Schneider - Cannet 75 mm

História e Desenvolvimento.
Em 1836, os irmãos Adolphe Schneider (1802-1845) e Joseph-Eugène Schneider (1805-1875), originários de uma família lorraine, fundaram a Schneider, Frères & Cie., uma sociedade em comandita por ações, na cidade de Le Creusot, na Borgonha, França. A empresa nasceu com a aquisição das forjas e fundições locais, que estavam em falência, em parceria com o banqueiro François-Alexandre Seillière e Louis Boigues, proprietário das Forges de Fourchambault. A escolha de Le Creusot foi estratégica, uma vez que a região dispunha de minas de carvão e minério de ferro em um perímetro próximo, além de acesso ao Canal du Centre, que facilitava o transporte de matérias-primas e produtos acabados. Este contexto, aliado ao início da Revolução Industrial na França e ao surgimento das ferrovias, ofereceu um cenário promissor para o desenvolvimento industrial. Os irmãos Schneider, apesar de não possuírem formação técnica formal, demonstraram visão empreendedora e conhecimento financeiro, adquiridos em parte por meio de cursos no Conservatoire des Arts et Métiers em Paris. Adolphe assumiu a gestão administrativa e comercial, enquanto Eugène focava nos aspectos técnicos e operacionais, estabelecendo uma divisão de papéis que impulsionou o crescimento inicial da empresa. A Schneider, Frères & Cie. foi criada com a ambição de modernizar a indústria metalúrgica francesa, aproveitando as inovações britânicas, como a produção de aço e a construção de locomotivas. A partir de 1837, a empresa iniciou um processo de modernização dos equipamentos industriais, com a introdução de altos-fornos alimentados a coque, fornos de pudlagem mecanizados e o uso do marteau-pilon (martelo-pilão), inventado pelo engenheiro François Bourdon. Em 1838, a Schneider, Frères & Cie. produziu a primeira locomotiva a vapor fabricada na França, batizada de La Gironde, destinada à Compagnie du Chemin de Fer Paris–Versailles. Este feito colocou a empresa em competição direta com as indústrias britânicas, consolidando sua reputação no setor ferroviário. Além de locomotivas, a empresa fabricava trilhos, pontes metálicas e estruturas para estações de trem, atendendo à crescente demanda por infraestrutura ferroviária na França e no exterior, incluindo Itália, Espanha e o Império Russo. A empresa também investiu na integração vertical, controlando desde a extração de minério e carvão até a produção de produtos acabados. Foram adquiridas minas de carvão no bassin de Blanzy e de minério de ferro na Nièvre e na vallée de la Dheune, garantindo a segurança no fornecimento de matérias-primas. A criação de ateliers de mecânica e montagem em Le Creusot, apoiados por escritórios de projetos internos, permitiu à empresa desenvolver suas próprias máquinas-ferramentas, uma inovação que a destacou como pioneira na França.

Em 1845, a trajetória da empresa sofreu um revés com a morte acidental de Adolphe Schneider, vítima de um acidente a cavalo. Eugène assumiu sozinho a liderança, renomeando a empresa para Schneider & Cie.. Apesar da perda, Eugène demonstrou habilidade em manter o crescimento da companhia, expandindo suas operações e consolidando sua influência econômica e política. Sob a liderança de Eugène Schneider, a Schneider & Cie. tornou-se um dos principais grupos industriais da França no século XIX. A empresa diversificou sua produção, entrando nos setores de armamentos, construção naval e engenharia pesada. Após a derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), o governo francês solicitou a retomada da produção de armamentos, já que os canhões de aço prussianos haviam se mostrado superiores. A Schneider & Cie. respondeu com a fabricação de canhões, blindagens e novos tipos de aço, como o aço ao níquel, utilizado em armamentos e navios. A empresa também se destacou na construção naval, produzindo navios de guerra e componentes para estaleiros, como os Forges et Chantiers de la Gironde, controlados pelo grupo entre 1882 e 1927. No setor ferroviário, a Schneider & Cie. exportava locomotivas para mercados internacionais, incluindo a Rússia, onde participou da construção da Ferrovia Transiberiana. Em 1876, a aquisição de um marteau-pilon de 100 toneladas reforçou a capacidade da empresa de produzir peças de grande porte, como eixos para navios e canhões.Eugène Schneider implementou uma política paternalista em Le Creusot, construindo moradias, escolas, hospitais e igrejas para os trabalhadores, que chegaram a 10.000 no auge do século XIX. Essa abordagem, embora visasse melhorar as condições de vida, também buscava manter o controle social, evitando a disseminação de ideias socialistas e greves. A influência política da família Schneider era igualmente notável: Eugène foi ministro da Agricultura e Comércio (1851), deputado, prefeito de Le Creusot e presidente do Corps Législatif, transformando a cidade em um feudo industrial e político. Em 1856, os habitantes de Le Creusot chegaram a propor renomear a cidade como Schneiderville, um testemunho do impacto da família na região. Após a morte de Eugène Schneider em 1875, seu filho Henri Schneider (1840-1898) assumiu a liderança da empresa. Henri continuou a modernização tecnológica, adotando processos como os convertidores Bessemer e os fornos Martin para a produção de aço. Sob sua gestão, a Schneider & Cie. intensificou a exportação de armamentos, aproveitando a Lei de 1884, que autorizava a venda de equipamentos militares para o exterior. Canhões como o Longtom (brevet Canet Schneider) foram fornecidos a exércitos estrangeiros, incluindo o do Transvaal, e demonstraram superioridade em conflitos contra os britânicos.
Após a derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), que revelou a superioridade dos canhões de aço prussianos, a França buscou modernizar seu arsenal militar. Nesse contexto, a Schneider, Frères & Cie., sob a liderança de Henri Schneider, filho de um dos fundadores, Eugène Schneider, identificou uma oportunidade estratégica ao investir no setor de armamentos. A partir da década de 1870, a empresa, sediada em Le Creusot, na Borgonha, reorientou parte de suas operações para o desenvolvimento e fabricação de uma ampla gama de canhões e morteiros, marcando o início de sua trajetória como uma das principais fabricantes de artilharia da Europa. Este movimento foi impulsionado pela necessidade de fortalecer a defesa nacional em um período de tensões geopolíticas e avanços tecnológicos na metalurgia e na engenharia. A Schneider & Cie., já reconhecida por sua expertise em siderurgia, ferrovias e construção naval, aproveitou sua capacidade industrial para atender às demandas do Exército Francês (Armée de Terre). A decisão de Henri Schneider de diversificar as atividades da empresa reflete a visão de consolidar a Schneider & Cie. como um pilar da indústria de defesa francesa, em um momento em que a Revolução Industrial transformava a produção militar em escala global. Em 1897, a Schneider & Cie. deu um passo decisivo para consolidar sua posição no setor de artilharia ao adquirir as Forges et Chantiers de la Méditerranée, localizadas em Le Havre, na Normandia. Essa aquisição trouxe à empresa uma equipe altamente qualificada de engenheiros e projetistas, além de tecnologias avançadas, especialmente no desenvolvimento de canhões sem recuo. A integração do conhecimento técnico das Forges du Méditerranée permitiu à Schneider & Cie. absorver rapidamente um know-how especializado, posicionando-a como uma das líderes no mercado de armamentos. Um dos principais protagonistas dessa fase foi o engenheiro Gustave Canet, originalmente ligado às Forges du Méditerranée. Canet, cuja genialidade técnica foi reconhecida internacionalmente, tornou-se uma figura central na Schneider & Cie., ocupando cargos como diretor de artilharia em Le Creusot e, posteriormente, diretor honorário da divisão de artilharia. Sob sua liderança, a empresa desenvolveu a emblemática família de canhões Canet-Schneider, produzida em diversos calibres para aplicações terrestres e navais. Esses canhões combinaram inovações em materiais, como o aço de alta resistência, com designs avançados, garantindo precisão e confiabilidade.

A maior contribuição da Schneider & Cie. para a história da artilharia moderna ocorreu na transição do século XIX para o século XX, com o desenvolvimento do canhão Schneider-Canet de 75 mm, introduzido em 1906. Este modelo revolucionou a artilharia de campanha ao incorporar tecnologias inovadoras que o tornaram um marco na evolução das armas de fogo rápido. Projetado por Gustave Canet, o canhão foi construído inteiramente em aço rápido, com um tubo estriado e carregamento pela culatra, características que garantiam maior eficiência e velocidade de disparo. O Schneider-Canet de 75 mm destacou-se por seu sistema de amortecimento de recuo, composto por um freio hidráulico e um recuperador hidropneumático, que recolocava a peça automaticamente na posição de tiro após cada disparo. Essa inovação, concebida por Canet, permitiu a operação no modo de tiro rápido, com uma cadência de 10 a 20 disparos por minuto — ou até 30 disparos com uma equipe altamente treinada. Em comparação, os canhões de reparo fixo da época, como o Canet M-890 de 100 mm (introduzido em 1896), permitiam apenas um disparo a cada 10 minutos, evidenciando a superioridade do novo modelo. O sistema de recuo do Schneider-Canet de 75 mm utilizava mecanismos hidropneumáticos que absorviam a energia do disparo, movendo o barril e seu trenó sobre um berço de aço cromo-níquel. Após o disparo, o canhão retornava à posição inicial sem necessidade de realinhamento, mantendo a direção de tiro precisa. Os dispositivos de mira, montados diretamente no berço, permaneciam alinhados, facilitando ajustes rápidos e aumentando a eficiência operacional. O canhão possuía um barril de aço-níquel forjado e temperado, com um tubo interno, duas mangas e uma abraçadeira de ferro, além de uma alma raiada com 30 estrias progressivas, que conferiam maior velocidade inicial ao projétil. O sistema de fechamento da culatra, com parafusos de dois setores lisos e dois roscados, permitia abertura e fechamento rápidos, com ejeção automática da baia. O Schneider-Canet de 75 mm podia disparar três tipos de projéteis, todos com 6,5 kg: granadas comuns, granadas de estilhaços e uma granada de alto explosivo, ideal para atacar fortificações. Essas características tornaram o canhão significativamente mais leve, preciso e eficiente em comparação com concorrentes, como os modelos franceses Saint-Chamond e alemães Krupp de 75 mm. O Schneider-Canet de 75 mm foi rapidamente adotado pelo Exército Francês, que celebrou um grande contrato de aquisição em 1906 para substituir e complementar modelos obsoletos, como o Canet M-890 de 100 mm. 
As primeiras unidades começaram a ser entregues no mesmo ano, marcando o início de um processo de modernização da artilharia francesa. O sucesso do canhão não se limitou à França: sua reputação atraiu contratos de exportação para diversos países, com destaque para a Espanha, que se tornou um dos maiores usuários do modelo na primeira década do século XX. A partir de 1909, a Espanha passou a produzir o canhão e suas munições sob licença, consolidando a influência da Schneider & Cie. no mercado internacional. O Schneider-Canet de 75 mm foi amplamente reconhecido como o ápice da tecnologia de artilharia de campanha de tiro rápido em sua época. Sua superioridade técnica, aliada à capacidade de produção em escala da Schneider & Cie., garantiu sua adoção em diversos exércitos e sua utilização em conflitos do início do século XX, incluindo a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), onde demonstrou eficácia em operações de campo. Seu baixo peso total, acabaria o tornando ideal para o emprego como canhão de montanha, até então a movimentação e operação de peças de artilharia em regiões montanhosas representava desde sempre grandes dificuldades aos homens da arma de artilharia. As peças de grande calibre, habitualmente mais eficazes, eram pesadas demais para poderem tracionadas por animais, limitando assim o poder ofensivo neste tipo de campo de batalha. Assim os primeiros exercícios com os canhões Schneider Canner 75 mm, teriam início em regiões de relevo irregular a partir de meados do ano de 1909, e seus promissores resultados levariam a imediata aprovação e consequente celebração de grandes contratos e produção. Sua incorporação pelo Exército Frances (Armée de Terre), levaria a gradual substituição dos canhões Schneider 65 mm modelo 1906.  O modelo logo conquistaria diversos contratos de exportação, com seu batismo de fogo ocorrendo em 1909, sendo empregados pelo Exército Espanhol (Ejército de Tierra) durante a Guerra Melilla deflagrada entre os meses de julho e dezembro. Este seria o primeiro registro de uma longa carreira de empregos em conflitos militares no século XX, com destaque na Primeira Guerra Mundial, Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial e outros conflitos regionais de importância relevante. Os canhões Schneider Cannet 75 mm além da Espanha, seriam exportados para o Brasil, Polônia, Grécia, Brasil, Paraguai, Iugoslávia e Estados Unidos, com muitos destes se mantendo em emprego até meados da década de 1960. 

Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
A artilharia brasileira, enraizada nas lutas coloniais e consolidada após a Independência de 1822, é um pilar da história militar do país, marcada por momentos de bravura, inovação e resiliência. As origens da artilharia brasileira remontam ao período colonial, quando brasileiros se mobilizaram em conflitos como as Batalhas de Guararapes, enfrentando forças holandesas em Pernambuco com táticas rudimentares, mas corajosas. Após a Independência, em 1822, a artilharia de campanha começou a se estruturar como uma arma organizada, ganhando prestígio no Império do Brasil. Diferentemente da infantaria e da cavalaria, que exigiam menos anos de formação, a artilharia demandava treinamento completo na Academia Militar do Império, refletindo sua complexidade técnica. Os artilheiros, muitas vezes jovens oficiais, dedicavam-se a dominar cálculos balísticos e manobras táticas, forjando uma tradição de excelência que marcaria gerações. O auge desse período foi a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), onde a artilharia brasileira, sob o comando do Marechal Emílio Luís Mallet, se destacou na Batalha de Tuiuti (1866), a maior batalha campal da América do Sul. Apelidada de “Artilharia Revólver” por sua precisão e rapidez, a força brasileira, protegida por um fosso tático inovador, resistiu a ataques paraguaios com uma determinação eternizada na frase de Mallet: “Eles que venham! Por aqui não passam!”. Nascido na França em 1801 e naturalizado brasileiro, Mallet comandou com destreza, sendo promovido a brigadeiro por mérito e agraciado com o título de Barão de Itapevi em 1878, ascendendo a marechal em 1885. Sua liderança transformou a artilharia em um símbolo de orgulho nacional, inspirando gerações de artilheiros. A influência da Friedrich Krupp AG no Brasil começou em 1872, com a aquisição dos primeiros canhões de campanha de 75 mm, destinados aos Regimentos de Artilharia a Cavalo. Essas peças, fabricadas em Essen, Alemanha, representavam o auge da tecnologia bélica, superando os canhões franceses La Hitte, que até então equipavam o arsenal brasileiro. Na década de 1880, o Exército Imperial recebeu mais três dezenas de canhões Krupp 75 mm Modelo 1895, recomendados pelo Conde d’Eu, Comandante Geral da Artilharia e presidente da Comissão de Melhoramento de Material do Exército. Como genro do Imperador Dom Pedro II, o Conde d’Eu desempenhava um papel central como conselheiro militar, defendendo a superioridade dos canhões alemães, que alcançavam até 12.000 metros, uma melhoria significativa em relação aos modelos anteriores. A adoção em larga escala dos canhões Krupp marcou uma virada na modernização do Exército Brasileiro, recuperando o potencial militar após anos de estagnação. Para os artilheiros, operar essas armas era um desafio que exigia precisão e treinamento. Em exercícios nos campos de treinamento do Rio de Janeiro, equipes de cinco a sete homens carregavam projéteis de 6,5 kg, ajustavam sistemas de mira e disparavam sob o calor carioca, fortalecendo a camaradagem. Ironicamente, os canhões recomendados pelo Conde d’Eu foram usados contra uma rebelião monarquista na Guerra de Canudos (1896-1897), onde provaram sua eficácia em combates reais, apesar das condições adversas do sertão baiano.

No início do século XX, o Exército Brasileiro enfrentava desafios significativos decorrentes da obsolescência de seus armamentos e doutrinas militares. As limitações técnicas haviam sido expostas durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), o maior conflito da América do Sul, e confirmadas na Campanha de Canudos (1896-1897), que revelou a inadequação do arsenal brasileiro frente às demandas de combates modernos. Os canhões Krupp de 75 mm, adquiridos em 1872 e 1895, embora inovadores em sua época, já não acompanhavam os avanços tecnológicos da artilharia global, como os sistemas de recuo hidropneumático e a maior mobilidade exigida pelas táticas contemporâneas. Este cenário refletia não apenas a ausência de uma indústria bélica nacional, mas também a dependência de importações e a necessidade urgente de modernização para alinhar o Brasil às potências militares da época. A transformação do Exército Brasileiro ganhou impulso com a liderança de figuras visionárias, como os Marechais João Nepomuceno de Medeiros Mallet, Francisco de Paula Argolo e, sobretudo, Hermes da Fonseca, que, com o apoio do Barão do Rio Branco, então Ministro das Relações Exteriores, impulsionaram a chamada Reforma Hermes (1900-1908). Este processo de reestruturação, conduzido durante o governo de Rodrigues Alves e intensificado sob a presidência de Afonso Pena, buscava reposicionar o Exército como uma força moderna, capaz de responder aos desafios estratégicos do novo século. Inspirado pelo modelo do Exército Prussiano, particularmente pelo sistema de Estado-Maior desenvolvido por Helmuth von Moltke, Hermes da Fonseca defendia a necessidade de equipar o Brasil com armamentos de ponta e adotar uma organização militar baseada na disciplina, na eficiência e na inovação tecnológica. A Reforma Hermes incluiu a reorganização territorial do país, com a divisão em 21 regiões para alistamento militar e 13 para inspeção, além da criação e regulamentação do Estado-Maior do Exército, um órgão central para planejamento estratégico e coordenação operacional. Essas medidas visavam não apenas modernizar a estrutura militar, mas também fortalecer a soberania nacional em um contexto de crescente influência geopolítica do Brasil na América do Sul. Reconhecendo a inexistência de uma indústria bélica nacional capaz de suprir as necessidades do Exército, Hermes da Fonseca organizou, em agosto de 1908, uma missão militar à Europa, com destino à Alemanha e à França, dois dos principais centros de tecnologia militar da época. A missão, composta por oficiais de alto escalão, tinha como objetivo identificar fornecedores de armamentos modernos e estabelecer parcerias para a transferência de conhecimentos técnicos e profissionais, essenciais para a capacitação do Exército Brasileiro. Os resultados dessa missão foram expressivos, culminando na aquisição de um vasto arsenal de equipamentos destinados a renovar as capacidades da infantaria, cavalaria e artilharia. Para a infantaria, foram adquiridos 400.000 fuzis Mauser de calibre 7 mm, fabricados na Alemanha, reconhecidos por sua precisão e confiabilidade. A cavalaria foi equipada com 10.000 lanças Ehrhardt, 20.000 espadas e 10.000 mosquetões, adaptados às táticas de combate montado. 
A artilharia de campanha recebeu duas baterias de canhões Krupp 75 mm Modelo 1908, seis baterias de canhões Krupp 75 mm de montanha, projetados para mobilidade em terrenos acidentados, e cinco baterias de obuses Krupp 105 mm, ideais para fogo de apoio. A Marinha do Brasil também foi beneficiada com a aquisição de peças de artilharia de costa Schneider-Canet C-50 1902 de 150 mm, conhecidas pelo sistema de tiro rápido, que combinava carregamento pela culatra e mecanismos de recuo hidropneumático. Essas peças foram instaladas em fortificações estratégicas, como a Fortaleza de Copacabana, no Rio de Janeiro, então Capital Federal, e em seis conjuntos destinados às defesas costeiras de Santos, no litoral de São Paulo. Em Santos, os canhões Schneider-Canet operavam em conjunto com quatro obuses Krupp 280 mm C-16 Modelo 1912, formando um sistema robusto de defesa costeira. Embora as aquisições de 1908 representassem um marco na modernização militar, os canhões Schneider-Canet já integravam o arsenal brasileiro desde o final do século XIX. Durante a década de 1890, o Exército Brasileiro havia incorporado baterias equipadas com os canhões Canet M-890 de 100 mm e Canet M-897 de 75 mm, fabricados pela Schneider & Cie. em Le Creusot, França. Esses modelos, embora menos avançados que o Schneider-Canet de 75 mm introduzido em 1906, já demonstravam a qualidade técnica da empresa francesa, conhecida por sua liderança em artilharia de tiro rápido. A presença desses canhões no Brasil evidenciava a confiança do Exército nas tecnologias da Schneider & Cie., reforçada pelas novas aquisições no início do século XX. Durante os anos vindouros a adoção destas novas peças de artilharia de origem alemã e francesa em muito iram modificar o patamar operacional brasileiro, sendo postos a prova em uma série de eventos de revoltas ou insurreições regionais, como a “Guerra do Contestado” ocorrida nos estados do Paraná e Santa Catarina durante o ano de 1912.  Apesar destes significativos avanços, o eclodir da Primeira Guerra Mundial em 1914, traria grandes avanços não só em tecnologia de armas, mas também na doutrina militar, elevando os patamares da guerra moderna. Esta nova realidade rapidamente relegaria o Exército Brasileiro a patamar operacional inferior ao vigente a partir do ano de 1918, suscitando assim a necessidade de um novo ciclo de atualização.  As preocupações em torno da obsolescência doutrinariam e de material das Forças Armadas Brasileiras, eram fundamentadas principalmente pelo rápido desenvolvimento econômico e militar da Argentina, que passava a representar a principal hipotética ameaça ao pais. Assim com o objetivo de reverter este cenário crítico a partir do segundo semestre de 1918, o governo brasileiro passaria a buscar alternativas para a implementação deste novo ciclo de desenvolvimento militar. Neste intuito seriam conduzidos diálogos junto ao governo francês a fim de estudar a contratação de uma assessoria militar que pudesse conduzir este processo. Estas negociações já em um estágio avançado ocorreriam em Paris, entre o adido militar brasileiro na França, coronel Malan d’Angrogne, e o ministro da Guerra francês, Georges Clemenceau. Paralelamente seria enviado ao Brasil o general Maurice Gamelin, em uma missão de levantamento de perspectivas sobre o real cenário das Forças Armadas Brasileiras, visando assim melhor embasar a proposta francesa. 

O contrato seria assinado poucos meses depois na capital francesa, sendo ratificado logo em seguida no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, criando assim oficialmente a “Missão Militar Francesa”. Os termos do contrato estipulavam que oficiais franceses comandariam durante quatro anos as escolas de Estado-Maior (EEM), de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), de Intendência e Veterinária. Em contrapartida o Brasil se comprometeria a privilegiar a indústria francesa em seus processos de aquisição de armas e equipamentos militares, desde que as condições comerciais e prazos de entrega fossem no mínimo equivalentes as propostas apresentadas por empresa de outros países. Para o Brasil, este contrato representaria um grande passo na direção da profissionalização e modernização de suas forças armadas, novamente equalizando a balança militar na América do Sul. Este processo começaria a ser consolidado a partir de meados de 1921, com a adoção de novos regulamentos destinados à Direção e Emprego das Grandes Unidades, ao Exercício e Emprego da Artilharia e ao Serviço de Estado-Maior em Campanha. As primeiras percepções levantadas pelos comandantes da “Missão Militar Francesa” apontavam a necessidade modernização de uma série equipamento e armas, sendo listadas as prioridades e as quantidade mínimas que deveriam ser incorporadas. Uma concorrência internacional seria aberta e atendendo ao preceito estabelecido anteriormente, as propostas apresentadas pela indústria militar francesa seriam preferenciadas. Em termos da arma de artilharia de campanha seriam adquiridos um grande número de canhões, incluindo vários modelos fabricados pela empresa Schneider - Creusot Fréres & Cie, entre estes os modelos C-50 1902 de 150 mm (emprego terrestre e ferroviário), Schneider 75/28 modelo 1906 de 75 mm e C-18 - 6 Modelo 1919 de 75 mm (canhão de montanha), com dois estes últimos modelos, encomendados e recebidos durante o ano de 1923. Para o atendimento as necessidades do Exército Brasileiro que na época era em sua maioria hipomóvel, os canhões de campanha Schneider-Canet seriam recebidos com rodas de madeira, sendo destinados então a equipar as a equipar as unidades de cavalaria de fronteira. Seguindo os padrões franceses as unidades de cavalaria seriam compostas por baterias com quatro canhões de 75 mm, quatro carros de munição (cada arma podia carregar trinta e oito munições na carroça de tração, sendo complementadas com mais sessenta unidades no carro de munição), um carro de apoio (com ferramental) e por fim um carro forja, com a função de assegurar a manutenção das peças em campanha e os reparos nos carros de tração e de serviço. Estas baterias seriam operadas por um efetivo de três oficiais, dez sargentos e cento e vinte e um praças, demandando trinta e nove cavalos e noventa e seis muares para a tração das peças e do pessoal. Os canhões de montanha Schneider-Canet 75 mm, caracterizados por serem peças pequenas, leves e de fácil transporte, trouxeram diversos benefícios à artilharia de campanha, com o fator principal de seu rápido emprego em qualquer região brasileira. 
Os canhões Schneider-Canet de 75 mm foram amplamente utilizados em quase todos os grandes conflitos internos do Brasil no início do século XX, desempenhando papéis cruciais em momentos de instabilidade política e social. Durante a Revolução de 1930, que culminou na ascensão de Getúlio Vargas ao poder, essas peças de artilharia foram empregadas por forças governistas e oposicionistas, demonstrando sua confiabilidade em operações de campanha. Na Revolução Constitucionalista de 1932, um dos mais significativos conflitos civis da história brasileira, os Schneider-Canet de 75 mm foram utilizados por ambos os lados — as tropas paulistas, que buscavam a redemocratização do país, e as forças federais leais ao governo Vargas. A presença dessas armas em combates urbanos e rurais, especialmente nas frentes de batalha no interior de São Paulo, evidenciou sua importância estratégica, com sua mobilidade e precisão permitindo apoio efetivo às tropas em movimento. A utilização simultânea por forças opostas destacou a disseminação dessas peças no arsenal brasileiro e sua relevância como armamento padrão da época. Um dos usos mais peculiares dos canhões Schneider-Canet de 75 mm (e também dos Krupp de mesmo calibre) ocorreu durante a Revolução Constitucionalista de 1932, quando foram integrados como armamento orgânico em seis trens blindados, denominados TB-1 a TB-6. Esses trens foram construídos nas Oficinas Ferroviárias de São Paulo, sob a supervisão técnica da prestigiada Escola Politécnica Paulista, em um esforço de engenharia que combinou criatividade e recursos locais. Cada trem blindado era composto por uma locomotiva posicionada entre dois vagões blindados, com uma prancha à frente para inspecionar a integridade dos trilhos, uma precaução contra sabotagens. No vagão frontal, uma abertura central abrigava um canhão Schneider-Canet ou Krupp de 75 mm, operado internamente e ocupando toda a parte dianteira do carro, com espaço apenas para circulação lateral. Essa configuração permitia ao canhão disparar diretamente contra alvos à frente, oferecendo proteção às tropas e apoio de fogo em operações ao longo das ferrovias, que eram cruciais para a logística e mobilidade durante o conflito. Com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os canhões Schneider-Canet de 75 mm continuaram a desempenhar um papel relevante no Exército Brasileiro. A partir de 1954, com a crescente motorização do Exército Brasileiro, os canhões Schneider-Canet passaram por um processo de modernização nos Arsenais de Guerra do Rio de Janeiro (AGRJ) e de General Câmara (AGRS), no Rio Grande do Sul. As rodas de madeira originais, inadequadas para o transporte em veículos motorizados, foram substituídas por rodas com pneus, aumentando a mobilidade e a compatibilidade com as novas demandas logísticas. Essa atualização permitiu que os canhões permanecessem em serviço operacional até meados da década de 1960, quando foram gradualmente substituídos por armamentos mais modernos, como os obuses M-101 de 105 mm, adquiridos dos Estados Unidos.

Em Escala.
Para recriar o canhão Schneider-Canet 75 mm M-897 em escala, a única opção disponível no mercado na escala 1/35 é o kit produzido pela empresa alemã Tom Modellbau. Apesar de ser um kit mais antigo, ele oferece um nível de detalhamento e acabamento aceitável para os padrões da escala 1/35, permitindo aos modelistas capturar as características essenciais desta peça histórica. O kit reproduz com fidelidade os elementos distintivos do M-897, como o tubo estriado, o sistema de recuo hidropneumático, o berço de aço cromo-níquel e a estrutura do freio e recuperador, que garantiam a funcionalidade de tiro rápido. Embora não seja um modelo recente, o kit da Tom Modellbau atende às expectativas de entusiastas que buscam representar com precisão o armamento utilizado pelo Exército Brasileiro. Na montagem do modelo, optou-se por não utilizar decais, uma escolha que reflete a intenção de manter a representação focada na autenticidade estrutural e estética do canhão, sem a necessidade de marcações adicionais. 
O esquema de pintura aplicado aos canhões Schneider-Canet de 75 mm no Brasil, inspirado no padrão francês da década de 1920, utilizava tons que favoreciam a integração visual com o ambiente e a proteção contra corrosão. Embora registros precisos do sistema Federal Standard (FS) para o período sejam limitados. Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, as forças paulistas adaptaram o padrão de pintura dos canhões Schneider-Canet e Krupp de 75 mm para atender às demandas táticas do conflito. As peças empregadas em carros e trens blindados, como os TB-1 a TB-6 construídos nas Oficinas Ferroviárias de São Paulo, receberam um esquema de camuflagem específico, projetado para operações em terrenos variados do interior paulista. As peças Schneider-Canet de 75 mm preservadas no Museu Histórico do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, refletem o esquema de cores adotado pelo Exército Brasileiro na década de 1920, com ênfase no verde-oliva escuro (FS 34087) e detalhes em cinza escuro (FS 36081) e preto fosco (FS 37038).

Bibliografia: 
- Schneider Frères et Compagnie - https://www.lesechos.fr
- Schneider-Canet - https://pt.wikipedia.org/wiki/Schneider-Canet
- Missão Militar Francesa por Rodrigo N. Araujo -  https://cpdoc.fgv.br/
- Arquivos do Museu Militar de Conde de Linhares – Rio de Janeiro
- Canhão de Montanha Schneider 75mm - http://www.cporpa.eb.mil.br/