A Boeing Airplane Company, fundada em 9 de maio de 1917 por William Edward Boeing, marcou o início de uma era de inovação na aviação americana. Sob a liderança de um visionário que já se destacava no setor aeronáutico desde o início da década de 1910, a empresa rapidamente se posicionou como um pilar da indústria, contribuindo tanto para o esforço militar quanto para o avanço da aviação civil. Em 1916, William E. Boeing fundou a Pacific Aero Products Co. em Seattle, Washington, renomeada Boeing Airplane Company em julho do mesmo ano. Inicialmente, produzia hidroaviões como o B&W, utilizando madeira de aberto local. Com os Estados Unidos entrando na Primeira Guerra Mundial em abril de 1917, a jovem empresa identificou uma oportunidade estratégica ao reconhecer a necessidade da Aviação Naval da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) de expandir sua frota de hidroaviões para treinamento de pilotos navais. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, um grande excedente de aviões militares usados, a preços acessíveis, inundou o mercado de aviação comercial, dificultando as vendas de novos modelos e acabaria por levar muitas empresas, incluindo a Boeing, a diversificar suas operações em buscas de faturamento. Neste momento a Boeing Airplane Company passou, então, a fabricar móveis e embarcações de fundo plano, denominadas Sea Sleds. Nos anos 1920, lançou o Boeing B-1 (barco voador para correio) e o Model 40 para rotas aéreas. Em 1927, criou a Boeing Air Transport, que se fundiu em 1929 para formar a United Aircraft and Transport Corporation, incorporando empresas como Pratt & Whitney e Chance Vought. O Boeing 80, primeiro transporte de passageiros, voou em 1929. Em 1933 seria introduzido o Boeing 247 o primeiro avião comercial moderno, e o Boeing 314 Clipper em 1938 para rotas transoceânicas. A Lei de Correio Aéreo de 1934 forçou a separação em Boeing Airplane Company, United Airlines e United Aircraft Corporation, levando William Boeing a vender suas ações. Desenvolveu o Model 307 Stratoliner, o primeiro com cabine pressurizada. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Boeing desempenhou um papel crucial como uma das principais fornecedoras de aeronaves militares para os Estados Unidos, destacando-se na produção de bombardeiros pesados como os B-17 Fortaleza Voadora e B-29 Super Fortaleza que foram fundamentais para o esforço de guerra dos Aliados. Após o término do conflito, o mercado de aviação civil de transporte entrou em efervescência devido ao grande excedente de aeronaves militares disponíveis no pós-guerra que seriam vendidas a preço simbólico a diversos empreendedores tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Este processo iria popularizar o transporte de passageiros em todo mundo. O avançar da tecnologia com o emprego levaria a criação do primeiro avião comercial em 1949, quando o protótipo do Havilland DH 106 Comet alçou voo no Hatfield Aerodrome na cidade de Hertfordshire, na Inglaterra. Este novo conceito de propulsão trazia melhor conforto aos passageiros tornando ainda as viagens mais curtas e prazerosas elevando assim a De Havilland a conquistar um amplo sucesso em vendas em um curto espaço de tempo.
A exemplo deste fabricante inglês, logo os renomados fabricantes norte-americanos Douglas Aircraft Company e Convair Aircraft Company iniciariam estudos para o desenvolvimento de aeronaves semelhantes ao jato britânico. Esta movimentação não passaria desapercebida aos olhos da diretoria da Boeing Aircraft Corporation, empresa está que neste período nos Estados Unidos, era considerada de pouca expressão no mercado de aeronaves comerciais de passageiros, tendo imenso foco e sucesso no mercado militar, sendo neste momento responsável pelos famosos bombardeiros a jato Boeing B-47 e B-52 (em operação até hoje). O despertar para este novo nicho de mercado levaria a empresa de Seattle, a canalizar seus recursos financeiros e esforços de sua equipe de projetos no segmento da aviação comercial, iniciando assim o desenvolvimento de uma nova aeronave que marcaria para sempre a história da aviação mundial. Como a empresa possuía o viés natural construído segmento militar, a ideia natural se baseava em desenvolver uma plataforma de uma aeronave a jato comum para ser empregado nos dois segmentos. Este projeto seria totalmente bancado com recursos da própria companhia, tendo como ponto de partida as linhas originais do Boeing 367 (KC-97), com as definições acertadas o próximo passo seria a produção dos primeiros protótipos que receberiam as designações de Boeing 367-80 ou Dash80. O primeiro voo da aeronave de testes com a matrícula N70700 alçaria voo propulsado por seus quatro motores a jato Pratt & Whitney JT3C (com 10.000 libras de empuxo cada), em 15 de julho de 1954, em Seattle no estado de Washington. As análises dos primeiros resultados do programa de ensaios em voo, se mostrariam muito promissores, concedendo a empresa a motivação para prosseguir com o desenvolvimento derivando para duas vertentes uma para o transporte civil com a designação de B707 e uma militar (como reabastecedor em voo e transporte de cargas) denominada como B717, que posteriormente receberia na Força Aérea dos Estados (USAF) a designação de KC-135E Stratotanker. No final de 1955, a Boeing concluiu a definição da versão civil do Boeing 707, obtendo a homologação da Administração Federal de Aviação (Federal Aviation Administration – FAA). Com a certificação assegurada, a empresa deu início ao planejamento comercial e de marketing para o lançamento internacional do modelo, marcando o início de uma nova era na aviação comercial. Em 13 de outubro de 1955, a Boeing celebrou seu primeiro grande contrato com a Pan American World Airways (Pan Am), envolvendo a aquisição de 20 aeronaves, com entregas previstas para o final do ano fiscal de 1958. Após o sucesso do Boeing 707, a empresa identificou a necessidade de um avião menor e mais versátil para voos regionais, que resultaria no programa B727, que futuramente se tornaria o jato comercial mais vendido de sua época. Desta maneira a empresa se estabeleceria como a principal fabricante de aeronaves a jato do mundo, com seus modelos B707 e B727 atendendo as rotas de longa e média distância.

A empresa, entretanto, ficaria atrás na corrida por atender um mercado que parecia bastante promissor: a utilização de aeronaves a jato para rotas de curta distância. Assim em 1965, quando a empresa tomou a decisão de avançar com o projeto do Boeing 737, suas principais concorrentes — a Douglas Aircraft Company, com o DC-9, e a British Aircraft Corporation, com o BAC 1-11 — já haviam consolidado posições significativas. O DC-9 acumulava mais de 200 encomendas, enquanto o BAC 1-11, com cerca de 100 pedidos, já havia realizado o voo inaugural de seu protótipo em 1963. Além disso, aviões como o francês Sud Aviation SE-210 Caravelle, em operação desde 1959, e o britânico de Havilland Trident, introduzido em 1964, já atendiam rotas de baixa densidade, consolidando a presença de jatos regionais na Europa. A decisão de desenvolver o Boeing 737 não foi trivial. Internamente, a Boeing enfrentava intensos debates sobre a viabilidade de investir em um novo projeto, especialmente em um mercado já competitivo e que exigiria substanciais recursos financeiros e humanos. Naquela época, a empresa estava profundamente envolvida em outros programas ambiciosos, que incluíam o desenvolvimento do supersônico B2707 (cancelado em 1971 devido a questões econômicas e ambientais), a concorrência pelo contrato militar CX-HLS (que culminou na vitória da Lockheed com o C-5 Galaxy), o revolucionário Boeing B747, destinado a transformar voos de longo alcance, e a versão alongada do Boeing 727, conhecida como 727-200, lançada em 1967. Esses projetos, cada um com seu próprio peso estratégico, dividiam a atenção e os recursos da Boeing, tornando a decisão sobre o B737 um momento crítico. Dois membros do conselho de administração da Boeing emergiram como defensores fervorosos do projeto: Jack Steiner, engenheiro-chefe renomado por seu papel central no desenvolvimento do Boeing 727, e Crawford Greenewalt, ex-CEO da DuPont, cuja visão estratégica trouxe uma perspectiva externa valiosa. Steiner, conhecido como o "pai do B727", acreditava que o B737 poderia capturar o mercado de jatos regionais, servindo como um produto de entrada para atrair novos clientes, que futuramente poderiam adquirir modelos maiores, como o B707 ou o B747. Greenewalt, com sua experiência em liderar uma das maiores empresas químicas do mundo, reforçava essa visão, argumentando que a Boeing não podia se dar ao luxo de ceder espaço às concorrentes em um segmento tão promissor. Ambos viam no B737 uma oportunidade de consolidar a liderança da Boeing no mercado de aviação comercial, uma visão que se provaria acertada, dado o sucesso posterior do modelo. No entanto, a proposta enfrentou resistência significativa, liderada por ninguém menos que William M. Allen, o lendário presidente da Boeing. Desde 1945, Allen havia guiado a empresa por uma era de inovações, autorizando projetos icônicos como o Boeing 377 Stratocruiser, o bombardeiro B-52 Stratofortress, a família B707 - KC-135 e o próprio B727. Conhecido como "Bill Allen", ele era uma figura respeitada, cuja liderança moldou a Boeing como uma potência aeroespacial. Contudo, Allen expressava preocupações legítimas sobre o 737.
Ele acreditava que a empresa já estava sobrecarregada com sua carteira de projetos e que entrar tardiamente no mercado de jatos regionais representava um risco elevado. A seu ver, o B737 enfrentaria dificuldades para competir com modelos já estabelecidos, como o DC-9 e o BAC 1-11, em um momento em que os recursos da Boeing estavam dispersos. Apesar das divergências, a visão estratégica de Steiner e Greenewalt prevaleceu. Em 1965, o conselho da Boeing aprovou o desenvolvimento do 737, com a Lufthansa como cliente lançadora, comprometendo-se com 21 encomendas. A decisão marcou o início de um dos programas mais bem-sucedidos da história da aviação, com o Boeing 737 tornando-se o jato comercial mais vendido de todos os tempos, superando 16.000 pedidos até 2025. O projeto, inicialmente concebido como um complemento ao 727, evoluiu para se tornar a espinha dorsal de companhias aéreas em todo o mundo, redefinindo a aviação regional e consolidando a Boeing como líder indiscutível no mercado de jatos narrow-body. Era o conceito de “família” de aeronaves. Neste sentido, Steiner advogava utilizar a mesma largura de fuselagem no B737, que teria então a capacidade de transportar passageiros em filas de 3+3 (ao invés da usual 2+3 dos DC-9/Caravelle/BAC 1-11). O problema de definir a localização dos motores no 737 foi resolvido por Joe Sutter, que depois ficou famosos como o engenheiro chefe responsável pelo programa 747. Embora os desenhos iniciais do B737 tivessem adotado a usual configuração de motores traseiros com cauda em T, quando Steiner definiu-se por utilizar a mesma largura de fuselagem do B707 e B727, a questão tomou nova dimensão. É que neste caso, como o avião tivesse a forma de “bola de futebol americano” – muito curto e largo – o bordo de fuga da asa ficaria muito próximo da entrada de ar dos motores, recebendo o fluxo turbulento da asa. Além disso, a fim de evitar o fluxo do arrasto parasita criado pela própria da fuselagem, os motores teriam de ficar bastante afastados da mesma de forma a não comprometer a ingestão do ar – o que exigira pylons maiores e mais pesados, trazendo indesejado aumento do peso do avião. Sutter achava que deveria haver outra solução mais “elegante”. Um dia em seu escritório ele pegou os desenhos do B737 com cauda em T, recortou os motores e começou a estudar a melhor posição para os mesmos. Intuitivamente ele pensou: “porque não colocar os motores novamente na asa, pendurados em pylons” (como no 707)? Essa solução, entretanto, trazia dois problemas: primeiramente os motores ficariam muito próximos da entrada de passageiros – considerando-se o cumprimento da fuselagem inicialmente estudada (menor ainda que a da primeira versão construída B737-100). Por outro lado, o trem de pouso teria de ser dotado de pernas bastante altas, a fim de possibilitar a instalação do conjunto motor/pylons e dar a necessária altura em relação ao chão. Num avião destinado a operar rotas de curta distância, que poderia efetuar de 6 a 8 voos por dia, sua altura elevada acarretaria um maior tempo de solo, com a retirada de escadas mais altas, carregadores de bagagem e caminhões de catering.
Uma terceira e revolucionária configuração pareceu a melhor para Sutter: Instalar os motores bem abaixo das asas em uma carenagem “colada” ao seu introrso, sem o tradicional uso do pylon. Isso faria com que o B737 ficasse próximo ao chão, facilitando a manutenção dos motores e o carregamento de malas nos porões e deixando um fluxo corrente de ar nos motores. Antes, entretanto, de aprovar essa configuração Jack Steiner estabeleceu um “time vermelho” e um “time azul”, composto cada um por dois engenheiros, sendo o primeiro chefiado por ele mesmo e o segundo por Sutter. O primeiro time ficaria responsável por estudar as vantagens pela opção original de cauda em T e o segundo pela configuração desenvolvida por Sutter. Ao final ficou claro que a segunda opção era a melhor, propiciando a utilização da parte traseira da fuselagem onde normalmente ficariam instalados os motores para levar mais passageiros. Assim, ao final de 1964 a configuração básica do B737 estava definida – faltava somente uma encomenda firme para lançar o projeto. Umas das primeiras empresas a despertar interesse no modelo foi a alemã Lufthansa, que almejava seu emprego em linhas regionais, e sugeriu ao fabricante que a capacidade ideal de transporte deveria ser da ordem de 100 passageiros. Desta maneira o projeto foi modificado para o atendimento desta demanda. O voo inaugural do protótipo do Boeing 737-100 ocorreu em 9 de abril de 1967 e veio a superar todas as expectativas, liberando assim sua produção em série imediatamente, sendo destinados a Lufthansa onde entrariam em operação já em 10 de abril de 1968. Com base nas necessidades de se ampliar o número de passageiros transportados, levaram ao desenvolvimento da variante 200, que teve sua fuselagem aumentada para o transporte de até 130 passageiros. O primeiro B737-200 efetuou seu voo inaugural em 8 de agosto de 1967, e esta nova versão obteve grande êxito no mercado civil, tendo sido comercializadas 1.114 unidades até o encerramento de sua produção em 1988. As séries 100 e 200 eram identificáveis pelas naceles tubulares de motor (turbofans Pratt and Whitney JT8D) que eram integradas às asas, com projeções à frente do bordo de ataque e atrás do bordo de fuga, a partir da versão B737-300 , que teve seu primeiro voo em 28 de fevereiro de 1984 o design básico do modelo passou a incorporar as inovações tecnológicas aerodinâmicas, novas versões como 400 e 500 foram lançadas respectivamente em 1988 e 1989. O B737 continua em produção atualmente em sua nova variante agora denominada Next Generation – 600, -700, -800 e 900, e sua produção total já ultrapassou a casa das 9.000 unidades entregues, que se encontram em emprego em 500 companhias áreas ao redor do mundo. o Boeing 737 é o jato de passageiros de maior sucesso no mundo. O 737 consolidou a Boeing como líder em jatos narrow-body, apesar de altos e baixos, e segue como um pilar da aviação global, com atualizações planejadas para maior eficiência e sustentabilidade.
Emprego na Força Aérea Brasileira.
Na década de 1950, o Brasil passava por transformações significativas, tanto em sua infraestrutura quanto em sua administração pública. Em meados dessa década, a Presidência da República, sob a gestão do presidente Juscelino Kubitschek, determinou ao Ministério da Aeronáutica a realização de um estudo para a incorporação de uma nova aeronave destinada ao transporte do Presidente da República em deslocamentos domésticos e internacionais. À época, o Grupo de Transporte Especial (GTE), sediado no Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro, operava os confiáveis, porém já obsoletos, Douglas VC-47. Essas aeronaves, versões militares adaptadas do clássico DC-3, haviam sido configuradas internamente para o transporte de autoridades, desempenhando com eficiência a missão de “conduzir os que conduzem o Brasil”. Contudo, a transferência da capital federal para Brasília, planejada para 1960, trouxe novos desafios logísticos, exigindo uma aeronave mais rápida, moderna e capaz de conectar o Planalto Central ao Rio de Janeiro, então centro político e administrativo do país. Após uma análise detalhada das opções disponíveis no mercado global, o Ministério da Aeronáutica selecionou o Vickers Viscount, um turboélice britânico que se destacava pela sua confiabilidade e desempenho em rotas regionais. O Viscount, já amplamente utilizado por companhias aéreas comerciais em diversos países, representava o que havia de mais avançado em tecnologia aeronáutica na época. Em 1956, o governo brasileiro formalizou a aquisição de duas unidades, que foram especialmente adaptadas para uso executivo. Equipadas com aviônica de ponta e interiores configurados para o transporte de autoridades, essas aeronaves, designadas VC-91 na Força Aérea Brasileira (FAB), começaram a operar com distinção, atendendo às necessidades do Presidente e de outras altas autoridades do governo. Os VC-91 Vickers Viscount serviram com excelência ao longo da década seguinte, mas a rápida evolução da aviação comercial, impulsionada pela introdução de jatos, revelou a necessidade de modernização. Em 1967, o Ministério da Aeronáutica, reconhecendo a demanda por maior velocidade e autonomia, iniciou o processo de aquisição de uma aeronave a jato para o transporte presidencial. Após avaliações, a escolha recaiu sobre o BAC 1-11 One-Eleven, um jato britânico de curto e médio alcance, amplamente utilizado por companhias aéreas como a British European Airways. Duas unidades da série 400 foram adquiridas e configuradas para missões VIP (Very Important Person), recebendo a designação VC-92 na FAB. Essas aeronaves, entregues no final dos anos 1960, substituíram imediatamente os VC-91 Viscount, oferecendo maior velocidade, alcance e conforto. Os VC-92 One-Eleven tornaram-se o principal meio de transporte do Presidente da República e de funcionários federais de alto escalão, marcando uma nova era para o Grupo de Transporte Especial (GTE).
Durante a década de 1970, sob a administração do presidente Ernesto Geisel (1974-1979), o comando do Grupo de Transporte Especial emitiu uma diretiva estratégica que reorientou a política de aquisição de aeronaves presidenciais. A nova normativa determinava que as futuras aeronaves adquiridas deveriam pertencer a famílias de aviões já predominantes nas frotas das companhias aéreas comerciais brasileiras, como Varig, VASP e Cruzeiro do Sul. Essa decisão visava reduzir custos operacionais e de manutenção, aproveitando a infraestrutura de suporte já estabelecida no país. Além disso, buscava-se uma aeronave com maior autonomia em relação aos VC-92 One-Eleven, que, embora eficientes, apresentavam limitações em rotas mais longas. Nesse contexto, os jatos da Boeing Commercial Airplanes consolidavam uma liderança incontestável no mercado brasileiro, com modelos como o Boeing 727 e 737 operando nas principais rotas domésticas e internacionais. Essa predominância influenciou diretamente a decisão do governo brasileiro. Em meados de 1975, após detalhadas avaliações técnicas e estratégicas conduzidas pelo Ministério da Aeronáutica, foi assinado um contrato com a Boeing para a aquisição de duas células do modelo Boeing 737-2N3 Advanced. O código alfanumérico "2N3" indicava que as aeronaves pertenciam à série 200, com a designação "N3" reservada especificamente para o governo brasileiro, refletindo a customização para uso oficial. O projeto interno das VC-96 foi cuidadosamente planejado para garantir funcionalidade, conforto e segurança. A fuselagem foi dividida em três ambientes distintos, cada um com propósitos específicos: Área frontal: Destinada à tripulação e auxiliares, incluindo ajudantes de ordens e demais membros do staff presidencial. Essa seção também abrigava a galley, equipada para preparar refeições durante os voos, garantindo autonomia em longas jornadas. Sala de reuniões e despacho: Localizada na seção central, essa área foi projetada como um espaço funcional para o Presidente realizar reuniões de trabalho, despachar documentos ou conduzir negociações durante os voos, refletindo a necessidade de continuidade administrativa mesmo em trânsito. Suíte presidencial: Contígua à sala de reuniões, a suíte oferecia um ambiente privativo com cama e banheiro exclusivo, assegurando conforto e privacidade ao Presidente em viagens prolongadas. Área traseira: Na parte posterior da fuselagem, foram instaladas 36 poltronas destinadas aos demais membros da comitiva presidencial, como assessores, ministros e outros funcionários de alto escalão. Além da configuração interna, as aeronaves foram equipadas com escadas embutidas independentes, uma característica essencial para operações em aeródromos regionais com infraestrutura limitada, comuns no interior do Brasil.

A produção das duas células VC-96 foi concluída nas instalações da Boeing em Seattle, Washington. A primeira aeronave, registrada com a matrícula FAB 2115, realizou seu voo inaugural em 5 de março de 1976, sob os olhares atentos de engenheiros e representantes da Força Aérea Brasileira (FAB). A segunda célula, matriculada como FAB 2116, voou pela primeira vez em 19 de agosto do mesmo ano. Ambas passaram por rigorosas inspeções técnicas para garantir conformidade com os padrões exigidos pela Força Aérea Brasileira (FAB). Após a conclusão desse processo, as aeronaves foram oficialmente aceitas e preparadas para o traslado ao Brasil. Em 8 de setembro de 1976, a primeira VC-96 (FAB 2115) pousou na Base Aérea de Brasília, onde foi imediatamente incorporada ao 1º Esquadrão do Grupo de Transporte Especial. A chegada da segunda aeronave, FAB 2116, completou a modernização da frota presidencial, marcando um avanço significativo na capacidade do GTE de cumprir sua missão de “conduzir os que conduzem o Brasil”. Essas aeronaves representaram não apenas um salto tecnológico, com maior velocidade, autonomia e conforto em relação aos jatos BAC 1-11 (VC-92) que substituíram. Inicialmente, as aeronaves, matriculadas como FAB 2115 e FAB 2116, foram destinadas a missões dentro do território nacional e em países da América Latina, atendendo às necessidades de deslocamento do Presidente da República e sua comitiva em rotas regionais. A autonomia de voo do 737-200 Advanced, de aproximadamente 4.000 km, era adequada para essas operações, conectando Brasília a capitais estaduais e cidades latino-americanas com eficiência e segurança. No entanto, a partir dos anos 1980, com o aumento das demandas diplomáticas e a projeção internacional do Brasil, as aeronaves passaram a desempenhar um papel mais amplo, realizando missões intercontinentais que exigiam escalas técnicas para reabastecimento. Para garantir a confiabilidade nessas viagens de longo alcance, o Grupo de Transporte Especial (GTE), sediado na Base Aérea de Brasília, adotou a prática de deslocar ambas as aeronaves VC-96 em missões internacionais. Essa estratégia permitia que a segunda aeronave servisse como suporte em caso de falhas mecânicas na aeronave principal, assegurando a continuidade das agendas presidenciais e a segurança das autoridades a bordo. Um exemplo marcante dessa capacidade ocorreu em 2003, durante a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Entre os dias 5 e 15 de dezembro, um dos VC-96 transportou o Presidente em uma extensa viagem ao Oriente Médio e ao Norte da África, com escalas nas Ilhas Canárias (Espanha), Marrocos, Líbia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Síria, Líbano e Tunísia. Essa missão destacou a versatilidade das aeronaves e a habilidade do GTE em coordenar operações complexas em múltiplos continentes.
O ápice das operações de longo alcance foi registrado entre 22 e 29 de maio de 2005, quando os VC-96 realizaram uma viagem ao Japão, totalizando 54 horas de voo. Essa missão, que incluiu escalas técnicas para reabastecimento, demonstrou a robustez das aeronaves e a competência da Força Aérea Brasileira (FAB) em planejar e executar deslocamentos globais de alto nível. A escolha do Boeing 737 para essas operações refletia não apenas a confiança na plataforma, mas também sua compatibilidade com a infraestrutura de manutenção disponível em diversos aeroportos ao redor do mundo, resultado da ampla adoção do modelo por companhias aéreas comerciais. Para atender às crescentes exigências de segurança e eficiência em voos internacionais, as duas células VC-96 passaram por uma significativa modernização em 1997. Esse processo, conduzido pela empresa norte-americana Associated Air Center, em Dallas, Texas, visava atualizar os sistemas de navegação e segurança das aeronaves, garantindo conformidade com os padrões internacionais de aviação da época. Entre as melhorias implementadas, destacam-se: Sistema de Gerenciamento de Voo (FMS, Flight Management System): Um conjunto avançado de computadores de bordo que otimizava a navegação, permitindo maior precisão no planejamento de rotas e economia de combustível. Sistema de Prevenção de Colisão em Voo (TCAS, Traffic Collision Avoidance System): Equipamento essencial para detectar e evitar conflitos com outras aeronaves, elevando os padrões de segurança em espaço aéreo congestionado. Além das atualizações em aviônica, o processo incluiu um retrofit estrutural completo, reforçando a integridade da fuselagem para prolongar a vida útil das aeronaves, e uma renovação total do interior, garantindo maior conforto e funcionalidade para o Presidente e sua comitiva. A suíte presidencial, a sala de reuniões e a área de passageiros foram modernizadas, mantendo o padrão VIP exigido para missões oficiais. Essa modernização reflete o compromisso da Força Aérea Brasileira (FAB) em manter o Grupo de Transporte Especial (GTE)equipado com tecnologia de ponta, assegurando que as aeronaves VC-96 continuassem a desempenhar sua missão de “conduzir os que conduzem o Brasil” com segurança, eficiência e representatividade. A capacidade das aeronaves de operar em qualquer ponto do planeta, aliada à sua configuração customizada e ao suporte logístico do Grupo de Transporte Especial (GTE), consolidou o Boeing 737 VC-96 como um pilar fundamental do transporte presidencial brasileiro, projetando a imagem do Brasil no cenário internacional durante um período de crescente protagonismo diplomático.
Ao longo de trinta e quatro anos, as aeronaves Boeing VC-96, popularmente apelidadas de “Sucatinhas” devido à associação com o Boeing KC-137E presidencial, que por vezes apresentava problemas técnicos, prestaram serviço exemplar ao transporte oficial de sete presidentes da República do Brasil: Ernesto Geisel, João Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Essas aeronaves, operadas pela Força Aérea Brasileira (FAB), tornaram-se símbolo de confiabilidade e versatilidade, apesar do apelido pejorativo, que não refletia sua real condição operacional. Durante sua trajetória, os Boeing VC-96 desempenharam um papel significativo em missões diplomáticas, transportando não apenas autoridades brasileiras, mas também visitantes ilustres em ocasiões especiais. Um dos momentos mais marcantes de sua história ocorreu em 1980, quando o Boeing VC-96 foi utilizado para transportar o Papa João Paulo II durante sua histórica visita ao Brasil. Naquela ocasião, o pontífice percorreu onze cidades em diferentes regiões do país, em uma viagem que marcou a memória nacional. Quando chefes de Estado ou comitivas estrangeiras visitavam o Brasil sem dispor de aeronaves próprias, era prática comum o governo brasileiro disponibilizar os VC-96, reforçando o compromisso do país com a hospitalidade e a cooperação internacional. Contrariando o estigma do apelido “Sucatinhas”, os Boeing VC-96 jamais registraram incidentes significativos durante o transporte de autoridades, acumulando juntos mais de cinquenta mil horas de voo ao longo de suas carreiras. O Boeing VC-96 FAB 2115 completou 26.356 horas de voo e 20.120 pousos, enquanto o Boeing VC-96 FAB 2116 alcançou 27.105 horas e 20.586 pousos. A decisão de desativá-los não se deveu ao desgaste das aeronaves, que se mantinham em bom estado de conservação, mas à sua idade avançada, que tornava desaconselhável sua continuidade em missões de transporte de autoridades (VIP – Very Important Person) sob os padrões modernos de segurança e eficiência. A aposentadoria oficial dos Boeing VC-96 ocorreu em abril de 2010, em uma solenidade realizada nos hangares do Grupo de Transporte Especial (GTE), na Base Aérea de Brasília. Na ocasião, as aeronaves foram substituídas pelos modernos Embraer E-190 VC-2, que passaram a assumir as funções de transporte presidencial e oficial. Após a desativação, as duas unidades tiveram destinos distintos. O Boeing VC-96 FAB 2116 realizou seu último voo em 4 de novembro de 2011, sendo transferido para o Museu Aeroespacial (MUSAL), localizado no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, onde foi preservado como parte do acervo histórico da aviação brasileira. Já o Boeing VC-96 FAB 2115 foi inicialmente armazenado na Base Aérea de Cumbica, em Guarulhos, São Paulo. Em 2016, a aeronave foi adquirida por uma empresa privada, desmontada e transportada para Foz do Iguaçu, no Paraná, onde foi restaurada e remontada para exposição no portão do Parque Nacional do Iguaçu, transformando-se em um marco histórico e turístico da região.
Em Escala.
Para representarmos o Boeing VC-96 "FAB 2116 “fizemos uso do antigo e raríssimo kit da Aurora na escala 1/72 , modelo este que era a única opção injetada no momento da montagem. Atualmente existem kits injetados nesta escala como os produzidos pela Big Plane Kits. Para se configurar a versão nacional B737-2N3 Advanced, (Model 200) é necessário proceder uma série de alterações em scratch (principalmente nas turbinas). Empregamos decais confeccionados pela FCM Decals, produzido para o kit em resina produzido pela Charlenger Modelismo.
O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o segundo padrão de pintura empregado em todas as aeronaves do Grupo de Transporte Especial (GTE), adotado no final da década de 1990, que veio a substituir o esquema original em que as aeronaves Boeing VC-96 foram recebidas no ano de 1976.
Bibliografia :
- O Boeing 737 e a História de seu Nascimento – Marcelo Magalhães
- Aeronaves Presidenciais a Jato – A. Camazano Alamino – Revista Asas
Edição 94
-
História da Força Aérea Brasileira, Prof Rudnei Dias Cunha - http://www.rudnei.cunha.nom.br/FAB/index.html
- Aviação Militar Brasileira 1916 / 1984 - Francisco C. Pereira Netto
- Aviação Militar Brasileira 1916 / 1984 - Francisco C. Pereira Netto





