais careciam de um salto qualitativo. Programas paliativos, como a modernização dos M-41 Walker Bulldog e o desenvolvimento do carro de combate médio Bernardini MB-3 Tamoyo, foram implementados, mas logo se constatou que tais iniciativas não seriam suficientes para suprir, a médio prazo, a lacuna tecnológica existente. Diante desse cenário, o Exército Brasileiro passou a buscar uma solução nacional capaz de integrar as lições acumuladas com a motorização e mecanização de décadas anteriores. Assim, em 1982, a empresa Engesa – Engenheiros Especializados S.A., reconhecida por sua experiência na produção dos veículos blindados sobre rodas EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu, foi oficialmente consultada para desenvolver um novo carro de combate sobre lagartas, com peso estimado em cerca de 35 toneladas. No entanto, o reduzido potencial de aquisição interna restrito à demanda do próprio Exército Brasileiro inviabilizava economicamente um projeto dessa magnitude. Em resposta, a Engesa propôs o desenvolvimento de um Carro de Combate Principal (MBT – Main Battle Tank), de peso superior a 40 toneladas, visando também o mercado de exportação, em especial o Oriente Médio. Essa decisão, contudo, gerou divergências técnicas e conceituais com o Exército. O Centro Tecnológico do Exército (CTEx) alertava que veículos com mais de 40 toneladas e largura superior a 3,5 metros poderiam enfrentar sérias restrições logísticas no território nacional em especial nas malhas rodoviária e ferroviária , além de apresentarem custos de aquisição e manutenção significativamente mais elevados. Apesar das divergências, prevaleceu o entendimento de que o projeto representava uma oportunidade estratégica para consolidar a capacidade industrial de defesa do Brasil. Assim, foi estabelecida uma parceria formal entre a Engesa e o governo federal, com acompanhamento técnico direto dos engenheiros militares do Centro Tecnológico do Exército (CTEx). Os trabalhos começaram em 1982, empregando recursos tecnológicos de ponta, como o sistema de desenho assistido por computador CAD/CAM, algo inédito na indústria bélica nacional.
Em 1983, foi concluído o mock-up em escala real do novo blindado, seguido pela construção do primeiro chassi funcional, que realizou seus testes iniciais em setembro de 1984. O protótipo recebeu a designação P.0 e o apelido informal de “Cachaça”, em alusão à tradicional bebida brasileira. Para fins de simulação, foi equipado com uma torre e um canhão falsos, pintura camuflada e marcações do Exército Brasileiro, possibilitando testes realistas em campo. No plano estratégico da Engesa, o projeto do blindado denominado EE-T1 “Osório” — foi estruturado em duas versões distintas: Versão para exportação: configurada com sistemas e componentes de alta tecnologia, destinados a atender às exigências do mercado internacional, com destaque para a concorrência promovida pelo governo da Arábia Saudita. Versão para o Exército Brasileiro: concebida em configuração simplificada, priorizando a viabilidade econômica, a manutenção facilitada e a adaptação às condições operacionais do país. O Carro Principal de Combate (Main Battle Tank – MBT) desenvolvido pela Engesa S.A. recebeu a designação EE-T1 P1, sendo oficialmente batizado como “Osório”, em homenagem ao General Manuel Luís Osório, Marquês do Herval, patrono da Arma de Cavalaria do Exército Brasileiro. A escolha do nome não apenas prestava tributo a um dos maiores heróis militares do país, como também simbolizava o espírito de independência tecnológica e de soberania industrial que movia o projeto — um marco na busca por autonomia nacional na área de defesa durante os anos 1980. O EE-T1 Osório foi concebido com o que havia de mais moderno à época. Seu armamento principal consistia no consagrado canhão britânico Royal Ordnance L7, de 105 mm e alma raiada, amplamente utilizado por diversas nações membros da OTAN. O sistema de controle de tiro Marconi Centaur proporcionava elevada precisão, mesmo em movimento, enquanto os periscópios OiP LRS-5DN (para o comandante) e OiP LRS-5DNLC (para o atirador), ambos dotados de visão noturna, asseguravam plena capacidade de operação em condições de baixa luminosidade. A torre, de concepção avançada, integrava sensores de alta sensibilidade acoplados ao sistema de controle de fogo, conferindo ao veículo uma notável precisão balística. Para defesa secundária, o Osório podia receber uma metralhadora Hughes EX-34 de 7,62 x 51 mm (acionada por corrente), além de uma arma coaxial, que variava entre uma Browning M2HB de 12,7 x 99 mm ou uma FN MAG de 7,62 x 51 mm, conforme o perfil da missão. O grupo motriz adotado era idêntico ao da versão destinada à exportação, incluindo a viabilidade de nacionalização progressiva uma vez que os fabricantes do motor e da transmissão já possuíam instalações no território brasileiro. Essa característica refletia o planejamento estratégico da Engesa S/A de fomentar a autossuficiência industrial e reduzir a dependência de componentes estrangeiros.

Entre 16 de dezembro de 1986 e 14 de abril de 1987, o EE-T1 Osório foi submetido a um rigoroso programa de testes de campo, supervisionado pelo Exército Brasileiro. Ao longo das avaliações, o protótipo percorreu 3.296 km, dos quais 750 km foram realizados sob condições severas no Campo de Provas de Marambaia, no Rio de Janeiro, a fim de verificar sua mobilidade em terrenos desafiadores. Foram efetuados 50 disparos com o canhão de 105 mm, todos com excelente desempenho em precisão e confiabilidade. Os resultados foram consolidados em dois relatórios oficiais: o Relatório Técnico do Exército (RETEx) e o Relatório Técnico Operacional (RETOp). Ambos apresentaram avaliações extremamente positivas, destacando a excepcional mobilidade, precisão e robustez do veículo. O desempenho do EE-T1 Osório superou as expectativas do Exército, gerando entusiasmo entre os engenheiros militares e reforçando o prestígio da Engesa como expoente da indústria bélica nacional. Apesar do êxito técnico, o projeto enfrentou obstáculos de natureza doutrinária e estratégica. O Exército Brasileiro, cuja doutrina à época era essencialmente defensiva e voltada à proteção territorial, não priorizava a adoção de um carro de combate pesado, considerado de caráter ofensivo. Além disso, a política externa brasileira, marcada pela neutralidade e pela não intervenção em conflitos internacionais, reduzia o ímpeto político para a aquisição de um MBT de grande porte. Essas divergências conceituais, somadas às restrições orçamentárias e à ausência de uma diretriz clara de reequipamento, acabaram por limitar as perspectivas de adoção do EE-T1 Osório pelo Exército Brasileiro. Ainda assim, o projeto consolidou-se como um símbolo do auge tecnológico da indústria nacional de defesa, representando o ponto culminante da engenhosidade e da ambição da Engesa em colocar o Brasil entre os países capazes de produzir seus próprios carros principais de combate. A decisão do Exército Brasileiro de não adotar o Carro Principal de Combate (Main Battle Tank – MBT) EE-T1 Osório, desenvolvido pela Engesa S.A., foi fortemente influenciada por fatores econômicos, políticos e doutrinários. O principal deles residia no elevado custo de aquisição do veículo, inicialmente estimado em US$ 1,5 milhão por unidade, mas que, em 1987, já alcançava aproximadamente US$ 4 milhões, sem incluir despesas de manutenção, treinamento e operação. Esses valores mostraram-se incompatíveis com as severas restrições orçamentárias enfrentadas pela Força Terrestre, em um período em que o Brasil atravessava uma profunda crise econômica, marcada por inflação crônica, endividamento externo e cortes nos investimentos públicos. A carência de recursos inviabilizou a incorporação do Osório às fileiras do Exército, resultando na estagnação do programa nacional de carros de combate. Esse revés foi agravado pela frustração de uma promissora negociação internacional: a Arábia Saudita, que avaliava a aquisição de 316 unidades do EE-T1, cancelou a concorrência que poderia ter movimentado cerca de US$ 15 bilhões (em valores ajustados para 2020).
Essa perda representou um golpe devastador para a Engesa, que havia direcionado boa parte de seus esforços técnicos e financeiros à concretização dessa venda. As estimativas de custo de desenvolvimento do EE-T1 Osório variavam entre US$ 50 milhões e US$ 150 milhões, valores expressivos para uma empresa nacional de capital privado. A ausência de um apoio institucional robusto do governo brasileiro, aliada à percepção negativa no mercado internacional — de que o próprio Exército não demonstrava interesse pelo blindado —, acabou afastando eventuais compradores estrangeiros. A situação financeira da Engesa deteriorou-se rapidamente, agravada por uma inadimplência de aproximadamente US$ 200 milhões do governo iraquiano, então um de seus principais clientes no setor de defesa. A empresa ainda acalentava esperanças de obter auxílio financeiro do Governo Federal, mas esse apoio não se concretizou, sobretudo em um momento em que o país buscava o reequilíbrio fiscal e a redução dos gastos públicos. Em março de 1990, a Engesa protocolou um pedido de concordata preventiva, marcando o início de uma fase de declínio irreversível. Dois anos depois, a imprensa já descrevia o estado da empresa como pré-falimentar, destacando seu endividamento crescente, incapacidade de cumprir contratos e sucessivas demissões em massa. Em 1993, foi decretada oficialmente a falência da Engesa S.A., encerrando-se um dos capítulos mais emblemáticos da história da indústria bélica nacional. O desfecho teve consequências profundas. O rico acervo técnico e industrial acumulado pela empresa — fruto de décadas de pesquisa, inovação e experiência — foi disperso ou perdido. Grande parte dos equipamentos e maquinários foi vendida como sucata, enquanto a biblioteca técnica, que reunia documentação inédita sobre projetos de blindados e sistemas de defesa, foi destruída e comercializada por peso. Entre 1993 e 1995, quatro leilões judiciais liquidaram os principais ativos físicos da Engesa, incluindo suas unidades em São José dos Campos e Barueri (SP). Os engenheiros, técnicos e operários que compunham o corpo da empresa tiveram destinos variados: muitos abandonaram o setor de defesa, alguns migraram para o exterior, levando consigo um conhecimento técnico que dificilmente seria recuperado. A falência da Engesa não representou apenas o encerramento de uma companhia, mas a dissolução de um projeto nacional de soberania tecnológica, que havia colocado o Brasil entre os poucos países do mundo capazes de projetar e construir seus próprios carros principais de combate. Em retrospecto, a queda da Engesa não decorreu unicamente da perda da concorrência saudita, mas foi o resultado de uma crise estrutural e financeira latente, agravada pela dependência de contratos externos, pela ausência de uma política de defesa contínua e pela falta de apoio estatal em um mercado global extremamente competitivo. Assim, o destino do EE-T1 Osório e de sua fabricante acabou simbolizando o fim de uma era de ambição industrial e autoconfiança tecnológica que marcou o auge da indústria de defesa brasileira nos anos 1980.
Durante o processo de concordata da Engesa S.A., diversos protótipos de veículos militares foram desmantelados, com seus componentes importados — como canhões, sistemas optrônicos, motores e transmissões — devolvidos aos fabricantes estrangeiros como forma de pagamento de dívidas. As carcaças remanescentes foram sucateadas, restando apenas alguns exemplares incompletos em posse de colecionadores, incluindo o EE-18 Sucuri II, o EE-T4 Ogum e outros caminhões e blindados. O protótipo de pré-série EE-T1 Osório P.0 foi vendido como sucata, com seus componentes importados também devolvidos para aliviar os débitos da empresa. Como o governo brasileiro era um dos principais credores da massa falida da Engesa, uma decisão judicial determinou que grande parte dos ativos, peças de reposição e veículos fosse incorporada ao Exército Brasileiro. Entre os equipamentos transferidos estavam dois EE-3 Jararaca, um EE-T4 Ogum (P.1), um EE-11 Urutu e os dois protótipos do EE-T1 Osório: o P.1 (equipado com canhão de 105 mm) e o P.2, também conhecido como EE-T2 Al Fahd (equipado com canhão de 120 mm). Esses dois carros de combate foram colocados sob a custódia do 13º Regimento de Cavalaria Mecanizado (RCMec), em Pirassununga, SP, onde permaneceram armazenados, sem integração às operações da unidade. Em atendimento a exigências judiciais, os protótipos EE-T1 Osório P.1 e P.2 estavam programados para serem leiloados em 20 de novembro de 2002, como parte do processo de pagamento aos credores privados da massa falida. Contudo, a pedido do Exército Brasileiro, o Ministério Público de São Paulo interpôs uma ação cautelar que impediu com sucesso a venda dos veículos a terceiros. Em 2003, os dois protótipos foram oficialmente entregues ao 2º Regimento de Carros de Combate, em Pirassununga, onde foram entronizados, garantindo sua preservação em estado operacional. Essa medida assegurou que os veículos permanecessem como um tributo à capacidade tecnológica brasileira e como referência para o desenvolvimento futuro da arma blindada no Brasil. Em 2013, um dos protótipos do EE-T1 Osório foi transferido para o acervo do Museu Militar Conde de Linhares, no Rio de Janeiro, onde passou a integrar a coleção de itens históricos. O outro foi enviado ao Centro de Instrução de Blindados (CIBld), em Santa Maria, RS, para fins educacionais e de preservação. No início de 2024, foi iniciada uma operação de restauração dos dois protótipos, conduzida pelo Parque Regional de Manutenção/5 (Pq R Mnt/5), em Curitiba, PR. Em abril de 2024, o EE-T1 Osório P.1 recuperou seu status operacional, marcando um esforço significativo para manter o legado do projeto. Embora o EE-T1 Osório não tenha alcançado sucesso comercial, ele permanece um marco na história da indústria de defesa brasileira. O veículo demonstrou a capacidade do Brasil de desenvolver tecnologia militar avançada, posicionando o país como um ator relevante no cenário global de produção de carros de combate. Apesar de sua breve trajetória, o Osório deixou um legado de orgulho e conhecimento técnico, servindo como testemunho do talento e da competência dos engenheiros brasileiros no setor de defesa. A preservação dos protótipos assegura que futuras gerações possam reconhecer e se inspirar nesse feito, enquanto o veículo continua a contribuir para a evolução doutrinária e tecnológica da arma blindada no Brasil.
Em Escala:
Para representar o protótipo Engesa EE-T2 Osório (P.2), registrado como "EB 346606180", foi utilizado o kit da Trumpeter na escala 1/35. Este modelo, embora detalhado, exigiu uma série de modificações para retratar com precisão as características específicas do protótipo. As alterações foram implementadas para garantir a fidelidade histórica e estética em relação ao veículo original. Os emblemas e marcações do EE-T2 Osório foram reproduzidos utilizando uma combinação de decais originais fornecidos com o kit da Trumpeter e complementos do conjunto "Exército Brasileiro 1983-2002", produzido pela Eletric Products.
O esquema de cores descrito, conforme o padrão Federal Standard (FS), corresponde ao segundo padrão de pintura aplicado ao protótipo Engesa EE-T2 Osório (P.2) após seu retorno dos testes realizados na Arábia Saudita em 1987. Este padrão foi adotado para adequar o veículo às especificações visuais do Exército Brasileiro, refletindo as diretrizes de camuflagem utilizadas na época. O primeiro protótipo, EE-T2 Osório (P.1), foi submetido a dois padrões distintos de camuflagem tática em dois tons ao longo de sua trajetória. O último desses padrões foi alinhado ao esquema de camuflagem predominante nos veículos do Exército Brasileiro, garantindo uniformidade visual com a frota militar nacional. 
Bibliografia:
- Blindados no Brasil - Um Longo e Árduo Aprendizado - Volume I , por Expedito Carlos Stephani Bastos
- Blindados no Brasil - Um Longo e Árduo Aprendizado - Volume II, por Expedito Carlos Stephani Bastos
- Engesa – Lexicar - http://www.lexicarbrasil.com.br/engesa/