Avro 504K Roe e 504N Lince



História e Desenvolvimento.
A fundação da A.V. Roe and Company, em 1º de janeiro de 1910, marcou um capítulo pioneiro na história da aviação mundial, representando um marco de inovação, empreendedorismo e determinação em um período de efervescência tecnológica. Estabelecida em Brownsfield Mill, na Great Ancoats Street, Manchester, pelos irmãos Alliott Verdon Roe e Humphrey Verdon Roe, a empresa emergiu como uma das primeiras a produzir aeronaves em série, contribuindo significativamente para o desenvolvimento da indústria aeronáutica britânica. A história da A.V. Roe and Company é, acima de tudo, uma narrativa de visão, perseverança e colaboração fraterna, que transformou os sonhos de voo de Alliott em uma realidade comercial e militar, deixando um legado duradouro na aviação. Alliott Verdon Roe, um engenheiro visionário, foi o coração técnico da empresa, responsável pelo projeto e construção das aeronaves. Seu irmão, Humphrey, desempenhou um papel igualmente crucial, trazendo suporte financeiro obtido por meio dos lucros do negócio familiar de teares e assumindo a direção administrativa até 1917, quando se juntou ao Royal Flying Corps (RFC). Antes mesmo da fundação da companhia, Alliott já havia demonstrado sua genialidade: em 1908, seu primeiro aeroplano, o Roe I Triplane, apelidado de The Bullseye, realizou seu voo inaugural nos campos de Manchester. Este modelo, projetado e construído artesanalmente, é amplamente reconhecido como a primeira aeronave de projeto integralmente britânico, um feito que colocou a Inglaterra na vanguarda da aviação em seus primórdios. Com o estabelecimento formal da A.V. Roe and Company, a operação foi estruturada para atender ao crescente mercado de aviação. Um galpão foi alugado no Brooklands Flying Grounds, onde as aeronaves finalizadas eram exibidas e comercializadas por £450, um preço acessível para a época. As vendas começaram a ganhar tração, impulsionadas pela evolução constante dos projetos de Alliott. No final de 1912, o negócio não apenas se provou financeiramente viável, mas também revelou um potencial promissor, com perspectivas de crescimento a curto e médio prazo. Em 1913, a empresa alcançou autonomia financeira e tornou-se altamente lucrativa, consolidando sua posição em um mercado que, embora vibrante, começava a atrair concorrentes, desafiando a A.V. Roe a inovar continuamente para manter sua competitividade. Um marco significativo na trajetória da empresa foi a construção, em 1912, do monoplano Tipo F e do biplano Avro Tipo G, as primeiras aeronaves do mundo com cabine fechada para a tripulação. Embora esses modelos não tenham avançado além do estágio de protótipo, eles demonstraram a ousadia e a visão inovadora da companhia. O verdadeiro impulso para o futuro da A.V. Roe veio com o lançamento do Avro E, também conhecido como Avro 500, uma aeronave que se destacou por seu desempenho excepcional. Este modelo atraiu a atenção do Royal Flying Corps, resultando, no final de 1913, no primeiro contrato militar da empresa: a encomenda de 18 células destinadas aos Esquadrões de Treinamento nº 3, nº 4 e nº 5. As entregas começaram no início de 1914, e, em março do mesmo ano, as aeronaves foram declaradas plenamente operacionais, marcando a entrada definitiva da A.V. Roe no setor de defesa e consolidando sua reputação como uma fabricante confiável.

O Avro E 500, lançado em 1913, conquistou ampla aceitação entre pilotos e instrutores do Corpo Aéreo Real RFC (Royal Flying Corps), recebendo elogios do comando por seu desempenho confiável e design robusto. Esse sucesso motivou a diretoria da A.V. Roe and Company, liderada por Alliott Verdon Roe, a investir recursos próprios no desenvolvimento de uma versão aprimorada, resultando no Avro 504. Apesar de derivado de seu antecessor, o novo modelo incorporava melhorias significativas em aerodinâmica e desempenho, demonstrando o compromisso da empresa com a inovação contínua. Em julho de 1913, dois protótipos foram fabricados, e o primeiro voo ocorreu em 5 de setembro do mesmo ano, a tempo de participar da Feira Aérea Internacional de Farnborough. O design avançado e a performance impressionante do Avro 504 atraíram imediatamente a atenção do comando das forças armadas britânicas, que reconheceram seu potencial para atender às crescentes demandas militares. As negociações com o Corpo Aéreo Real  - RFC (Royal Flying Corps) e o Real Serviço Aéreo Naval - RNAS (Royal Naval Air Service) resultaram na assinatura de contratos para a produção de um número substancial de aeronaves, marcando um momento de virada para a A.V. Roe. No entanto, a capacidade produtiva da fábrica original, localizada em Brownsfield Mill, Manchester, revelou-se insuficiente para atender à demanda. Em resposta, a empresa transferiu suas operações para instalações maiores em Clifton Street, Miles Platting, ainda em Manchester. Mesmo essa medida se mostrou temporária, pois o aumento contínuo dos pedidos levou a um novo estrangulamento produtivo, forçando a migração para as instalações da Mather & Platt Works, em Newton Heath. Essas expansões refletem o dinamismo da A.V. Roe em adaptar-se às exigências de um mercado em rápida expansão, bem como a dedicação de seus funcionários, que trabalharam arduamente para manter a produção em ritmo acelerado. As primeiras unidades do Avro 504 foram declaradas operacionais em março de 1914, sendo inicialmente destinadas a missões de treinamento e observação. Sua versatilidade e confiabilidade tornaram-no um pilar dos esquadrões de instrução do RFC e do RNAS, preparando pilotos para os desafios da aviação militar. Contudo, o eclodir da Primeira Guerra Mundial, em 28 de julho de 1914, transformou profundamente o destino da A.V. Roe and Company e do Avro 504. O conflito, que envolveu as principais potências europeias em uma escala sem precedentes, elevou a aeronave a um novo patamar operacional. Além de seu papel em treinamento, o Avro 504 foi empregado em missões de combate na frente europeia, incluindo reconhecimento, bombardeio leve e até ataques improvisados. Essa adaptação às exigências da guerra destacou a robustez do projeto e a capacidade da empresa de responder rapidamente às necessidades militares.
Em 14 de agosto de 1914, apenas duas semanas após o início da Primeira Guerra Mundial, o Avro 504 fez história de maneira trágica ao se tornar a primeira aeronave britânica abatida pelo fogo antiaéreo alemão. Pilotada pelo 2º Tenente Vincent Waterfall, com o Tenente Charles George Gordon Bayly como navegador, a aeronave pertencia ao 5º Esquadrão do Royal Flying Corps (RFC). Esse evento, ocorrido em um contexto de guerra incipiente, destacou os riscos enfrentados pelos primeiros aviadores, que operavam em máquinas frágeis e expostas, enfrentando defesas antiaéreas cada vez mais eficazes. Apesar dessa perda, o Avro 504 logo demonstrou sua versatilidade em uma missão notável conduzida pelo Royal Naval Air Service (RNAS) em 21 de novembro de 1914. Três Avro 504, partindo de Belfort, no nordeste da França, realizaram um audacioso ataque às instalações alemãs de produção e manutenção de dirigíveis Zeppelin em Friedrichshafen, nas margens do Lago de Constança. Carregando quatro bombas de 20 libras (9 kg) cada, as aeronaves enfrentaram condições adversas, com uma sendo abatida próximo ao alvo. As demais, no entanto, lograram êxito, atingindo diretamente os galpões dos dirigíveis e destruindo uma usina geradora de hidrogênio, em uma operação que demonstrou o potencial estratégico da aviação em alvos de alto valor. Conforme a Primeira Guerra Mundial ganhava intensidade, a tecnologia aeronáutica avançava em um ritmo frenético, com o surgimento de novas gerações de caças, bombardeiros e aeronaves de observação mais avançados. Esse progresso tornou o ambiente de combate cada vez mais hostil para o Avro 504, cujas capacidades, embora notáveis para sua época, foram superadas por modelos mais modernos. Assim, a aeronave foi rapidamente relegada a missões de segunda linha, sendo transferida para esquadrões de treinamento na Inglaterra, onde continuou a desempenhar um papel crucial na formação de pilotos. Até então, a produção do Avro 504 já alcançava milhares de unidades, abrangendo versões que evoluíram do Avro 504A ao Avro 504J, com motores que progrediram de 60 hp para 80 hp, refletindo o esforço contínuo da A.V. Roe and Company para aprimorar sua criação. No inverno de 1917 e 1918, a escassez de aeronaves de caça no continente europeu e a necessidade urgente de substituir os obsoletos interceptadores Vickers B.E.2c nos esquadrões de defesa doméstica levaram o comando do RFC a uma decisão inovadora: converter os Avro 504J e 504K para missões de caça. Essas versões foram adaptadas para um único assento, equipadas com uma metralhadora leve Lewis .303 (7,62 mm), montada acima da asa, e padronizadas com motores Gnome Monosoupape de 100 hp. Um total de 274 células foram modificadas, sendo distribuídas a oito esquadrões de defesa doméstica. Essa conversão, embora improvisada, demonstrou a versatilidade do Avro 504 e a capacidade da A.V. Roe de responder às demandas emergentes da guerra, mesmo em um contexto de recursos limitados.

A trajetória do Avro 504 como a principal aeronave de instrução primária da aviação britânica é uma história de longevidade, versatilidade e impacto global, que reflete o talento de seus criadores na A.V. Roe and Company e a dedicação de gerações de pilotos, instrutores e técnicos que confiaram em suas qualidades para formar aviadores em todo o mundo. Após a Primeira Guerra Mundial, encerrada em novembro de 1918, o Avro 504 consolidou-se como o “treinador padrão” britânico, uma conquista atribuída à sua estabilidade, facilidade de manuseio e robustez. Com a criação da Força Aérea Real (RAF) em 1918, resultante da fusão do Royal Flying Corps (RFC) e do Royal Naval Air Service (RNAS), o Avro 504 continuou a desempenhar um papel central nos esquadrões de treinamento, formando milhares de pilotos que seriam a espinha dorsal da aviação militar britânica. A abundância de aeronaves consideradas “excedentes de guerra” permitiu que cerca de 300 Avro 504 fossem transferidos para escolas civis de pilotagem na Grã-Bretanha, onde receberam registros civis. Nessas instituições, as aeronaves foram empregadas não apenas no treinamento de pilotos, mas também em tarefas inovadoras, como o reboque de faixas publicitárias, uma prática que demonstrava sua versatilidade. Muitas dessas aeronaves permaneceram em uso até o início da década de 1940, um testemunho de sua durabilidade em uma era de rápidos avanços tecnológicos. A influência do Avro 504 transcendeu as fronteiras britânicas. Na nascente força aérea da União Soviética, formada após a Revolução de 1917 e a Primeira Guerra Mundial, o modelo foi adotado tanto em sua forma original quanto em uma versão local, conhecida como Avrushka (“Little Avro”). Equipadas com cópias russas do motor rotativo Gnome Monosoupape, essas aeronaves foram amplamente utilizadas no treinamento primário até o final da década de 1920, contribuindo para a consolidação da aviação militar soviética em seus primeiros anos. Na China Nacionalista, durante o mesmo período, o Avro 504 foi adquirido em grande quantidade, inicialmente para treinamento. No entanto, em meio às guerras regionais que marcaram a década de 1920, essas aeronaves foram adaptadas para missões de combate, com pilotos lançando granadas de mão e morteiros modificados em ataques improvisados. Esses usos, embora rudimentares, destacam a adaptabilidade do Avro 504 em contextos de recursos limitados. Em 1925, a A.V. Roe and Company, buscando manter a relevância do Avro 504 em um cenário de avanços tecnológicos, apresentou o Avro 504N, uma versão modernizada do modelo original. Dois protótipos foram construídos para avaliação: um equipado com o motor Bristol Lucifer e outro com o Armstrong-Siddeley Lynx. O desempenho superior do motor Lynx levou à sua seleção pela RAF, que encomendou 592 células entre 1925 e 1932. 
Essas aeronaves equiparam cinco esquadrões de treinamento e foram usadas também como aviões de comunicação, reforçando o papel do Avro 504N como uma ferramenta essencial para a formação de pilotos. A nova versão também conquistou mercados internacionais, sendo exportada para forças militares da Bélgica, Brasil, Chile, Dinamarca, Grécia, Sião (atual Tailândia) e África do Sul. Além disso, a produção licenciada do Avro 504N ocorreu na Dinamarca, Bélgica, Canadá e Japão, evidenciando o alcance global do modelo e a confiança depositada em seu design. Os Avro 504N da Força Aérea Real (Royal Air Force) passariam a ser substituídos a partir de 1933 pelo novo treinador primário Avro Tutor, ao fim de 1935 restariam apenas sete células que seriam convertidas em aeronaves rebocadoras de alvos e planadores. Grande parte das aeronaves em bom estado de conservação seriam doados para escolas civis de pilotos, recebendo o registro civil, se mantendo em operação até o início da década de 1940. Ao todo foram produzidas entre os anos de 1914 e 1928 um total de onze mil quatrocentas e oitenta e quatro células, dispostas em vinte e nove versões. Além de serem montados em treze fábricas na Grã-bretanha, a aeronave seria ainda montada sob licença na Argentina, Bélgica, União Soviética, Japão, Canadá, Dinamarca, França, com versões customizadas desenvolvidas localmente como as japonesas Yokosuka K2Y1 e Yokosuka K2Y2, russas como U-1 (Uchebnyi – 1) e MU-1 (Morskoy Uchebnyi – 1), dinamarquesa Orlogsværftet Flyvemaskineværksted LB.I e australianas como598 Warregull e  599 Warregull II.  Sua versão a ser mais produzida, no entanto, seria o Avro 504K, modelo originalmente configurado como aeronave de treinamento de dois lugares, que apresentava como curiosidade a possibilidade de poder a ser equipado como uma vasta gama de motores em virtude da escassez de componentes durante a Primeira Guerra Mundial. Em termos de operadores militares o modelo esteve a serviço das forças armadas do Brasil, Argentina, Canada, Estônia, Finlândia, Grécia, Guatemala, Índia Britânica, Irã, Irlanda, Japão, Letônia, Malaia, México, Mongólia, Noruega, Peru, África do Sul, Sião, Polônia, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia Uruguai e Estados Unidos. O modelo registraria sua marca na História aeronáutica internacional, por ser a primeira aeronave britânica a dispersar tropas em terra, bem como o primeiro avião britânico a fazer um bombardeio sobre a Alemanha, sendo também a primeira a ser derrubada por fogo antiaéreo inimigo. Seria eternizada por formar futuros ases do conflito, como Billy Bishop entre outros que apelidariam a aeronave como "palito de dente" na Força Aérea Real (Royal Air Force).   

Emprego na Marinha do Brasil.
O desenvolvimento da aviação militar no Brasil teve suas raízes no início do século XX, um período marcado por avanços tecnológicos revolucionários desencadeados pelo primeiro voo controlado de uma aeronave mais pesada que o ar, realizado pelo inventor brasileiro Alberto Santos-Dumont em 1906 com o 14-bis, em Paris. Inspirado por esse marco e pela crescente relevância da aviação nos conflitos globais, o Brasil buscou estruturar sua capacidade aérea militar. Em fevereiro de 1914, foi fundada a Escola Brasileira de Aviação no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, por meio de uma parceria entre o Ministério da Guerra e a empresa italiana Gino, Buccelli & Cia. Essa colaboração envolveu o fornecimento de equipamentos e instrutores estrangeiros para formar os primeiros aviadores militares do Exército Brasileiro, estabelecendo as bases para a Aviação Militar. Paralelamente, a Marinha do Brasil, reconhecendo o potencial estratégico da aviação em operações marítimas, demonstrou pioneirismo ao criar a Escola de Aviação Naval (EAvN) em 23 de agosto de 1916. Essa iniciativa foi impulsionada pela visão de líderes navais, como o então Ministro da Marinha, Almirante Alexandrino de Alencar, que se inspirou no uso de aeronaves durante a Primeira Guerra Mundial (1914–1918). A guerra destacou o valor dos hidroaviões em missões de reconhecimento, patrulha e apoio naval, motivando a Marinha a adquirir suas primeiras aeronaves. Sob a liderança do Almirante Protógenes Pereira Guimarães, patrono da Aviação Naval Brasileira, a EAvN foi incumbida de desenvolver a doutrina de emprego aéreo e preparar pessoal qualificado para operar essas plataformas. As primeiras aeronaves adquiridas pela Marinha foram três aerobotes Curtiss Model F, fabricados pela Curtiss Aircraft Company, dos Estados Unidos. O primeiro desses hidroaviões realizou seu voo operacional em 1916, enquanto os outros dois foram montados até outubro do mesmo ano na Carreira Tamandaré, localizada no Arsenal de Marinha, próximo ao Morro de São Bento, no Rio de Janeiro. Essa área, situada nas proximidades da antiga ponte para a Ilha das Cobras, é hoje ocupada pelo rancho do 1º Distrito Naval. Pouco depois, a EAvN foi transferida para a Ilha das Enxadas, onde foram construídos dois hangares com capacidade para abrigar quatro aeronaves cada, consolidando a infraestrutura inicial para a formação de aviadores navais. Nos anos seguintes, a EAvN, com o apoio de instrutores norte-americanos, concentrou-se na formação dos primeiros aviadores navais brasileiros, desenvolvendo competências essenciais para operações aéreas marítimas. Contudo, o aumento da complexidade das missões navais, que incluíam observação, caça e bombardeio, revelou a necessidade de modernizar a frota e as práticas de instrução. Muitos dos hidroaviões utilizados pela EAvN, que compunham uma coleção variada de modelos, estavam alcançando o fim de sua vida útil operacional no final da década de 1910. 

Essa obsolescência, combinada com a evolução tecnológica da aviação militar, exigiu uma reavaliação estratégica. Para enfrentar esses desafios, a Marinha decidiu reduzir a diversidade de tipos de aeronaves em sua frota, padronizando os equipamentos e sistematizando os métodos de instrução de voo. Essa iniciativa visava aumentar a eficiência do treinamento e preparar a Aviação Naval para incorporar modelos mais modernos, capazes de atender às demandas de operações multifuncionais. A modernização incluiu a aquisição de aeronaves com maior desempenho e a adoção de práticas de ensino mais estruturadas, alinhadas com os padrões internacionais da época. Nesse contexto, a Marinha buscou modernizar suas práticas de formação de pilotos, inspirando-se em métodos avançados desenvolvidos pelas potências aliadas. A adoção do “Sistema Gosport”, introduzido pelo Royal Naval Air Service (RNAS) britânico em 1916, representou um marco na sistematização do treinamento de pilotos. Esse sistema, que enfatizava o uso de aeronaves terrestres para instrução inicial, oferecia maior segurança e eficiência em comparação com os hidroaviões, permitindo aos alunos dominar habilidades básicas de voo antes de progredir para operações mais complexas.   Para implementar o Sistema Gosport, a Marinha do Brasil enviou uma delegação de oficiais à Inglaterra, onde puderam estudar de perto as práticas de treinamento e as aeronaves empregadas. Durante essa missão, os oficiais brasileiros tiveram seu primeiro contato com o Avro 504, uma aeronave biplana projetada pela Avro Aircraft Company e amplamente utilizada como treinador primário pelo RNAS e pela Royal Air Force (RAF). O Avro 504, introduzido em 1913, tornou-se um dos aviões de treinamento mais icônicos da Primeira Guerra Mundial, conhecido por sua robustez, facilidade de manutenção e versatilidade. Sua adoção no Sistema Gosport consolidou-o como o padrão para a formação de pilotos, influenciando a decisão brasileira de incorporá-lo à Aviação Naval. A incorporação do primeiro Avro 504K pela Marinha do Brasil ocorreu de forma fortuita, em maio de 1920, como resultado do término das operações da companhia aérea britânica Handley Page Ltda no Brasil. Após a Primeira Guerra Mundial, o excesso de material aeronáutico disponível no mercado internacional incentivou a criação de empresas de transporte aéreo. A Handley Page, autorizada pelo governo brasileiro a operar rotas entre cidades brasileiras, trouxe ao país quatro aeronaves, incluindo um Avro 504K. Com a falência da empresa, suas aeronaves foram doadas ao governo brasileiro, e o Avro 504K, registrado com a matrícula “46”, foi transferido para a EAvN. A integração desse exemplar à EAvN, ainda sediada na Ilha das Enxadas, apresentou desafios, uma vez que a base não dispunha de uma pista adequada para aeronaves terrestres. 
Não há registros claros se o Avro 504K foi desmontado e armazenado ou mantido em outro local. Contudo, esse evento marcou o início da transição da Aviação Naval para o uso de aviões terrestres, alinhando-se ao Sistema Gosport. Para atender à crescente demanda por aeronaves de treinamento modernas, a Marinha destinou recursos para ampliar sua frota de Avro 504. Em 1921, foram adquiridas quatro células usadas, equipadas com o motor rotativo Gnome Monosoupape de 100 hp, conhecido por sua confiabilidade. As duas primeiras unidades chegaram ao Brasil no final do primeiro semestre de 1921, sendo montadas em agosto e enviadas ao Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, onde operaram temporariamente até a conclusão de uma pista na nova base da EAvN, na Ponta do Galeão. Um acidente resultou na perda de uma dessas aeronaves, levando à montagem das duas células restantes entre novembro e dezembro de 1921. A frota foi reforçada com a celebração de um contrato em 23 de maio de 1922 com a Curtiss Aeroplane Export Corporation, para a aquisição de mais 12 células usadas do Avro 504, configuradas com motores radiais Le Rhône de 110 hp. Essas aeronaves, embora de segunda mão, representavam um avanço em relação aos hidroaviões iniciais, oferecendo maior desempenho e adequação às práticas de treinamento sistematizadas. Até o final de 1923, a Aviação Naval operava 16 aeronaves Avro 504K, alocadas à 3ª Esquadrilha da Flotilha de Treinamento, sediada na Ilha das Enxadas e, posteriormente, na Ponta do Galeão. Apesar do número considerável, a disponibilidade operacional era severamente limitada devido a pequenos acidentes e à falta de manutenção adequada. Durante os tumultos políticos de 1924, as atividades da EAvN foram significativamente reduzidas, resultando em uma queda de 50% no número de alunos formados em 1925. Em momentos de maior tensão revolucionária, algumas aeronaves Avro 504K foram armadas com metralhadoras Lewis calibre .303 (7,62 mm × 54 mm) para missões de apoio tático, evidenciando a versatilidade do modelo em cenários de crise. As restrições orçamentárias impostas pelo contexto político limitaram o fluxo de peças de reposição, levando a índices alarmantes de indisponibilidade. Em 1925, apenas quatro células estavam operacionais, com as demais armazenadas ou em manutenção prolongada. No ano seguinte, o Centro de Aviação Naval do Rio de Janeiro (CAvNRJ) conseguiu recuperar uma aeronave adicional, mas os desafios persistiram. Em 1926, três Avro 504K realizaram um feito notável para a época: um raid aéreo entre o Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Contudo, duas aeronaves foram perdidas durante a missão, reduzindo ainda mais a frota operacional. Até o final de 1927, apenas três Avro 504K permaneciam disponíveis, com as demais perdidas em acidentes ou em reparos de grande escala.

Reconhecendo a necessidade de modernizar sua frota de treinamento, a Diretoria Geral de Aeronáutica da Marinha avaliou propostas para aquisição de novas aeronaves. Embora inicialmente considerasse a compra de células usadas do Avro 504K junto ao governo britânico, a atenção voltou-se para a variante mais moderna, o Avro 504N/O, equipada com melhorias significativas, como o motor radial Armstrong Siddeley Lynx de 180 hp, que oferecia maior desempenho e confiabilidade. Em janeiro de 1927, a Marinha celebrou um contrato para a aquisição de seis células novas de fábrica, acompanhadas de um amplo pacote de peças de reposição, visando mitigar os problemas de manutenção enfrentados anteriormente. As novas aeronaves Avro 504N/O foram recebidas e colocadas em condições de voo durante o primeiro semestre de 1928. Elas passaram a compartilhar as tarefas de treinamento com os Avro 504K remanescentes, que, devido ao desgaste, registraram uma redução significativa no número de horas de voo. A introdução do 504N/O representou um avanço na padronização do treinamento, alinhando a EAvN aos padrões internacionais de formação de pilotos. A operação das novas aeronaves não foi isenta de dificuldades. Apenas três dias após o primeiro voo de um Avro 504N/O, em julho de 1928, uma das células sofreu uma pane no motor e caiu nas proximidades do CAvNRJ. No mês seguinte, outra aeronave realizou um pouso forçado no mar. Ambas foram resgatadas e enviadas para reparos, mas uma delas permaneceu em manutenção por um período prolongado, refletindo os desafios logísticos enfrentados pela Aviação Naval em um contexto de recursos limitados. Em 1929, o ano letivo da EAvN foi iniciado com apenas cinco aeronaves Avro 504N/O, das quais duas estavam equipadas com flutuadores para operações anfíbias. Essas aeronaves desempenharam um papel crucial no treinamento de pilotos no Centro de Aviação Naval do Rio de Janeiro (CAvNRJ) e na EAvN, contribuindo para a formação de aviadores navais em 1929 e 1930. Paralelamente, as três últimas células operacionais do Avro 504K, já desgastadas por anos de uso intensivo, foram submetidas a um programa de modernização iniciado em maio de 1929. O foco principal foi a substituição do motor rotativo Gnome Monosoupape, conhecido por sua instabilidade, pelo motor radial fixo Armstrong Siddeley Lynx IVC, mais confiável e eficiente. Algumas dessas aeronaves também foram adaptadas para operar com flutuadores, visando atender às necessidades de operações marítimas. O processo de modernização foi concluído em janeiro de 1930, mas os resultados não atenderam às expectativas. A performance das aeronaves modernizadas não alcançou os objetivos desejados, e a frota remanescente enfrentava desafios logísticos crescentes. Como resultado, a Diretoria Geral de Aeronáutica da Marinha decidiu desativar os Avro 504K após um voo de formatura da EAvN em junho de 1930, encerrando sua carreira na Aviação Naval Brasileira. Apesar do número reduzido de aeronaves, devido a acidentes que exigiam reparos prolongados, os Avro 504 foram fundamentais para a formação da maior turma de aviadores navais até então, com sete oficiais recebendo o brevê de aviador naval em 1931.
O ano de 1931 prometia intensificar as atividades de treinamento, com a EAvN planejando formar a maior turma de aviadores navais desde sua criação em 1916, incluindo a primeira turma de aviadores da Reserva Naval Aérea. No entanto, esses planos foram interrompidos pela Revolução Constitucionalista de 1932, um conflito civil liderado pelo estado de São Paulo contra o governo de Getúlio Vargas, que buscava a redemocratização do país após o golpe de 1930. A revolta, que durou de julho a outubro de 1932, resultou na suspensão de praticamente todas as atividades de instrução aérea da EAvN, redirecionando recursos e esforços para operações de apoio tático. Nesse período, os Avro 504N/O já não eram mais utilizados na formação inicial de pilotos, mas continuavam desempenhando um papel essencial no adestramento do pessoal do CAvNRJ. Essas aeronaves, embora limitadas em número, foram empregadas em tarefas de treinamento avançado e manutenção das habilidades de voo, garantindo a continuidade das operações da Aviação Naval em um contexto de crise. O início das hostilidades faria com que a Aviação Naval reunisse todos os seus recursos de material e pessoal para o esforço de guerra, e entre as aeronaves convocadas estavam os Avro 504N/O Lince. Entre outras necessidades das forças legalistas encontrava-se o patrulhamento fluvial na região do pantanal, na tentativa de inibir qualquer atividade das forças Constitucionalistas.  Para dar apoio direto às unidades de superfície da Marinha do Brasil, em agosto dois Avro 504N/O receberiam metralhadoras Vickers .303 de calibre 7,62 mm × 54 mm e foram enviados à Base Naval de Ladário. Equipados com flutuadores, esses aviões regularmente realizavam missões de vigilância nos longos cursos fluviais da região, executando ainda o patrulhamento de fronteira. Ao término da Revolução Constitucionalista, estes dois aviões que se encontravam no Pantanal regressariam ao Centro de Aviação Naval do Rio de Janeiro - CAvN RJ e foram aparentemente recolhidas as Oficinas Gerais de Aviação Naval (OGAN) a fim de sofrerem uma revisão geral. Por sua vez, em setembro de 1932, um Avro 504N/O seria dado como pronto entregue após uma revisão completa. Porém essa aeronave teria uma vida efêmera, acidentando-se com perda total de material e infelizmente de pessoal em dezembro daquele mesmo ano. A partir de então, a historia dos Avro 504N/O torna-se nebulosa. Existem indicações de que os aviões que estiveram no Pantanal, junto com mais outra célula, permaneceriam nas  Oficinas Gerais de Aviação Naval (OGAN) e de lá não sairiam mais. O certo é que, em 1934, seria dada baixa aos Avro 504N/O Lince, encerrando, assim definitivamente, a carreira destas aeronaves no Brasil.

Em Escala.
Para representarmos o Avro 504K “A7” pertencente a  Aviação Naval,  a serviço da Escola de Aviação Naval - EAvN,  empregamos o antigo kit da Airfix na escala 1/72. Modelo este de fácil montagem, porém apresentando baixo detalhamento, exigindo ainda confecção em scratch dos para-brisas. Fizemos uso de decais confeccionados pela FCM Decals presentes no antigo set 72/09.
O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o segundo padrão de pintura empregado pelos Avro 504K da Aviação Naval, inicialmente as aeronaves foram recebidas em uma tonalidade de amarelo denominada "clear dope linen" com o FS 33695. Já as células do modelo Avro 504N/O receberam padrões de pintura em metal natural com as marcações nacionais. 

Bibliografia :
- Avro 504 – Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Avro_504
- Aeronaves Militares Brasileiras 1916 – 2015 – Jackson Flores
- 100  anos da Aviação Naval - Marinha do Brasil & Fundação Getulio Vargas
- Asas sob os Mares , Prof Rudnei Dias Cunha - http://www.rudnei.cunha.nom.br/Asas%20sobre%20os%20mares/index.html