FW-44J Focke Wulf Stieglitz

História e Desenvolvimento. 
A Focke-Wulf Flugzeugbau AG, uma das mais proeminentes empresas de construção aeronáutica da Alemanha durante o período entre guerras e a Segunda Guerra Mundial, foi fundada em 24 de outubro de 1923 na cidade de Bremen, por Heinrich Focke um engenheiro aeronáutico visionário com experiência prévia em projetos inovadores, seu parceiro de longa data Georg Wulf, um piloto e mecânico habilidoso, e o investidor Werner Naumann. A empresa surgiu em um contexto pós-Primeira Guerra Mundial marcado por severas restrições impostas pelo Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919 após o Armistício de 11 de novembro de 1918, que proibia a Alemanha de produzir aeronaves militares e limitava drasticamente sua indústria aeronáutica, forçando as companhias a se concentrarem em usos civis e comerciais. Inicialmente operando sob o nome de Bremer Flugzeugbau AG, a Focke-Wulf instalou-se em um modesto hangar adjacente ao aeroporto de Bremen, aproveitando a infraestrutura portuária e industrial da cidade hanseática, que já era um centro de inovação tecnológica na República de Weimar. Nos seus anos iniciais, a empresa dedicou-se à fabricação de componentes aeronáuticos para outros construtores alemães, como fuselagens, asas e sistemas de controle, o que permitiu acumular expertise e capital sem violar as cláusulas do Tratado de Versalhes, que restringiam a produção de aviões completos com potencial militar. Logo em seguida, a Focke-Wulf iniciou o desenvolvimento de suas próprias aeronaves, focando em modelos de pequeno porte destinados a tarefas de treinamento, ligação e experimentação. Entre os primeiros projetos destacam-se o Fw A3 Ente (um inovador design canard, ou "pato", com hélice traseira, testado em 1921 por Heinrich Focke antes da fundação oficial da empresa), o Fw A4 Falke (um monoplano de asa alta para treinamento), o Fw A5, o Fw A6 Möwe (gaivota, um biplano leve), e o Fw A7 Storch (cegonha, precursor de designs posteriores). Esses modelos, frequentemente equipados com motores modestos como o Siemens Sh 11 de 80 hp, eram construídos com materiais leves como madeira e tela, refletindo as limitações econômicas da época e o foco em simplicidade e confiabilidade. O sucesso comercial nesses segmentos iniciais foi impulsionado pela demanda crescente por aviação civil na Alemanha dos anos 1920, uma era de recuperação econômica após o período de hiperinflação de 1923, e permitiu à empresa expandir suas instalações na cidade de  Bremen. Contudo revés significativo ocorreria em 29 de setembro de 1927, quando Georg Wulf, um dos fundadores e piloto de testes principal, faleceu em um acidente durante um voo de demonstração do modelo Fw F19 Ente, um protótipo experimental de asa canard que destacava a inovação da empresa, mas também os riscos inerentes à aviação pioneira. 

Apesar dessa perda, a empresa diversificou seu portfólio para aeronaves de transporte de cargas e malas postais de pequeno e médio porte, lançando modelos como o Fw A16 (um monoplano de quatro lugares para serviços aéreos regionais) e o Fw A17 Möwe (uma versão maior, capaz de transportar até oito passageiros ou carga equivalente, fazendo uso do motor BMW VI de 500 hp). Esses aviões foram amplamente utilizados por companhias como a Deutsche Luft Hansa, contribuindo para o estabelecimento de rotas postais e comerciais na Europa Central. A partir de 1930, a empresa ingressou no nicho de aeronaves de transporte de passageiros, com o lançamento do Focke-Wulf A 33 Sperber (um trimotor de asa alta para seis passageiros) e do Focke-Wulf A 38 Möwe (uma evolução maior, com capacidade para até 10 passageiros e equipado com motores radiais, alcançando sucesso em linhas domésticas e exportações limitadas). Neste mesmo período, o promissor engenheiro e piloto de testes, que já vinha trabalhando a algum tempo na Albatros-Flugzeugwerke AG, seria promovido nesta nova organização a chefe do departamento técnico, passando a liderar o desenvolvimento de inúmeros novos projetos tanto voltados para o segmento comercial quanto militar.  Uma grande oportunidade se materializaria quando da decisão do governo alemão em voltar a estruturar suas forças armadas, neste contexto cada vez mais braço aéreo ganhava importância com a Força Aérea Alemã (Luftwaffe) se encontrando em um processo de renascimento como arma aérea efetiva. Desta maneira se apresentava como demanda básica a necessidade de formação de pilotos militares em grande escala, porém apesar desda demanda, qualquer esforço de alta visibilidade neste aspecto poderia ser considerado de teor “clandestino”, tendo que vista que as limitações impostas pelos “Tratado de Versalhes” impediam o país de dispor de uma força aérea representativa. No intuito de se burlar estas limitações impostas por este acordo, seria estabelecido que toda uma estrutura de treinamento e formação de pilotos militares seria erigida sobre a imagem de formação desportiva e civil, com estas atividades não sendo regulamentadas por estas restrições. Definida a estratégia de operação, faltava a disponibilização do vetor , com esta missão sendo destinada a equipe de projetos da Focke Wulf Flugzeugbau Gmbh,  que sobre o comando do projetista Kurt Tank já investia recursos próprios no desenvolvimento de uma nova aeronave de treinamento derivada do modelo civil Fokker S-24 "Kiebitz”, um modelo premiado internacionalmente. Este projeto receberia a designação de  Focke Wulf FW-44, e apresentava configuração biplano com assentos em tandem (um atrás do outro). Sua fuselagem seria projetada como uma estrutura de aço tubular soldada feita de aço disponível comercialmente.
O projeto do Stieglitz foi guiado por um princípio de simplicidade funcional, visando atender às demandas de uma aviação em expansão. Sua fuselagem, construída com uma estrutura de aço tubular, era reforçada por elementos de moldagem parafusados, conferindo ao casco uma seção transversal poligonal que equilibrava leveza e resistência. A parte superior, que se estendia do assento traseiro do piloto até a antepara de incêndio, era feita de chapa de metal, com escotilhas de acesso cuidadosamente projetadas para facilitar a entrada e saída dos pilotos. A parte inferior da fuselagem, revestida com tecido impregnado diretamente na fábrica, recebia uma costura amassada, um detalhe que simplificava a manutenção e refletia o cuidado com a praticidade operacional. O coração do Stieglitz era o motor Siemens-Halske SH-14, um propulsor de 160 hp que representava o que havia de mais moderno na engenharia alemã da época. Escolhido por sua confiabilidade e eficiência, o motor garantia o desempenho necessário para uma aeronave de treinamento, mantendo os custos operacionais acessíveis.A criação do Stieglitz ocorreu em um momento crucial para a Alemanha. Após a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes (1919) impôs severas restrições à aviação militar alemã, proibindo a construção de aeronaves de combate. No entanto, a ascensão do regime nazista em 1933 marcou o início de uma reestruturação velada da força aérea, que culminaria na formação oficial da Luftwaffe em 1935. Nesse período, escolas de voo civis, como a Deutsche Verkehrsfliegerschule (Escola Alemã de Transporte Aéreo), serviam como fachada para o treinamento de pilotos militares, contornando as limitações do tratado. O Stieglitz foi projetado para atender exatamente a essa necessidade: formar pilotos de maneira eficiente e em grande escala, preparando o terreno para a expansão da aviação militar alemã. O Stieglitz alçou voo pela primeira vez em 5 de setembro de 1932, em um momento de otimismo para a Focke Wulf. Suas características de voo, como estabilidade e manobrabilidade, foram inicialmente elogiadas, prometendo um futuro brilhante para a aeronave. Contudo, durante os ensaios em voo, problemas sérios vieram à tona. Vibrações intensas e uma tendência a rotações planas, especialmente quando o tanque de combustível estava quase vazio, expuseram falhas críticas no projeto. Esses desafios culminaram em um trágico acidente com um dos protótipos em 18 de setembro de 1933, que resultou na suspensão imediata dos voos. O incidente abalou a equipe, mas também reforçou sua determinação. Sob pressão para entregar uma aeronave confiável, os engenheiros da Focke Wulf conduziram uma investigação minuciosa, mapeando todas as falhas e identificando áreas para melhorias. Entre as modificações implementadas, destacou-se o aumento significativo da envergadura das asas, uma mudança que trouxe maior estabilidade e controle.

Das correções nasceu a versão de pré-produção, designada Focke Wulf FW-44A. Cinco unidades foram encomendadas, e o primeiro voo dessa nova iteração ocorreu no início de 1935. Submetidas a um rigoroso programa de ensaios, as aeronaves demonstraram melhorias notáveis, superando os problemas anteriores. Ao final dos testes, o Stieglitz recebeu a certificação operacional da Luftwaffe, um marco que consolidou sua relevância no cenário aeronáutico. Em junho de 1935, o Ministério da Aviação do Reich (Reichsluftfahrtministerium), órgão responsável pela supervisão da aviação alemã, assinou o primeiro contrato para a produção em larga escala do FW-44A. As entregas começaram imediatamente, com as aeronaves destinadas à Deutsche Verkehrsfliegerschule. Embora oficialmente uma escola de aviação civil, a organização funcionava como um braço do esforço militar alemão, treinando pilotos que mais tarde integrariam a Luftwaffe. Em 1937, a Focke Wulf introduziu a variante FW-44B, equipada com um motor Argus AS-8, um quatro cilindros em linha refrigerado a ar que gerava 120 hp. A disposição invertida do motor, combinada com um sistema de refrigeração otimizado, conferiu ao nariz da aeronave um perfil mais aerodinâmico, melhorando sua eficiência em voo. Homologada para uso operacional em maio de 1937, a versão FW-44B foi rapidamente adotada como o modelo padrão de treinamento básico nas Fliegerschule (Escolas de Voo) da Luftwaffe durante as fases iniciais da Segunda Guerra Mundial. Sua confiabilidade e facilidade de operação a tornaram ideal para preparar novos pilotos, muitos dos quais enfrentariam os rigores do combate aéreo. Em janeiro de 1939, a Focke Wulf apresentou a variante FW-44C, que trouxe avanços significativos. Equipada com o motor radial Siemens-Halske SH-14A de sete cilindros, a aeronave introduziu uma inovação notável: um mecanismo que permitia ajustar os assentos durante o voo, aumentando o conforto de pilotos e instrutores. As banheiras dos assentos foram redesenhadas para acomodar paraquedas com almofadas integradas, refletindo uma preocupação crescente com a segurança em um período de intensificação militar. Cada tripulante dispunha de um painel de instrumentos, embora apenas o do piloto incluísse instrumentação completa para monitoramento de rádio, voo, navegação e motor. Essas melhorias tornaram o FW-44C uma ferramenta ainda mais eficaz para o treinamento, consolidando sua posição nas escolas de aviação. O uso intensivo do Stieglitz nas Fliegerschule gerou valiosas percepções, que culminaram no desenvolvimento da variante FW-44D. Essa versão incorporou refinamentos práticos, como a substituição do suporte de cauda por uma roda traseira, facilitando manobras em solo. 
Um compartimento de bagagem acessível por uma aba na fuselagem foi adicionado, aumentando a funcionalidade da aeronave. Além disso, a inclusão de luzes de posição e de pouso permitiu operações noturnas, um avanço crucial em um contexto de guerra iminente. Com a alta demanda por pilotos, o FW-44D tornou-se a variante mais produzida, levando à necessidade de fabricação sob licença por empresas como Bücker Flugzeugbau, AGO Flugzeugwerke e Siebel Flugzeugwerke. Em uma tentativa de explorar a versatilidade da plataforma, a Focke Wulf desenvolveu a variante FW-44E, que retornava ao motor Siemens-Halske SH-14 original. No entanto, apenas 20 unidades foram produzidas, sugerindo que a configuração não alcançou o mesmo sucesso das versões anteriores. Já a variante final, o FW-44F, introduzida em 1938, consolidou-se como o principal vetor de treinamento primário da Luftwaffe até a rendição alemã em 8 de maio de 1945. Essa versão incorporou os aprendizados de anos de operação, mantendo a essência do projeto original: simplicidade, robustez e eficácia. Entre os anos de 1934 e 1936 o potencial mercado de exportação para a aeronave, seria observado pela Focke Wulf Flugzeugbau Gmbh, levando sua diretoria a desenvolver uma versão de exportação que receberia a designação de FW-44J que receberia o motor radial  Siemens-Halske SH 14 A4 que entregava 160 cv de potência nominal. A fim de competir neste mercado com seus concorrentes norte-americanos e ingleses a empresa apresentaria a seus possíveis clientes uma vantajosa proposta de produção sob licença, envolvendo processos de nacionalização de componentes básicos e transferência primaria de tecnologia. O primeiro contrato  seria firmado com o governo sueco envolvendo a produção de 50 células a fim de equiparem a Força Aérea da Suécia (Flygvapnet), com estes acordos se repetindo junto as forças armadas da Tchecoslováquia e Bulgária. Neste mesmo momento negociações seriam conduzidas junto ao governo argentino que culminariam em um novo contrato a produção sob licença da aeronave no país, com este processo sendo conduzido junto a empresa estatal Fabrica Militar de Aviones - FMA. E por fim em 1936 um contrato semelhante a este seria firmado com o Brasil para produção junto as Oficinas Gerais da Aviação Naval” (OGAN). Além destes países,  suas variantes também seriam empregados pelas forças armadas da Turquia, Suíça, Iugoslávia, Espanha, Romênia, Polônia, Hungria, Finlândia, Colômbia, Chile, Bolívia, Bulgária, China, Áustria e Eslováquia. Centenas de aeronaves desta família, seriam mantidas em estado operacional até a rendição da Alemanha em 8 de maio de 1945, sendo retiradas totalmente do serviço ativo militar nos demais países somente em meados da década seguinte. Estima-se que um total de quase 2 mil aeronaves foram produzidas na Alemanha até o final de 1944, mas ao considerarmos as versões produzidas sob licença este número pode chegar a mais de 3 mil aeronaves.   

Emprego nas Forças Armadas Brasileiras. 
O início do século XX foi um período de efervescência para a aviação mundial, impulsionado pelo voo histórico do 14-Bis, criado por Alberto Santos Dumont em 1906. Esse marco colocou o Brasil no mapa da aviação global, inspirando a criação de instituições dedicadas à formação de pilotos. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918), embora não tenha envolvido diretamente o Brasil em combates aéreos, destacou a importância estratégica da aviação militar, motivando o país a investir em treinamento e infraestrutura.Nesse contexto, em fevereiro de 1914, foi fundada a Escola Brasileira de Aviação, localizada no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Estabelecida por meio de uma parceria entre o Ministério da Guerra e a empresa italiana Gino, Buccelli & Cia, a escola representou o primeiro esforço sistemático para formar aviadores militares brasileiros. A empresa italiana forneceu equipamentos e instrutores, trazendo expertise técnica para um país que ainda dava seus primeiros passos na aviação militar. Dois anos depois, em 23 de agosto de 1916, a Marinha do Brasil criou a Escola de Aviação Naval (EAvN), consolidando a aviação como um pilar estratégico para as forças armadas. Estabelecida na Ilha do Rijo, na Baía de Guanabara, a escola de aviação lançou as bases para a formação de pilotos que desempenhariam um papel crucial na defesa marítima do Brasil. Inicialmente, a escola de aviação  operava com uma frota diversificada, composta majoritariamente por aeronaves francesas, que eram consideradas modernas para a época. Modelos como os biplanos de origem francesa desempenharam um papel crucial na formação de pilotos navais, permitindo que a Marinha desenvolvesse suas capacidades operacionais. Com o avanço rápido da tecnologia aeronáutica nas décadas de 1910 e 1920, as aeronaves da Escola de Aviação Naval (EAvN) começaram a se tornar obsoletas. A necessidade de renovação da frota tornou-se evidente, levando à aquisição, a partir de 1931, de aeronaves britânicas dos modelos De Havilland DH-60T e DH-82, e DH-82A. Esses biplanos, conhecidos pela robustez e versatilidade, atenderam às demandas imediatas de treinamento, permitindo que a Escola de Aviação Naval (EAvN) continuasse a formar pilotos para missões navais. No entanto, na segunda metade da década de 1930, a Aviação Naval enfrentou desafios significativos. A frota de treinamento da escola passou a apresentar baixos índices de disponibilidade, comprometendo a capacidade de formação de pilotos. Esse problema era resultado da existência de uma grade variedade de modelos aliada a carência crônica de treinamento técnico, ferramental adequado e materiais necessários para a manutenção complexa das aeronaves. A falta de capacitação em processos de manutenção preventiva e corretiva resultava em longos períodos de inatividade, prejudicando o treinamento e a prontidão operacional.

O cenário preocupante revelou a necessidade urgente de uma renovação abrangente da frota. Contudo, as experiências passadas serviram como lição: a aquisição de novas aeronaves, por si só, não seria suficiente. Era fundamental abordar as lacunas em capacitação técnica e infraestrutura de manutenção para evitar a repetição de erros anteriores. Assim, surgiu a ideia de adotar uma abordagem mais completa, que combinasse a compra de novas aeronaves com a transferência de conhecimento técnico. Esse modelo visava garantir não apenas a operação eficiente dos equipamentos, mas também a implementação de processos de manutenção preventiva e corretiva, fundamentais para a sustentabilidade da frota. Essa visão estratégica refletia a maturidade crescente da aviação militar brasileira. Em um contexto global marcado pela escalada de tensões que culminariam na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Brasil buscava fortalecer sua soberania aérea, preparando-se para os desafios do futuro. A formação de pilotos não era apenas uma questão técnica, mas também um empreendimento humano, envolvendo a dedicação de instrutores, mecânicos e oficiais que trabalhavam para transformar jovens recrutas em aviadores qualificados. Neste contexto a Aviação Militar enfrentava um cenário similar, porém a  busca por soluções revelou diferenças estratégicas entre a Marinha e o Exército Brasileiro. Enquanto o Exército defendia parcerias com a iniciativa privada para estabelecer linhas de montagem de aeronaves destinadas à Aviação Militar, a Marinha propunha um modelo mais centralizado, no qual a própria instituição gerenciaria a produção sob licença. Essa visão era sustentada pela experiência acumulada pelas Oficinas Gerais da Aviação Naval (OGAN), que, apesar de limitações, já realizavam manutenções de quarto nível (reparos complexos que exigiam desmontagem significativa). O comando da Aviação Naval acreditava que essa expertise poderia ser ampliada, transformando as oficinas em um embrião de uma fábrica de aviões capaz de atender às demandas da Escola de Aviação Naval (EAvN). A proposta da Marinha não se limitava à aquisição de aeronaves, mas visava a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de uma capacidade técnica nacional. Esse enfoque refletia uma visão de longo prazo, buscando reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros e fortalecer a indústria aeronáutica brasileira. Para identificar as melhores opções, o Ministério da Marinha enviou delegações de oficiais ao exterior, com o objetivo de avaliar as capacidades das principais fabricantes aeronáuticas da época. Países como Alemanha, Estados Unidos, França e Itália, líderes na indústria aeroespacial, foram visitados. A delegação enviada à Alemanha, liderada pelo Comandante Raymundo Vasconcelos de Aboim, teve um papel decisivo. Durante a visita à Focke Wulf Flugzeugbau GmbH, uma das mais renomadas empresas aeronáuticas alemãs, os oficiais brasileiros foram apresentados a uma proposta abrangente e vantajosa, envolvendo a produção sob licença.
Esta proposta envolvia três aeronaves distintas, projetadas para atender às diferentes fases do treinamento de pilotos : o biplano FW-44J Stieglitz, para treinamento primário; o monoplano FW-56 Stösser, para treinamento intermediário; e o bimotor monoplano FW-58 Weihe, para treinamento multimotor. Um dos aspectos mais significativos do acordo com a Focke Wulf foi o compromisso com a transferência de tecnologia. Além do fornecimento das aeronaves, a empresa alemã ofereceu suporte técnico para o desenvolvimento de uma engenharia de processos de produção, capacitando as Oficinas Gerais da Aviação Naval (OGAN) a gerirem a fabricação local. Gradativamente, componentes não críticos seriam nacionalizados, promovendo a capacitação técnica local e alinhando-se aos interesses de soberania nacional. Esse modelo permitiu que o Brasil não apenas adquirisse aeronaves modernas, mas também construísse uma base de conhecimento técnico, essencial para a sustentabilidade da Aviação Naval. Em junho de 1936, a pedra fundamental das novas instalações da OGAN foi lançada na Base de Aviação do Galeão, no Rio de Janeiro. Essas instalações, amplas e projetadas para suportar a produção sob licença, simbolizavam o compromisso da Marinha com a modernização. A chegada da primeira célula do FW-44J, desmontada, ao porto do Rio de Janeiro em 2 de novembro de 1936, marcou o início prático do projeto. Montada por técnicos alemães em colaboração com a equipe brasileira, a aeronave, registrada com a matrícula I1Fw-146, realizou seu primeiro voo em 10 de novembro de 1936. Após um programa de ensaios bem-sucedido, a aceitação operacional foi confirmada, liberando a produção de dois lotes de 20 aeronaves, com entregas previstas entre 1937 e 1938. A produção do FW-44J no Brasil foi um marco de capacitação técnica. O primeiro lote, com aeronaves matriculadas de I1AvN-126 a I1AvN-145, foi concluído entre 8 de maio e 4 de agosto de 1937. O segundo lote, com matrículas de I1AvN-148 a I1AvN-167, foi produzido entre 29 de janeiro e 25 de julho de 1938. Esse processo envolveu um esforço intenso de treinamento de operários e técnicos brasileiros, que, sob orientação alemã, dominaram os processos de montagem e a preparação do ferramental necessário. A nacionalização gradual de componentes não críticos, prevista no contrato, reforçou a autonomia técnica do país, transformando a OGAN em um embrião de uma indústria aeronáutica nacional. Batizadas na Aviação Naval como Pintassilgo, em homenagem ao nome alemão Stieglitz, as aeronaves foram destinadas à 1ª Divisão de Aviões de Treinamento da EAvN, substituindo os obsoletos De Havilland DH-82 e DH-82A Tiger Moth a partir de 1937. Organizadas em quatro esquadrilhas (1-I-1, 2-I-1, 3-I-1 e 4-I-1). 

Em 1939, a Aviação Militar do Exército Brasileiro também se beneficiou do FW-44J, recebendo duas células doadas pelo governo argentino, produzidas pela Fábrica Militar de Aviones (FMA). Registradas com as matrículas originais “57” e “58”, essas aeronaves foram destinadas à Escola de Aeronáutica Militar (EaeM), onde foram empregadas no treinamento de oficiais. Essa doação, embora pequena, reflete a crescente cooperação regional na América do Sul e o reconhecimento do Stieglitz como uma plataforma confiável para o treinamento aeronáutico. Em 20 de janeiro de 1941, o Decreto-Lei nº 2.961 instituiu o Ministério da Aeronáutica, consolidando a Aviação Naval e a Aviação Militar do Exército sob a égide da recém-criada Força Aérea Brasileira. Esse movimento, implementado durante o regime do Estado Novo (1937-1945) sob Getúlio Vargas, refletia a necessidade de modernizar as forças armadas em um cenário global de intensas tensões bélicas. A Segunda Guerra Mundial, em curso na Europa e na Ásia, exigia que o Brasil fortalecesse sua capacidade militar, especialmente após sua decisão de alinhar-se aos Aliados em 1942, com a entrada formal no conflito após ataques a navios brasileiros por submarinos alemães. A unificação trouxe mudanças significativas. Toda a frota de aeronaves, incluindo os 30 FW-44J Pintassilgos da Aviação Naval e as duas células doadas à Aviação Militar pelo governo argentino, foi transferida para a Força Aérea Brasileira (FAB). Inicialmente, essas aeronaves foram mantidas em operação na 1ª Esquadrilha de Adestramento Militar (1º EAM), mas a reorganização da nova arma aérea trouxe desafios inesperados para o uso do Pintassilgo. Para otimizar recursos e centralizar a formação de pilotos, o Ministério da Aeronáutica determinou que a Escola de Aeronáutica (EAer), sediada no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, seria responsável pelo treinamento de novos aviadores, utilizando exclusivamente os efetivos e aeronaves oriundos da Aviação Militar do Exército. Essa diretiva, embora lógica do ponto de vista organizacional, excluiu os FW-44J Pintassilgos do processo de treinamento formal. As aeronaves, projetadas para treinamento básico, foram relegadas a tarefas administrativas, como voos de ligação e transporte. Algumas unidades foram transferidas para a Diretoria de Aviação Civil (DAC), que as doou a aeroclubes em diversas regiões do país, onde passaram a ser usadas por pilotos civis. Essa marginalização inicial reflete as limitações da frota da Força Aérea Brasileira (FAB) na época. Muitas das aeronaves herdadas, incluindo os Pintassilgos, eram consideradas obsoletas frente às demandas de um conflito moderno. A falta de aeronaves de treinamento básico e avançado comprometia a capacidade da Força Aérea Brasileira (FAB) de formar pilotos em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades estratégicas do país.
O envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial,  expôs a urgência de aumentar o programa de formação de pilotos, assim para  suprir a carência de pilotos qualificados, o Ministério da Aeronáutica criou os Centros de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), com destaque para o centro localizado na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Nesse contexto, os FW-44J Pintassilgos remanescentes foram reincorporados ao serviço ativo. O comando da FAB designou essas aeronaves para o CPOR do Galeão, com a missão de transformar pilotos civis, muitos dos quais já haviam treinado em aeroclubes, em aviadores militares aptos para emprego imediato. Consequentemente, a Fábrica do Galeão (Ex-Oficinas Gerais da Aviação Naval) trataria de reforçar a dotação das aeronaves FW-44J da 1º Esquadrilha de Adestramento Militar (1ºEAM) provendo uma completa revisão estrutural, curiosamente uma das células argentinas não seria inclusa neste programa, passando a pertencer a dotação da Fábrica do Galeão e lá ficou até ser transferido para a Diretoria de Aviação Civil (DAC). Após as células serem submetidas a este programa e devolvidas a agora renomeada 5º Esquadrilha do Grupamento CPOR Aer seriam responsáveis a ministrar em doze semanas um total de sessenta horas de voo de instrução primaria militar  a pilotos civis formados em aeroclubes. Em seu auge esta esquadrilha chegaria a contar com vinte e três células dos FW-44J em condições de voo, atendendo de setenta a oitenta aviadores das turmas de 1942 e 1943. Porém o final da carreira militar destes treinadores no Brasil rapidamente se aproximava, pois o alinhamento político do governo brasileiro aos aliados e os consequentes bloqueios navais impostos a navios mercantes alemães, levaria a drástica interrupção no fluxo de peças de reposição, principalmente de itens essenciais, principalmente os delicados componentes do motor a pistão Siemens-Halske SH-14A. Este cenário elevou rapidamente as taxas de indisponibilidade do modelo junto a FAB, aliado a este fato, o recebimento de novos modelos de instrução primaria norte-americanos como os Fairchild PT-19A/B, viria iniciar a partir do início do ano de 1945 o processo de substituição e desativação dos Focke Wulf FW-44J . Das 28 aeronaves remanescente, as quinze consideradas em melhor estado seriam transferidas ao Departamento de Aviação Civil (DAC), sendo então doadas para o emprego civil junto a aeroclubes.  Algumas poucas células ainda permaneceriam em uso na Força Aérea Brasileira (FAB) até fins de 1946, sendo empregados em missões de ligação como aeronaves orgânicas junto à Base Aérea do Galeão no Rio de Janeiro e Base Aérea de Canoas, no estado do Rio Grande do Sul. 

Em Escala. 
Para representarmos o Focke Wulf FW-44J “I1AvN 129” Pintassilgo pertencente a Aviação Naval da Marinha do Brasil, empregamos o antigo kit short run da Pegasus na escala 1/72. Esse tipo de kit, conhecido por sua concepção rústica, apresenta desafios significativos devido à simplicidade de suas peças e à ausência de detalhes refinados encontrados em kits mais modernos. Assim  necessário confeccionar diversas peças artesanalmente, em um processo conhecido como scratch building. Elementos como as hastes das asas, o para-brisa e o sistema do trem de pouso exigiram cuidados minuciosos, combinando técnica e criatividade para garantir a autenticidade do modelo. Para dar vida ao FW-44J I1AvN-129, foram utilizados decais da FCM Decals, selecionados de diferentes conjuntos para reproduzir  as marcações da Escola de Aviação Naval (EAvN). 
O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o primeiro padrão de pintura das aeronaves produzidas nas Oficinas Gerais da Aviação Naval (OGAN),  ao longo de sua carreira, este padrão seria mantido recebendo a adoção de faixas em vermelho, azul e verde. Este padrão seria mantido após sua transferência a Força Aérea Brasileira, com alguma células recebendo um esquema de alta visibilidade em laranja "vivo", semelhante ao  empregado nas aeronaves Boeing Stearman PT-17 e Fairchild PT-19, mantendo esta sistemática até sua baixa de serviço em 1946.


Bibliografia:
- FW-44J No Brasil - Revista ASAS nº 73 - Aparecido Camazano Alamino
- História da Força Aérea Brasileira, Prof Rudnei Dias Cunha
- Focke Wulf FW-44  - Wikipedia  https://en.wikipedia.org/wiki/Focke-Wulf_Fw_44
- Aeronaves Militares Brasileiras 1916 – 2015 – Jackson Flores
- Asas sob os Mares , Prof Rudnei Dias Cunha - http://www.rudnei.cunha.nom.br/Asas%20sobre%20os%20mares/index.html