História e Desenvolvimento.
Na primeira metade do século XX, a aviação norte-americana experimentou um período de rápida expansão e inovação, impulsionado por avanços tecnológicos e pela crescente demanda por transporte aéreo, tanto civil quanto militar. Nesse cenário, Walter H. Beech (1891–1950) emergiu como uma figura central no desenvolvimento da indústria aeronáutica dos Estados Unidos. Sua visão empreendedora e expertise técnica foram fundamentais para a consolidação de Wichita, Kansas, como um polo aeronáutico, hoje conhecido como a "Capital Mundial da Aviação". A Travel Air Manufacturing, fundada por Walter H. Beech em parceria com outros investidores, destacou-se pela produção de aeronaves como os modelos Travel Air 2000, 4000 e 5000, que alcançaram grande sucesso comercial no mercado civil. Esses biplanos, voltados para transporte e treinamento, posicionaram a empresa como uma das principais fabricantes de aeronaves nos Estados Unidos durante o final da década de 1920. No entanto, a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em outubro de 1929 desencadeou a Grande Depressão, impactando severamente a economia norte-americana e, consequentemente, o mercado aeronáutico. As dificuldades financeiras enfrentadas pela Travel Air culminaram em sua aquisição pela Curtiss-Wright Corporation em 1929. Na Curtiss-Wright, Walter H. Beech assumiu o cargo de presidente da divisão de aviões e vice-presidente de vendas. Contudo, sua insatisfação com o afastamento das áreas de desenvolvimento e produção de aeronaves o levou a deixar a empresa em 1932, com o objetivo de fundar uma nova companhia que refletisse sua visão de inovação e excelência no design aeronáutico. Em meados de 1932, Walter H. Beech fundou a Beech Aircraft Corporation, também em Wichita, Kansas, aproveitando uma linha de produção ociosa anteriormente utilizada pela Cessna Aircraft Company. A empresa foi estruturada com uma equipe de liderança composta por Beech como presidente, sua esposa Olive Ann Beech como secretária, Ted A. Wells como vice-presidente de engenharia, K.K. Shaul como tesoureiro e C.G. Yankey como vice-presidente e investidor. Apesar do cenário econômico adverso da Grande Depressão, Beech identificou uma oportunidade estratégica no mercado de transporte executivo e turismo de luxo, nichos que, embora reduzidos, mantinham demanda constante entre clientes de alto poder aquisitivo. A estratégia da Beech Aircraft Corporation materializou-se com o desenvolvimento do Beechcraft Model 17 Staggerwing, uma aeronave monoplana de asa alta com configuração de asas escalonadas, projetada para combinar desempenho, conforto e estética.O primeiro voo do Staggerwing ocorreu em 4 de novembro de 1932, marcando o início de um projeto que rapidamente conquistou o mercado civil norte-americano. Com sua construção robusta, cabine luxuosa e capacidade para até cinco passageiros, o Model 17 tornou-se um símbolo de inovação no segmento de aviação executiva.
Seu sucesso comercial gerou receitas significativas, permitindo à Beech Aircraft investir na expansão de seu portfólio de produtos e consolidar sua posição no mercado, mesmo em um período de instabilidade econômica. A decisão de Walter H. Beech de focar no mercado de transporte executivo e turismo de luxo foi uma resposta astuta às condições econômicas da Grande Depressão. Enquanto a demanda por aeronaves comerciais de grande escala foi drasticamente reduzida, o segmento de aviação privada permaneceu resiliente, atendendo a uma clientela seleta que valorizava exclusividade e desempenho. Nesse contexto, a Beech Aircraft direcionou esforços para a criação de uma aeronave de maior porte, o Beechcraft Model 18, que combinava desempenho, versatilidade e acessibilidade, consolidando a reputação da empresa em inovação aeronáutica. O Beechcraft Model 18, um monoplano bimotor de asa baixa com construção metálica e trem de pouso convencional, realizou seu primeiro voo em 15 de janeiro de 1937. Projetado inicialmente para o mercado civil, o Model 18 foi concebido para transportar até seis passageiros e dois tripulantes, oferecendo uma solução eficiente para transporte executivo e operações regionais. Sua versatilidade era reforçada pela possibilidade de equipá-lo com diferentes motores, incluindo modelos da Curtiss-Wright, Jacobs Aircraft Engine e Pratt & Whitney, permitindo aos operadores escolher configurações que otimizassem custos de manutenção e padronização. O design robusto e a relação custo-benefício favorável do Model 18 repetiram o sucesso comercial do Staggerwing, atraindo interesse tanto no mercado civil quanto militar. As qualidades operacionais do Model 18 não passaram despercebidas por forças armadas internacionais. Em 1937, o governo das Filipinas, então um território sob administração dos Estados Unidos, tornou-se o primeiro cliente militar do modelo, celebrando um contrato com a Beech Aircraft para o desenvolvimento de uma variante especializada em missões de aerofotogrametria para o Exército Filipino. Essa versão, designada C-18 no mercado comercial e T-7 no contexto militar, teve sua produção iniciada no mesmo ano, marcando a entrada do Model 18 no setor de defesa. A escolha das Filipinas refletia a necessidade de modernizar suas capacidades de reconhecimento aéreo em um período de crescente influência japonesa no Pacífico. Em 1939, o governo da China Nacionalista, liderado por Chiang Kai-shek, tornou-se o segundo operador militar do Model 18, encomendando uma variante adaptada para treinamento básico multimotor e bombardeio leve, designada AT-7. Esse contrato foi motivado pelo esforço chinês para fortalecer sua Força Aérea da República da China (ROCAF) durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937–1945), em um contexto de combates intensos contra as forças japonesas. A versatilidade do AT-7 permitiu sua utilização em múltiplos papéis, reforçando a capacidade operacional da ROCAF em um período crítico.

O sucesso do Model 18 no mercado internacional atraiu a atenção do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC), que buscava uma aeronave para treinamento especializado de pilotos e navegadores. Para atender às exigências do USAAC, a Beech Aircraft desenvolveu a variante AT-7-BH, customizada com modificações específicas, incluindo melhorias em sistemas de navegação e instrumentação. Em 1939, foi assinado um contrato inicial para a produção de 500 unidades dessa versão, consolidando o Model 18 como uma plataforma essencial para o treinamento militar norte-americano às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Ao longo de sua produção, o Model 18 passou por diversas melhorias, resultando em novas variantes adaptadas a diferentes necessidades operacionais. A versão AT-7A-BH, equipada com flutuadores, foi projetada para operações anfíbias, enquanto a AT-7B-BH foi desenvolvida para ambientes de baixa temperatura, sendo posteriormente adotada pela Força Aérea Real Canadense (RCAF) para missões em regiões árticas. A última variante significativa, o AT-7C-BH Beechcraft Navigator, incorporava uma suíte aviônica mais avançada e um peso vazio significativamente maior, equipada com o motor Pratt & Whitney R-985. Essa versão atendia às demandas de treinamento de navegação avançada, refletindo a evolução contínua do projeto para atender às necessidades militares. No final da década de 1930, o cenário geopolítico global deteriorava-se rapidamente com a escalada do conflito na Europa, culminando no início da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939. Nos Estados Unidos, sob a administração do presidente Franklin D. Roosevelt, tornava-se cada vez mais evidente que a entrada do país no conflito era iminente, especialmente após os eventos de 1940, como a queda da França e a intensificação da Batalha do Atlântico. Nesse contexto, o Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC), precursor da Força Aérea dos Estados Unidos, identificou a necessidade urgente de expandir e modernizar suas capacidades de treinamento para preparar pilotos, navegadores e tripulantes de bombardeiros em larga escala. A formação de pessoal qualificado tornou-se uma prioridade estratégica para atender às demandas de um potencial estado de guerra. As aeronaves então disponíveis para treinamento multimotor, como os obsoletos bombardeiros bimotores Martin B-12 e Douglas B-18, eram inadequadas para a tarefa. Além de estarem tecnologicamente defasadas, essas aeronaves eram escassas e frequentemente requisitadas para missões operacionais, como patrulhas marítimas na campanha do Atlântico, onde submarinos alemães (U-boats) representavam uma ameaça crescente aos comboios mercantes que abasteciam as Ilhas Britânicas. A ausência de uma aeronave dedicada ao treinamento multimotor comprometia a capacidade do USAAC de formar os milhares de oficiais necessários para o esforço de guerra.
Para enfrentar esse desafio, o Exército lançou, em maio de 1940, uma concorrência internacional visando o desenvolvimento de uma aeronave bimotora projetada especificamente para o treinamento de pilotos e tripulantes de bombardeiros. O objetivo era criar uma plataforma que combinasse confiabilidade, versatilidade e eficiência, permitindo a formação em massa de pessoal qualificado sem comprometer os recursos operacionais do Corpo Aéreo. Diversas fabricantes apresentaram propostas, mas a Beech Aircraft Corporation destacou-se com um projeto baseado em sua bem-sucedida aeronave Beechcraft Model 18, já amplamente reconhecida no mercado civil e militar. A proposta da Beech Aircraft Corporation aproveitava a estrutura do Beechcraft Model AT-7, uma variante do Model 18 originalmente projetada para treinamento básico multimotor e bombardeio leve, desenvolvida para a Força Aérea da China Nacionalista em 1939. A experiência adquirida com a versão de bombardeio leve Beech M-18R, também encomendada pela China Nacionalista, foi incorporada ao projeto, garantindo soluções testadas e eficazes. Para atender às RA especificações do USAAC, a Beech Aircraft desenvolveu o AT-10, uma versão otimizada do AT-7, com modificações específicas para o treinamento de pilotos e tripulantes de bombardeiros. O AT-10 foi projetado para reduzir o peso da aeronave, eliminando acomodações e equipamentos destinados a missões de navegação, como os sistemas aviônicos avançados presentes em outras variantes. Externamente, foram instalados dois pares de trilhos fixados nas laterais internas, posicionados diretamente atrás da longarina, permitindo a fixação de até cinco bombas de treinamento M-38A2 de 45 kg (100 libras) por trilho. A aeronave também oferecia a possibilidade de instalação de metralhadoras em pontos fixos ou em uma torre móvel, garantindo flexibilidade para simulações de combate e treinamento tático. Essas adaptações tornaram o AT-10 uma plataforma ideal para o treinamento de tripulações de bombardeiros, combinando simplicidade operacional com a capacidade de realizar exercícios práticos de bombardeio. A característica visual mais marcante desta nova versão em comparação com os modelos anteriores, era a aplicação de um novo desenho na parte posterior dianteira da fuselagem que passava a abrigar um nariz composto por peças de plexiglas, onde seriam instalados os moderníssimos visores de bombardeio Norden M-3 ou Sperry M-1 e suas versões posteriores. Esses equipamentos, amplamente utilizados em bombardeiros de primeira linha, como o Boeing B-17 Flying Fortress, Consolidated B-24 Liberator, Martin B-26 Marauder e North American B-25 Mitchell, garantiam precisão em missões de bombardeio. O espaço interno no nariz, originalmente projetado para bagagens no Model 18 civil, foi adaptado para acomodar confortavelmente um instrutor e um aluno durante o treinamento. O AT-11 foi equipado com uma ou duas metralhadoras Browning calibre .30, montadas em uma torre elétrica Bendix AAF, para o treinamento de artilheiros.

Versões posteriores incorporaram o piloto automático C-1, permitindo que o aluno de bombardeiro controlasse a aeronave por meio da mira Norden, simulando condições reais de missão. A tripulação típica do AT-11 consistia em um piloto, um instrutor e dois alunos, com o espaço no nariz facilitando a alternância entre os aprendizes durante os exercícios. Em 1940, o USAAC celebrou um contrato inicial com a Beech Aircraft Corporation para a produção de 300 aeronaves AT-11, oficialmente designadas "Kansan" em referência à sua origem no estado do Kansas. As primeiras unidades começaram a ser entregues às unidades de treinamento do USAAC a partir de março de 1941, configuradas em duas versões principais, com diferenças no armamento e nos sistemas de treinamento. A aeronave rapidamente conquistou a aprovação de instrutores e alunos devido à sua navegabilidade, confiabilidade e adequação como plataforma de treinamento. O treinamento no AT-11 Kansan focava no desenvolvimento de habilidades em bombardeio de queda livre, navegação e tiro aéreo. Durante as missões de treinamento, após atingir a área de alvos, cada aluno assumia a mira de bombardeio (Norden ou Sperry) no nariz da aeronave, enquanto o instrutor observava a partir do lado direito. Cada aluno realizava cinco bombardeios separados, lançando uma bomba por corrida, e alternava posições com o outro aluno. O aluno que não operava a mira utilizava uma câmera de 35 mm para registrar os bombardeios através de um orifício no piso, permitindo a análise posterior dos resultados. A partir de 1943, a USAAF estabeleceu um padrão mínimo de proficiência de 22% de acertos em alvos para todos os aspirantes a navegadores e bombardeiros, garantindo a eficácia do treinamento. Sua versatilidade, baixo custo de aquisição e operação elencariam o Beech AT-11 Kansan, bem como diversas versões da família Beech AT-7, C-45 e C-18, como itens presentes no portifólio do programa de ajuda militar Leand & Lease Bill Act sendo cedidos ao Brasil, Canadá, México e Holanda. Nestes países seriam empregados em tarefas de treinamento e transporte. Com o final do conflito em agosto de 1945 reduziu-se drasticamente a necessidade de formação de novas tripulações de bombardeiros, e assim quase que imediatamente grande parte da frota dos Beech AT-11 Kansan da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) seria desmobilizada e retirada do serviço passando a ser classificado como "excedente militar", com parte sendo armazenada e parte sendo alienada para a venda ao mercado civil norte-americano. No início da década de 1950, uma parcela da frota passaria a ser incluída em diversos programas internacionais de ajuda militar, passando a equipar as forças armadas da Argentina, Colômbia, Guatemala, Peru, Portugal, Suécia e Venezuela, Sua produção seria encerrada em junho de 1945, sendo entregues mais de mil e seiscentas células, seriam na Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) responsáveis pela formação de mais de 90% dos pilotos e tripulantes das equipes de bombardeiros durante o período do conflito. Em seu país de origem o modelo seria totalmente retirado de serviço no ano de 1954.
Emprego na Força Aérea Brasileira.
No início da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos passou a considerar com crescente preocupação a possibilidade de uma invasão do continente americano pelas potências do Eixo — Alemanha, Itália e Japão. A capitulação da França em junho de 1940 intensificou esses temores, especialmente diante da possibilidade de que a Alemanha nazista estabelecesse bases operacionais em territórios coloniais franceses, como as Ilhas Canárias e Dacar (atual Senegal). Nesse cenário, o Brasil emergiu como um ponto estratégico vulnerável devido à sua proximidade geográfica com o continente africano, que, após a campanha alemã no Norte da África iniciada em 1940, figurava nos planos expansionistas do Terceiro Reich. Além disso, as conquistas japonesas no Sudeste Asiático e no Pacífico Sul, incluindo a ocupação da Indochina em 1940 e das Filipinas em 1942, transformaram o Brasil no principal fornecedor de látex para os Aliados, uma matéria-prima essencial para a produção de borracha, utilizada em pneus, vedações e outros componentes críticos para a indústria bélica. A costa nordeste brasileira, particularmente nas cidades de Recife e Natal, adquiriu relevância estratégica por ser o ponto mais próximo entre os continentes americano e africano, facilitando o translado aéreo de tropas, veículos, suprimentos e aeronaves para os teatros de operações na Europa e no Norte da África, como a Operação Tocha de novembro de 1942. Diante dessas ameaças, o governo brasileiro, liderado pelo presidente Getúlio Vargas, intensificou a aproximação política e econômica com os Estados Unidos, resultando em uma série de acordos estratégicos. Um dos mais significativos foi a adesão do Brasil ao programa de ajuda militar Lend-Lease Act (Lei de Arrendamento e Empréstimo), promulgado pelo Congresso americano em março de 1941. Esse programa destinou ao Brasil uma linha de crédito inicial de US$ 100 milhões (equivalente a cerca de US$ 2 bilhões em valores ajustados para 2025), voltada para a aquisição de armamentos modernos, incluindo aeronaves, veículos blindados, carros de combate e navios. O objetivo principal era modernizar as Forças Armadas Brasileiras, que, na época, enfrentavam obsolescência em equipamentos, armamentos e doutrina operacional militar. Os recursos do Lend-Lease foram essenciais para capacitar o Brasil a enfrentar as ameaças representadas pelos submarinos alemães (U-boats) da Kriegsmarine e italianos da Regia Marina, que intensificaram ataques contra a navegação civil e militar ao longo do extenso litoral brasileiro. Entre 1942 e 1943, cerca de 20 navios mercantes brasileiros foram afundados, impactando o transporte de matérias-primas cruciais para os Estados Unidos. A modernização naval e aérea, impulsionada pelo programa, permitiu ao Brasil desempenhar um papel ativo na defesa do Atlântico Sul e na proteção das rotas marítimas aliadas.
Neste período a recém-criada Força Aérea Brasileira (FAB), estabelecida em 20 de janeiro de 1941, enfrentava desafios significativos devido à obsolescência de sua frota. Composta por aeronaves ultrapassadas, a Aeronáutica carecia de equipamentos modernos, incluindo aviões de treinamento básico e avançado, essenciais para formar pilotos militares em quantidade e qualidade suficientes para atender às demandas de um conflito global. Além da carência apresentada no processo formação básica, a Aeronáutica não dispunha de programas específicos destinados ao emprego em missões especializadas em aeronaves multimotoras, contando para este fim com apenas algumas aeronaves do bimotor alemão Focke-Wulf FW-58 Weihe. E mesmo o uso desta aeronave em treinamentos reduziria em muito a capacidade brasileira em realizar compor o imediato esforço de guerra nacional, direcionado principalmente as atividades relacionadas a busca e destruição de submarinos do Eixo, que até então representavam uma grave ameaça a navegação militar e civil nas costas do mar territorial brasileiro. Em atendimento a estas demandas o plano de intercambio operacional entre a Força Aérea Brasileira e a Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF), previa a estruturação dos meios materiais e doutrinários para a formação de pilotos, navegadores e bombardeadores, com a finalidade de prover os efetivos necessários para a realização das missões de patrulha e guerra antissubmarino (ASW). Assim o treinamento em aeronaves multimotores seria fundamental, sendo cedidos nos termos daquele acordo inicialmente, um lote inicial de seis aeronaves Beechcraft AT-7-BH, que seriam seguidas por mais células nas versões Beechcraft C-18 e C-45. A partir de meados do ano 1942 seriam recebidas dez células do modelo Beech AT-11-BH Kansan que seriam destinadas a missão de formação de pilotos e tripulantes de aeronaves de bombardeio. Estas aeronaves haviam sido produzidas recentemente, e seriam entregues a uma comissão brasileira na Base Aérea de San Antonio Field no estado do Texas. Em translado para o Brasil, a primeira esquadrilha partiu dia 15 de dezembro de 1943; a segunda deixou San Antonio no dia seguinte; a terceira e a última esquadrilha partiria em janeiro de 1944. Guarnecidas por tripulações brasileiras, as dez aeronaves percorreram uma rota que as fez passar pelo México e praticamente todos os países centro-americanos antes de atingirem o território brasileiro. Essas aeronaves seriam recebidas no Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro, onde seriam inspecionadas e liberadas para operação, sendo então transladadas para o Campo dos Afonsos, onde seriam incluídas no acervo da Escola de Aeronáutica (EAer).

Neste momento com o apoio de oficiais norte-americanos seria ministrado o curso para a formação de instrutores, e após a qualificação de uma massa crítica mínima de multiplicadores, o programa de treinamento de pilotos e tripulantes para aeronaves de patrulha e bombardeio multimotor, seria inserido no currículo de instrução da escola. No entanto, ao contrário de seus pares na Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF), o uso dos Beech AT-11 brasileiros estaria mais voltado ao treinamento de bombardeio dos cadetes da escola do que para a formação de bombardeadores. Estas aeronaves ao serem utilizadas em surtidas de treinamento de bombardeio, eram armados com bombas de treinamento M-38A2 de 45,5 kg cada uma, elas eram ocas de modo que podiam ser carregadas com areia, serragem ou cinzas, para que pudessem chegar a seu peso completo. Estes artefatos apresentavam uma carga sinalizadora na cauda para facilitar a visualização do ponto de impacto. Estas bombas de treinamento simulavam com muita fidelidade os modelos de emprego geral como a AN-M43 e AN-M64A1 de 227 kg, sendo assim considerado um grande ganho em termos de qualidade de instrução. Ademais frequentemente os Beech AT-11 eram aproveitados para realizar a instrução ne navegação. Existem ainda registros que os Beechcrafts AT-11 da Escola de Aeronáutica (EAer) eram periodicamente utilizados em surtidas de instrução de fotografia aérea, pois seu nariz envidraçado permitia a coleta de imagens obliquas. Além disso, ao dispor de um painel de plexiglass oticamente plano no ventre do nariz, podia também colher imagens verticais. Até o final do conflito estas aeronaves formariam centenas de pilotos que operariam os mais variados modelos de bombardeiros bimotores operados pela Força Aérea Brasileira. Com leves alterações, essa seria rotina deste modelo até fins de 1947, porém mesmo momento o Ministério da Aeronáutica (MAer) estava empenhado não só em promover uma extensa reorganização de suas unidades aéreas, mas preparava-se para um período de significativo crescimento, especialmente no que tange a seus estabelecimentos de ensino. Desta maneira haveria o aumento da demanda por aeronaves de treinamento, sendo negociados junto ao governo norte-americano um novo lote de dez aeronaves, que seriam adquiridas a um preço simbólico. Por se tratar de aviões usados, caberia a Força Aérea Brasileira apenas custear os serviços de revisão geral de suas células e motores, que seriam realizados pela empresa Texas Enginnering & Manufacturing. Dados como prontos nas derradeiras semanas de 1947, os primeiros exemplares deste segundo lote partiriam de San Atonio Air Force Base no Texas em 24 de dezembro; a última aeronave deixaria os Estados Unidos em 9 de fevereiro do ano seguinte.
Diferente das aeronaves do primeiro lote, assim que os "novos" Beech AT-11BH foram recebidos no país, somente um seria distribuído a Escola de Aeronáutica (EAer), com os demais sendo distribuídos para diferentes bases aéreas e organizações militares, onde seriam designados para servir nas esquadrilhas de adestramento. Na Base Aérea de São Paulo (BASP), estas aeronaves seriam colocadas à disposição da Esquadrilha Mista de Instrução do Curso de Tática Aérea (EMICTAer) para atuar em tarefas de aerofotogrametria. Duas células seriam encaminhadas a Escola de Especialistas da Aeronáutica (EEAr), onde passariam a atuar na formação de futuros oficiais graduados nos quadros de armamentos e de fotografia aérea. Equipadas com os visores Norden M-9 ou M-9B aquelas aeronaves, ajudaram a formar diversas turmas de sargentos bombardeadores, e as mesmas aeronaves equipadas com câmeras obliquas e verticais contribuíram na diplomação dos futuros sargentos fotógrafos da Força Aérea Brasileira. No início da década de 1950, a disposição dos Beechcrafts AT-11 seria alterada, com algumas aeronaves sendo transferidas para a Escola de Especialistas e de Infantaria de Guarda (EOEIG) sediada no campo de Bacheri em Curitiba, onde passaram a formar os futuros oficiais de armamento e fotografia aérea. Em meados de 1951 o Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PqAerAF) receberia um Beech AT-11 para operar em benefício do Serviço Geográfico do Exército, relação que perduraria até o final daquela década. Na segunda metade da década de 1950 e na esteira da desativação dos Douglas A-20K do 1º/10º Grupo de Aviação – Esquadrão Poker, o Estado Maior da Aeronáutica (EMAer) tomaria uma decisão que abriria outra área para os Beech AT-11. Diante do reduzido número de aeronaves North American RB-25 Mitchel para a execução de missões de foto reconhecimento e aerofotogrametria, seria determinado que três Beech AT-11 fosses distribuídos a esta unidade. Diferentemente dos demais exemplares, estas aeronaves receberiam uma pintura tática camuflada, mantendo este padrão até sua desativação no início da década de 1970. Paralelamente dois AT-11 foram destinados ao 1º/6º Grupo de Aviação - Esquadrão Carcará para assim reforçar a dotação dos Boeing RB-17, o que aconteceu no transcorrer de 1958, se mantendo operacionais somente até o ano de 1963. Salvo as regulares idas ao Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PQAerAF), para serem submetidos aos programados serviços de revisão geral ou então sofrer reparos após algum acidente, os Beech AT-11 se mantiveram operacionais com boa disponibilidade durante seu emprego na Força Aérea Brasileira.
As duas ressalvas dizem respeito a incorporação de mais três células, a primeira em 1953 e as demais em 1963, com primeira de uma aeronave compreendendo um Beech D-18S aparentemente com características do Beech AT-11 e que fora adquirido pelo Ministério da Agricultura, por motivos desconhecidos, essa aeronave passou a fazer parte do acervo da Força Aérea Brasileira em junho de 1953, e excluída em outubro de 1954. Mas em janeiro de 1956, agora identificado como um Beech C-45 seria distribuído ao Esquadrão de Transporte Especial (ETE), porém logo seria novamente desativado e possivelmente devolvido ao Ministério da Agricultura. A segunda ressalva se relaciona a dois AT-11 originalmente pertencentes a Maryland Aviation Research Corporation e foram vendidos a um particular brasileiro. São escassos os detalhes, mas aparentemente estas aeronaves foram arrestadas como consequência de atividades ilícitas. Apesar de manterem o característico "nariz de vidro" , estes aviões seriam convertidos para o transporte de carga, sendo entregues a Força Aérea Brasileira em junho de 1963. Estas células encontravam-se sem motor e em péssimas condições de conservação, de modo que seriam encaminhadas ao Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PQAerAF), para recuperação e revisão geral. Mas somente uma aeronave seria efetivamente restaurada, sendo distribuída a Escola de Oficiais Especialistas e de Infantaria de Guarda (EOEIG). O início da década de 1970 presenciaria o preludio do fim operacional dos Beechcraft AT-11 na Força Aérea Brasileira, com a frota estando resumida a somente oito aeronaves. Aos poucos as células ainda disponíveis para voo foram sendo encaminhadas para o Parque de Material dos Afonsos (PqAerAF) Rio de Janeiro para serem desativadas. Nesta organização os derradeiros Beechcraft AT-11, seriam excluídos da carga da Força Aérea Brasileira passando a ser alienados em concorrência pública para venda sendo posteriormente, utilizados por operadores civis. Uma aeronave seria reservada para preservação sendo destinada ao acervo do Museu Aeroespacial – Musal sediado no Rio de Janeiro.

Em Escala.
Para representarmos o Beechcraft AT-11 Kansan FAB 1366 empregamos o antigo kit da Pionner 2 na escala 1/72, pois não existe similar na escala 1/48. Trata-se de um modelo extremamente básico sem o mínimo nível de detalhamento. Para compormos a versão operada pela Força Aérea Brasileira, é necessário incluir os dutos de escape laterais dos motores, acrescer a base da torre de metralhadoras e o suporte da câmera fotográfica obliqua. Como não existe no mercado um set de decais específicos compomos o modelo com decais diversos oriundos muitos deles da FCM Decais.
O esquema de cores descrito abaixo representa o padrão de pintura tático aplicado as aeronaves configuradas para as missões de foto reconhecimento e aerofotogrametria quando de sua operação pelo 1º/10º Grupo de Aviação – Esquadrão Poker. Originalmente as células foram recebidas com pintura monocromática em metal natural, sendo este substituído posteriormente com o padrão de pintura aplicado aos demais Beechcraft C-45 e Douglas C-47 da Força Aérea Brasileira.
Bibliografia :
- Beechcraft Model 18 - Wikipédia - https://en.wikipedia.org/wiki/Beechcraft_Model_18
- Aeronaves Militares Brasileiras 1916 á 2015 - Jackson Flores Jr
- História da Força Aérea Brasileira – Rudnei Cunha Dias da Cunha http://www.rudnei.cunha.nom.br/