História e Desenvolvimento.
A Ford Motor Company, uma das mais icônicas e prestigiadas montadoras norte-americanas, foi fundada em 16 de junho de 1903, em modestas instalações situadas no subúrbio de Detroit, no estado de Michigan. Liderada pelo engenheiro e visionário Henry Ford, a empresa teve início com um investimento inicial de US$ 28.000, aportados por doze investidores, entre os quais se destacavam os irmãos John e Horace Dodge, que posteriormente deixariam a companhia para fundar a Dodge Motors Company. Este documento apresenta uma análise formal e estruturada da trajetória inicial da Ford, seu impacto na indústria automotiva e o legado de suas inovações. Nos primeiros anos de operação, a Ford Motor Company produzia veículos de forma quase artesanal em sua fábrica localizada na Avenida Mack, em Detroit. Pequenos grupos de dois ou três trabalhadores montavam cada automóvel, utilizando componentes majoritariamente fornecidos por terceiros. Apesar da escala limitada, os produtos da Ford rapidamente conquistaram a confiança dos consumidores norte-americanos, posicionando a empresa como líder no segmento de carros de passeio. Esse sucesso inicial gerou recursos que viabilizaram a expansão da companhia e o aprimoramento de seus processos industriais. Com o crescimento da demanda, a Ford optou por internalizar a fabricação de componentes críticos, adotando o conceito de integração vertical. Essa estratégia, inovadora para a época, permitiu maior controle sobre a qualidade e os custos de produção, consolidando a eficiência operacional da empresa. A integração vertical tornou-se um modelo funcional e amplamente adotado, contribuindo para a escalabilidade da Ford e sua capacidade de atender a um mercado em rápida expansão. Em 1908, Henry Ford lançou o Ford Modelo T, equipado com o primeiro motor de cabeça de cilindro removível, um marco técnico que elevou os padrões da indústria. Contudo, foi em 1914 que a Ford revolucionou a manufatura com a introdução da linha de montagem contínua, um sistema que implementou a produção em série de forma prática e eficiente. Esse método, conhecido como “Fordismo”, baseava-se na padronização de processos, na verticalização da produção e no aperfeiçoamento contínuo, encapsulado no célebre lema de Henry Ford: “Você pode comprar um Ford de qualquer cor, contanto que seja preto.” Desde seus primeiros anos, a Ford Motor Company demonstrou uma visão estratégica voltada para o mercado internacional. Em 1904, a empresa estabeleceu sua primeira linha de montagem no exterior, no Canadá, para a produção do Modelo C. Essa iniciativa marcou o início de uma política de parcerias globais, que facilitavam a fabricação local e a adaptação dos veículos às necessidades de diferentes mercados. O impacto do Fordismo transcendeu a indústria automotiva, influenciando métodos de produção em diversos setores. A combinação de eficiência, padronização e acessibilidade introduzida por Henry Ford redefiniu os paradigmas da manufatura moderna, estabelecendo um modelo que seria adotado mundialmente. Além disso, a Ford Motor Company consolidou-se como uma das pioneiras na democratização do automóvel, transformando-o de um artigo de luxo em um bem acessível a milhões de pessoas.
A expansão da Ford na América Latina teve início na Argentina, onde, em 1913, foi estabelecida uma filial. Contudo, a montagem de veículos nesse país só foi iniciada em 1921. No Brasil, a produção de automóveis Ford começou de forma pioneira em 1918, por meio de uma iniciativa do industrial baiano Antônio Navarro Lucas. Licenciado pela Ford, Lucas passou a montar, em Salvador, Bahia, dez unidades mensais do Modelo T, marcando o Brasil como o primeiro país latino-americano a fabricar veículos da montadora. Reconhecendo o potencial do mercado brasileiro, a diretoria da Ford Motor Company decidiu, em 24 de abril de 1919, criar uma filial no país. Já no início de maio do mesmo ano, foi instalada, na Rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo, uma unidade que combinava um escritório administrativo e uma linha de montagem para a produção do Modelo T. Essa instalação tornou-se a primeira indústria automobilística do Brasil, um marco histórico para o setor. O Ford Modelo T destacou-se no Brasil por sua robustez, facilidade de condução e manutenção, características que o tornaram o automóvel mais popular do país na época. Com apenas 20 cavalos de potência, seu projeto simples e funcional permitia sua desmontagem para transporte em caixotes, sendo remontado em galpões próximos a portos ou estações ferroviárias, especialmente em regiões com infraestrutura rodoviária limitada. Essa versatilidade contribuiu para sua ampla aceitação no mercado brasileiro. A crescente demanda por veículos Ford no Brasil impulsionou a expansão das operações em São Paulo. Até 1921, a Ford mudou suas instalações duas vezes, ainda no centro da cidade, até se estabelecer na Rua Sólon, no bairro do Bom Retiro. Nesse endereço, a produção alcançou a capacidade de 40 unidades diárias. Em 1923, a mesma unidade montou o primeiro caminhão fabricado no Brasil, ampliando o portfólio da empresa. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Ford priorizou a produção de veículos e componentes para uso militar. Com o fim do conflito, a montadora acelerou sua produção, atingindo, em 1948, uma cadência de 50 a 60 veículos leves por dia. Nesse período, a fábrica passou a montar uma gama diversificada de produtos, incluindo automóveis Ford, Mercury e Lincoln (de origem norte-americana), Anglia e Prefect (de origem britânica), além de veículos comerciais leves, ônibus e caminhões médios e pesados das marcas Ford e Thames. Aproximadamente 1.200 componentes já eram produzidos localmente, por meio da Ford e de cerca de cem fornecedores nacionais, enquanto cabines e carrocerias continuavam a ser importadas e montadas no Brasil. Ao completar 30 anos de operações no Brasil, em abril de 1949, a Ford já havia montado mais de 200 mil veículos. Em 1953, a empresa inaugurou uma moderna fábrica no bairro do Ipiranga, em São Paulo, com capacidade para produzir 125 veículos por dia. Essa unidade representou um salto em termos de infraestrutura e eficiência produtiva. Nesse contexto, o governo federal começou a considerar políticas de incentivo à nacionalização da indústria automotiva, embora planos concretos só fossem formalizados em 1956, com a criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA).

Com a criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) em maio de 1956, o Brasil estabeleceu diretrizes para a nacionalização da indústria automotiva, exigindo que as montadoras desenvolvessem planos para a fabricação de veículos com crescente conteúdo local. A Ford do Brasil S/A, alinhada a essas metas, submeteu seu plano ao GEIA próximo ao prazo limite, consolidando um marco na história da indústria automotiva nacional. Este documento apresenta uma análise formal e estruturada do processo de nacionalização da Ford no Brasil, destacando a produção inicial, os avanços industriais e o cumprimento das exigências do GEIA. Em conformidade com as regulamentações do GEIA, a Ford do Brasil apresentou, no final de 1956, um plano para a fabricação de veículos completos, abrangendo três categorias: um caminhão médio, um caminhão leve e uma picape. O projeto previa uma capacidade máxima de 30.000 unidades anuais até 1960, com a produção de mais de 8.000 caminhões já em 1957. O plano estipulava um aumento progressivo no índice de nacionalização, partindo de aproximadamente 40% (em peso) em 1957 para 90% em 1960. Após a aprovação do GEIA, a Ford já contava com a estampagem local de quase todos os componentes das cabines, terceirizando itens como caçambas de picapes, fornecidas pela Máquinas Piratininga, e adquirindo centenas de outros componentes de fabricantes nacionais. Em 26 de agosto de 1957, a linha de montagem da fábrica do Ipiranga, em São Paulo, produziu o primeiro caminhão Ford fabricado no Brasil, o modelo F-600, com cerca de 40% de conteúdo nacional (em peso). O F-600 era um caminhão médio, com capacidade de 6,5 toneladas e entre-eixos de 4,37 metros, projetado em uma arquitetura convencional de influência norte-americana. Equipado com um motor V8 a gasolina (4,5 litros, 161 cv), cabine recuada, caixa de quatro marchas e diferencial de duas velocidades com reduzida de comando elétrico, o modelo refletia características técnicas robustas para a época. Dois meses após o lançamento do F-600, em outubro de 1957, a Ford apresentou a picape F-100, projetada para transportar 930 kg. A F-100 compartilhava o mesmo motor V8 e a cabine do F-600, mas contava com uma caixa de três marchas, com a primeira não sincronizada. Ambos os modelos, F-600 e F-100, eram baseados em projetos descontinuados nos Estados Unidos, combinando elementos de design de 1953 (capô, para-lamas e cabine) com a grade frontal de 1956. No primeiro ano de produção, foram fabricados 3.454 veículos, dos quais 576 eram picapes F-100. Para cumprir as metas de nacionalização, a Ford implementou significativos investimentos em infraestrutura e capacitação técnica. Foram criados os Departamentos de Engenharia do Produto e de Ensaios e Pesquisa, instalados nas antigas instalações do Bom Retiro, em São Paulo. Além disso, a empresa construiu uma fundição de motores em Osasco, São Paulo, e ampliou as linhas de usinagem, montagem de motores e estamparia na fábrica do Ipiranga. Essas três novas instalações foram inauguradas em novembro de 1958, marcando um avanço crucial na capacidade produtiva e na integração de componentes nacionais.
Em 1959, os modelos F-600 e F-100 receberam atualizações de design, com a introdução de um novo painel, volante em formato “cálice” e para-brisas panorâmicos, elementos adotados nos Estados Unidos em 1956. A picape F-100 ganhou uma caçamba modernizada, com para-lamas integrados, alinhada a projetos recentes da matriz norte-americana. A inauguração da fábrica de motores em Osasco impulsionou o índice de nacionalização, refletido simbolicamente na adoção de emblemas nas cores verde e amarela em todos os modelos, celebrando o avanço na produção local. Em junho de 1959, a Ford do Brasil lançou o caminhão leve F-350, projetado para uma capacidade de 2,7 toneladas e com entre-eixos de 3,30 metros. Equipado com a mesma mecânica dos modelos F-600 e F-100, o F-350 destacou-se como o único veículo brasileiro em sua categoria por muitos anos, atendendo às necessidades de transporte leve no mercado nacional. Em 1960, a Ford introduziu a versão F-600-148″, uma variante do caminhão médio F-600 com entre-eixos reduzido (3,77 metros), otimizada para carrocerias basculantes ou configurações com quinta roda, capaz de tracionar até 12 toneladas. Essa adaptação reforçou a versatilidade do modelo, atendendo a diferentes aplicações no setor de transporte. Em 1961, respondendo à crescente preferência por motores diesel no transporte de cargas no Brasil, a Ford lançou o F-600 Diesel. Equipado com um motor Perkins de seis cilindros e 125 cv, o modelo exigiu poucas modificações em relação à versão a gasolina, incluindo apenas o reforço da suspensão dianteira e a substituição do logotipo “V8” na grade por um que indicava o uso de diesel. Essa transição marcou um passo significativo na adequação da Ford às realidades do mercado brasileiro. Em abril de 1962, a Ford atualizou o design de sua linha de veículos comerciais, adotando o estilo do modelo norte-americano de 1960. Denominada Super Ford, a nova série não apresentou mudanças mecânicas significativas, mas trouxe uma estética modernizada, alinhada às tendências globais da montadora. Em maio de 1968, a Ford renovou sua linha de veículos comerciais, introduzindo novas carrocerias com faróis retangulares para todos os modelos. O F-600 Diesel passou a contar com um motor Perkins aprimorado, de seis cilindros, sete mancais, camisas removíveis e bomba injetora rotativa, entregando 142 cv. Essas melhorias reforçaram a eficiência e a confiabilidade dos veículos, consolidando a posição da Ford no mercado de transporte. Em julho de 1970, a Ford anunciou os primeiros lançamentos para 1971, trazendo faróis redondos para todos os modelos de caminhões. A picape F-100 recebeu atualizações nos freios, na suspensão (sistema Twin-I-Bean) e na relação de transmissão. O F-350 passou a contar com freios assistidos, enquanto o F-600 ganhou, como opcional, um tanque de combustível de maior capacidade e uma caixa de cinco marchas sincronizadas, ampliando sua versatilidade e desempenho. Em 1976, a Ford lançou o caminhão diesel F-7000, que compartilhava a mesma capacidade e elementos mecânicos do F-600 Diesel, mas era equipado com um motor diesel de dois tempos Detroit, de quatro cilindros em linha, injeção direta e 145 cv, cuja produção havia iniciado recentemente no Brasil. Essa inovação destacou a capacidade da Ford de integrar tecnologias avançadas à sua linha de produtos.

Em 1977, a Ford expandiu ainda mais sua oferta de caminhões: Fevereiro: Lançamento do FT-7000, equipado com um terceiro eixo de fábrica (fabricado pela Hendrickson e montado pela Ford), otimizado para aplicações específicas. Julho: Introdução dos modelos semipesados F-8000 e FT-8000, além do primeiro caminhão pesado da marca, o cavalo mecânico F-8500, projetado para tracionar 30,5 toneladas. Esses três modelos eram equipados com um motor Detroit de seis cilindros em V, 202 cv, filtro de ar externo montado sobre o para-lama direito, freios pneumáticos, freio de estacionamento com trava de mola, embreagem dupla e direção hidráulica opcional. Todos compartilhavam a mesma cabine derivada dos caminhões médios, garantindo consistência no design. No início da década de 1980, a Ford do Brasil revisou a nomenclatura de sua linha de caminhões, introduzindo os modelos médios F-11000, F-12000 e F-13000, com capacidades de carga líquida entre 6,5 e 9 toneladas, e os semipesados F-19000 e F-21000, equipados com terceiro eixo (tandem ou balancim) e capacidades de 13 e 15 toneladas, respectivamente. Esses modelos incorporaram avanços técnicos significativos, incluindo: Motores: Novo motor MWM de seis cilindros, com a opção do motor Perkins para os modelos médios. Transmissão: Caixa de cinco marchas (primeira não sincronizada) com redução de acionamento elétrico ou pneumático no diferencial. Freios: Sistema pneumático, exceto no F-11000, que utilizava freios hidráulicos a vácuo. Outras melhorias: Suspensão revisada, sistema elétrico de 12 volts, tanque de combustível cilíndrico de maior capacidade, além de direção hidráulica e rodas raiadas como opcionais em alguns modelos. Essas inovações reforçaram a competitividade dos caminhões Ford no mercado brasileiro. Diante do acirramento da concorrência no setor de caminhões, a Ford do Brasil planejou a produção local da moderna linha europeia Ford Cargo, lançada no mercado brasileiro em abril de 1985. Projetada com design avançado e tecnologia alinhada aos padrões internacionais, a linha Cargo representou um marco na estratégia da montadora, ampliando sua oferta de veículos médios e pesados e consolidando sua posição no segmento de transporte de cargas. Em 1992, buscando prolongar a relevância de sua tradicional linha F, a Ford do Brasil realizou uma modernização significativa nas cabines desses caminhões. Essa atualização, que incluiu um redesign marcante, levou os veículos a serem popularmente conhecidos como “Sapão” devido ao formato distintivo das novas cabines. A reformulação estética e funcional visava manter a competitividade da linha F frente aos concorrentes e à crescente adoção da linha Cargo. Em 1998, a Ford do Brasil promoveu a última atualização das cabines da Série F, introduzindo o modelo F-16000 como uma nova variante. Apesar desses esforços, a linha F começou a perder espaço no portfólio da montadora. Nos anos subsequentes, a produção foi gradualmente restrita aos modelos leves, enquanto os caminhões médios da Ford passaram a ser representados exclusivamente pela linha Ford Cargo, que se consolidou como a principal oferta da empresa no segmento.
Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Exército Brasileiro experimentou um avanço significativo em sua capacidade de mobilização, impulsionado pelo recebimento de caminhões militares fornecidos pelos Estados Unidos sob a Lei de Empréstimos e Arrendamentos (Lend-Lease Act). No entanto, na década de 1950, a frota enfrentou desafios operacionais devido ao desgaste e à dificuldade de obtenção de peças de reposição. Este relatório analisa o impacto dessas questões, as soluções propostas pelo comando do Exército Brasileiro e os desafios associados à sua implementação. Com a adesão do Brasil ao esforço de guerra aliado em 1942, as Forças Armadas Brasileiras receberam, até o final de 1945, mais de 5.000 caminhões militares das séries GMC CCKW, Corbitt, Diamond e Studebaker US6G, fornecidos por meio do programa Lend-Lease Act. Esses veículos foram fundamentais para a mobilização de tropas e cargas durante o conflito. Contudo, no final da década de 1950, a operacionalidade da frota foi gravemente comprometida por dois fatores principais: Desgaste Natural: Resultante do uso intensivo durante e após a guerra; Dificuldade na Obtenção de Peças: A descontinuação da produção desses modelos nos Estados Unidos, há mais de uma década, dificultava a importação de componentes essenciais. Esse cenário gerou preocupação no comando do Exército Brasileiro, pois comprometia a capacidade operacional da Força Terrestre, exigindo soluções urgentes para restaurar sua prontidão logística. A solução ideal para manter a capacidade operacional envolvia a substituição da frota por um número equivalente de caminhões modernos com tração 4x4 e 6x6, sendo os modelos REO M-34 e M-35 os mais indicados devido à sua robustez e tecnologia avançada. No entanto, o elevado custo de aquisição de uma frota desse porte excedia as limitações orçamentárias do Exército Brasileiro na época, tornando essa opção inviável. Diante das restrições financeiras, o comando do Exército elaborou três soluções complementares para enfrentar o problema: Aquisição Limitada de Caminhões Modernos: Compra de um pequeno número de caminhões REO M-34 e M-35 para atender às necessidades mais críticas, priorizando missões estratégicas. Repotencialização da Frota Existente: Estudos para a modernização dos caminhões GMC CCKW e Studebaker US6G, visando prolongar sua vida útil por meio de atualizações técnicas. Adoção de Caminhões Comerciais Militarizados: Incorporação de caminhões produzidos nacionalmente, adaptados para missões secundárias, como transporte de cargas leves e outras funções de apoio. A combinação dessas estratégias tinha o potencial de restaurar a operacionalidade da Força Terrestre de maneira sustentável e economicamente viável. Os estudos para a repotencialização dos caminhões GMC CCKW e Studebaker US6G foram minuciosamente analisados, mas não receberam recomendação para implementação. As principais razões incluíam: Alto Custo: O investimento necessário para modernizar a frota era elevado, especialmente considerando a necessidade de importar componentes ou desenvolver substitutos localmente. Falta de Capacidade Técnica: Naquela época, o Brasil carecia de um corpo técnico com a expertise necessária para executar um programa de repotencialização em escala, envolvendo reengenharia e adaptação de sistemas complexos. Esses fatores inviabilizaram a modernização da frota existente, direcionando o foco para as demais soluções propostas.
O cancelamento da repotencialização dos caminhões GMC CCKW e Studebaker US6G evidenciou a necessidade de soluções alternativas para restaurar a operacionalidade da frota do Exército Brasileiro. A adoção de caminhões comerciais militarizados foi identificada como uma abordagem viável, permitindo:
Substituição em Missões Básicas: Utilização de veículos comerciais em tarefas de transporte básico, liberando os caminhões militares com tração 6x6 para operações táticas e estratégicas em ambientes fora de estrada. Otimização da Frota Existente: Concentração dos veículos militares remanescentes em melhor estado para missões críticas. Essa estratégia, já implementada desde a década de 1930 com caminhões comerciais de pequeno porte, beneficiava-se do baixo custo de aquisição e operação dos veículos produzidos localmente, alinhando-se às prioridades orçamentárias da Força Terrestre. Para atender à demanda por caminhões médios, o Ministério do Exército optou por veículos fabricados pela Fábrica Nacional de Motores (FNM), uma empresa estratégica no fortalecimento da indústria automotiva brasileira. Dois modelos foram selecionados: FNM D-9500: Caminhão médio com características adequadas para adaptação militar. FNM D-11000: Modelo destacado por sua robustez estrutural, capaz de atender, em teoria, aos parâmetros exigidos para o processo de militarização. A escolha dos caminhões FNM refletiu o compromisso do governo em fomentar a indústria nacional, aproveitando a capacidade produtiva local para suprir as necessidades do Exército. Apesar do avanço na substituição dos caminhões médios, a frota de caminhões leves permanecia obsoleta, composta majoritariamente por modelos como: Opel Blitz II Comercial; Chevrolet 157 Gigante 1937; General Motors G7106, G7107 e G-617M, recebidos entre 1935 e 1942. Esses veículos desempenhavam um papel central na estrutura de transporte do Exército Brasileiro, mas seu desgaste e a dificuldade de manutenção exigiam um programa urgente de renovação. A substituição dessa frota representava uma oportunidade significativa para as montadoras nacionais, incentivadas pelo Governo Federal por meio do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), instituído em 1956. O GEIA foi criado para promover o desenvolvimento da indústria automotiva brasileira, oferecendo incentivos fiscais e financeiros às montadoras que investissem na produção local. Esse programa alinhava-se aos objetivos do Exército Brasileiro, pois: Estimulava a fabricação de veículos robustos e acessíveis, adequados à militarização; Reduzia a dependência de importações, mitigando os problemas de fornecimento de peças observados com a frota legada da Segunda Guerra Mundial; Fortalecia a economia nacional, gerando empregos e capacidade industrial. A aquisição de caminhões FNM e a perspectiva de renovação da frota de caminhões leves foram, portanto, estratégias alinhadas aos objetivos do GEIA, promovendo a integração entre as necessidades militares e o desenvolvimento industrial.

A Ford Motors do Brasil estabeleceu-se como a primeira montadora a fornecer veículos para uso militar no Brasil, iniciando sua parceria com o Exército Brasileiro na década de 1920. Os caminhões Ford T, incorporados nesse período, desempenharam um papel central na expansão das fronteiras nacionais, particularmente em missões lideradas pelo Marechal Cândido Rondon. A associação da Ford com essas operações, amplamente explorada em sua comunicação institucional, reforçou sua reputação como fornecedora confiável. Ao longo dos anos, diversos modelos foram integrados à frota do Exército Brasileiro, incluindo:
Ford Models 1938/1940/1941; Ford G-540 2G8T/G8T; Ford G-622; Ford G-917; Ford FK G-700 e Ford YBH2. Essa trajetória consolidou a Ford como uma candidata natural para atender às demandas de renovação da frota militar na década de 1950, abrangendo não apenas o Exército, mas também a Força Aérea Brasileira e a Marinha do Brasil. Na década de 1950, a Ford lançou no mercado comercial brasileiro o Ford F-600, seu primeiro caminhão produzido nacionalmente. Esse modelo, comparável ao concorrente Chevrolet Brasil 6500, apresentava características que o tornavam adequado à militarização, incluindo robustez estrutural e versatilidade para adaptações. O F-600 foi projetado para atender às necessidades de transporte em diversas condições, posicionando a Ford como uma forte concorrente no mercado militar. Buscando capitalizar a demanda por caminhões militarizados, a Ford apresentou ao Exército Brasileiro protótipos do Ford F-600 equipados com carrocerias e acessórios militares, disponíveis nas configurações de tração 4x2 e 6x2. Esses veículos foram submetidos a avaliações técnicas para verificar sua adequação às missões militares. Apesar do potencial demonstrado, o Exército Brasileiro optou por não realizar aquisições imediatas, priorizando a versão militarizada do Chevrolet Brasil 6500, que melhor atendia às suas especificações naquele momento. Em meados de 1958, o Ministério da Aeronáutica (MAer) formalizou o primeiro contrato para a aquisição de caminhões Ford F-600 militarizados. O acordo envolveu a compra de duas dezenas de unidades configuradas com carroceria do tipo “Espinha de Peixe”, projetada especificamente para o transporte de tropas de choque. Esses veículos foram destinados às unidades da Polícia da Aeronáutica (PA), demonstrando a versatilidade do F-600 em aplicações militares especializadas. A participação da Ford no fornecimento de caminhões militarizados reforçou sua posição como uma montadora estratégica para as Forças Armadas Brasileiras. Embora o Exército Brasileiro tenha optado pelo Chevrolet Brasil 6500, o contrato com o Ministério da Aeronáutica destacou a capacidade da Ford de atender às demandas específicas de diferentes ramos militares. O Ford F-600, com sua robustez e adaptabilidade, contribuiu para a modernização parcial da frota da Força Aérea Brasileira, consolidando a presença da montadora no mercado militar.
No final da década de 1950, a Ford Motors do Brasil S/A consolidou sua posição como fornecedora de veículos militarizados para as Forças Armadas Brasileiras, com destaque para o caminhão Ford F-600. A versão carroceria “Espinha de Peixe”, projetada para o transporte de tropas de choque, foi adquirida por diversos governos estaduais logo após sua introdução. Esses veículos foram destinados aos batalhões de choque das Polícias Militares, demonstrando a versatilidade do modelo em aplicações de segurança pública e sua adequação a operações especializadas. No final de 1959, a Ford Motors do Brasil S/A obteve êxito na venda de um grande lote de caminhões Ford F-600 com tração 4x2, ligeiramente militarizados, para o Exército Brasileiro. Esses veículos incorporaram um nível de militarização mais avançado em comparação aos protótipos testados em 1958, incluindo: Para-choques reforçados; Grade de proteção frontal para faróis e lanternas; Guincho mecânico frontal com capacidade de tração média; Gancho para reboque; Carroceria de aço, produzida pela empresa paulista Bisseli Ltda., com cobertura de lona no padrão militar, inspirada nos caminhões Studebaker US6G e GMC CCKW 352/353 6x6. A utilização de componentes compartilhados com a linha comercial básica do F-600 permitiu uma produção acelerada, atendendo rapidamente às demandas do Exército Brasileiro. As entregas das primeiras unidades tiveram início em fevereiro de 1960. Os caminhões Ford F-600 militarizados demonstraram excelente desempenho em operações regulares, destacando-se pela robustez e confiabilidade. Esse sucesso motivou o Ministério do Exército a celebrar novos contratos de aquisição, abrangendo duas versões adicionais:
Tração 6x2: Projetada para maior capacidade de carga em terrenos variados;
Carroceria “Espinha de Peixe”: Configurada para o transporte de tropas de choque, destinada aos batalhões da Polícia do Exército (P.E.). Ambas as versões apresentaram desempenho operacional satisfatório, consolidando a confiança do Exército Brasileiro na família F-600. O desempenho positivo dos caminhões Ford F-600 levou o Exército Brasileiro a selecioná-los como uma das principais plataformas para a instalação do sistema de “Tração Total” desenvolvido pela Engesa S/A. Esse sistema, que incluía configurações de tração 4x4 e 6x6, conferiu aos F-600 capacidades off-road avançadas, tornando-os o esteio da frota de transporte militar para todo terreno do Exército Brasileiro nas décadas seguintes. A integração do sistema “Tração Total” ampliou significativamente a versatilidade e a eficácia dos veículos em operações táticas e logísticas. A introdução da versão militarizada do Ford F-600, com destaque para a carroceria “Espinha de Peixe” e as configurações de tração 4x2 e 6x2, marcou um avanço significativo na capacidade logística do Exército Brasileiro a partir de 1959. O desempenho operacional excepcional desses caminhões, aliado à integração do sistema “Tração Total” da Engesa, consolidou o F-600 como uma plataforma essencial para o transporte militar em terrenos desafiadores.

Uma significativa parcela da frota de caminhões Ford F-600, originalmente equipada com tração 4x2, foi convertida para tração 4x4 ou 6x6 pela Engesa S/A. Essa modernização marcou a primeira aplicação do sistema patenteado “Tração Total” no modelo F-600, conferindo aos caminhões capacidades off-road avançadas. A conversão permitiu que os veículos fossem utilizados em missões táticas em terrenos desafiadores, ampliando sua versatilidade operacional no Exército Brasileiro. Paralelamente à conversão da tração, o motor original Ford Y-Block V8 a gasolina, de 292 polegadas cúbicas (4,8 litros), foi substituído pelo motor a diesel MWM D-229-6, de 6 cilindros em linha e 5,9 litros. Essa mudança visava melhorar a eficiência energética e a durabilidade dos caminhões, alinhando-se às preferências das Forças Armadas Brasileiras por motores a diesel, mais adequados para operações prolongadas. Nos anos seguintes, as Forças Armadas Brasileiras adquiriram um grande número de caminhões Ford F-600 com nível reduzido de militarização, configurados com diversas carrocerias para atender a múltiplas funções operacionais, incluindo: Carga seca (versões comercial e militar); Cisterna de combustível; Cisterna de água; Bombeiro; Basculante; Oficina; Baú de carga; Frigorífico; Posto de comando e Socorro mecânico com guincho. A carroceria de socorro mecânico foi produzida pela empresa paulista Bisseli Viaturas e Equipamentos Ltda., destacando a colaboração com fornecedores locais para atender às especificações militares. Essas versões do F-600 tornaram-se amplamente utilizadas nas unidades militares brasileiras, integrando-se ao cotidiano operacional. Apesar do sucesso inicial, a Ford Motors do Brasil enfrentou desafios que comprometeram sua posição como principal fornecedora de caminhões militares. A estagnação do projeto da família F-600, aliada à decisão estratégica da diretoria administrativa e comercial de priorizar a nova linha de caminhões Ford Cargo, resultou na perda de competitividade no mercado militar. Essa mudança de foco limitou os investimentos em atualizações do F-600, reduzindo sua relevância frente às demandas das Forças Armadas. A lacuna deixada pela Ford foi rapidamente ocupada pela Mercedes-Benz do Brasil, que se posicionou como a principal fornecedora de caminhões militares no país. A Ford passou a conquistar apenas contratos menores, envolvendo modelos como F-6000, F-12000, F-14000 e Cargo, nas décadas seguintes. A Mercedes-Benz, com sua oferta de veículos mais modernos e adaptados às necessidades militares, consolidou sua liderança no mercado.
Em Escala.
Para a representação do Ford F-600 Série I na configuração “Espinha de Peixe”, foi selecionado um modelo artesanal de alta qualidade, produzido pela Fusaro Trucks na escala 1/43. Construído com uma combinação de resina, metal e madeira, esse modelo destaca-se pela precisão nos detalhes e pela fidelidade ao design original do veículo, servindo como base ideal para a customização necessária à réplica militar. O modelo foi enriquecido com itens adicionais para refletir as características específicas da viatura utilizada pela Polícia do Exército Brasileiro, incluindo: Itens de Carga: Confeccionados em resina, representando os equipamentos típicos transportados na carroceria “Espinha de Peixe”; Detalhamentos em Scratch Build: Elementos personalizados, construídos manualmente, para aprimorar a autenticidade e a precisão da réplica, como acessórios militares e acabamentos específicos. A finalização do modelo envolveu a aplicação de decais produzidos pela Eletric Products, pertencentes ao conjunto “Exército Brasileiro 1942-1982”.

O esquema de cores (FS) descrito neste relatório representa o padrão tático militar adotado pelo Exército Brasileiro para todos os seus veículos militares desde a Segunda Guerra Mundial até o final de 1982. A partir de 1983, os veículos militares remanescentes do Exército Brasileiro passaram a adotar um novo esquema de camuflagem técnica de dois tons. Os veículos utilizados pela Força Aérea Brasileira e pela Marinha do Brasil não seguiam o padrão tático do Exército Brasileiro, adotando esquemas de pintura distintos, adaptados às suas missões específicas e aos ambientes operacionais em que atuavam. Essas variações garantiam a adequação dos veículos às necessidades de cada ramo, como maior visibilidade em operações aéreas ou resistência a condições marítimas. Para a aplicação dos esquemas de pintura, foram empregadas tintas e vernizes de alta qualidade produzidos pela Tom Colors.
Bibliografia :
- Ford do Brasil Lexicar - www.lexicar.com.br/ford
- História da Ford no Brasil - www.ford.com.br
- General Motors do Brasil – www.generalmotors.com.br
- Motorização no Exército Brasileiro 1906 a 1941 - Expedito Carlos Stephani Bastos