A Curtiss Airplane and Motor Company é reconhecida como uma das empresas pioneiras na história da aviação norte-americana. Glenn Hammond Curtiss iniciou sua carreira como ciclista profissional e construtor de bicicletas, evoluindo rapidamente para a fabricação de motocicletas. Inspirado pelo primeiro voo dos Irmãos Wright, Curtiss identificou o potencial da aviação como um novo mercado. Em 1904, ele começou a desenvolver motores aeronáuticos leves, inicialmente destinados a dirigíveis. O primeiro sucesso veio em 12 de julho de 1904, quando o dirigível “California Arrow”, equipado com um motor Curtiss 9 HP V-twin, realizou o primeiro voo bem-sucedido de um dirigível na América do Norte. Em 1908, Curtiss ingressou na Aerial Experiment Association (AEA), um grupo de pesquisa fundado por Alexander Graham Bell, dedicado ao desenvolvimento de máquinas voadoras. Entre 1908 e 1910, a AEA projetou e construiu quatro aeronaves, sendo o terceiro modelo, conhecido como “June Bug”, inteiramente projetado por Curtiss. Nos anos seguintes, a empresa expandiu sua atuação para a aviação desportiva e começou a explorar o segmento militar. Em dezembro de 1910, sob a supervisão de Glenn Curtiss, a empresa estabeleceu um centro de treinamento de pilotos militares, que se tornou o berço da aviação militar norte-americana. A Curtiss também introduziu inovações significativas, como a primeira aeronave anfíbia e a primeira capaz de realizar pousos e decolagens em navios. Durante a década de 1910, a empresa começou a produzir biplanos para treinamento, atendendo à demanda por pilotos para a Marinha dos Estados Unidos (US Navy) e o Serviço Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAS). Em 1915, a empresa lançou o Curtiss JN, conhecido como Jenny, combinando as melhores características dos modelos J e N. Apesar de contratempos iniciais com as versões JN-1 e JN-2, que sofreram acidentes fatais, a versão JN-3, equipada com um motor mais potente, foi entregue ao Corpo Aéreo do Exército (USAAC) em 1916, sendo utilizada em missões de observação durante a Expedição Pancho Villa, no México. O modelo JN-4 tornou-se um ícone, amplamente adotado para treinamento e consolidando a Curtiss como fornecedora confiável das forças armadas. Na década de 1920, a empresa diversificou sua produção, desenvolvendo aeronaves civis, militares e motores avançados. A empresa investiu em pesquisa e desenvolvimento, criando caças como o Curtiss P-1 Hawk, introduzido em 1925 para o Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC). O P-1, projetado por engenheiros como Don R. Berlin, incorporava avanços como construção em metal e motores mais potentes, pavimentando o caminho para caças modernos. A empresa também se destacou na produção de motores, como a série Curtiss D-12, um motor V-12 refrigerado a líquido que oferecia desempenho superior aos radiais da época. Usado em aeronaves de competição como o Curtiss R3C, pilotado por Jimmy Doolittle para vencer a Schneider Trophy em 1925, o D-12 consolidou a reputação da Curtiss como inovadora em propulsão.
Em 1929, a Curtiss Airplane and Motor Company fundiu-se com a Wright Aeronautical, formando a Curtiss-Wright Corporation. A Wright Aeronautical, herdeira do legado dos irmãos Wright, era especializada em motores radiais, como o Wright Whirlwind, que propulsionou o Spirit of St. Louis de Charles Lindbergh. A fusão integrou a expertise da Curtiss em aeronaves e hidroaviões com a liderança da Wright em motores, criando uma potência industrial capaz de atender às demandas da aviação militar e civil. Esta corporação teria destacada participação no esforço aliado durante a Segunda Guerra Mundial, se tornando a maior fabricante de aviões e componentes aeronáuticos críticos dos Estados Unidos. Este resultado seria o fruto do esforço e da ousadia empresarial deste competitivo segmento de mercado, que em inúmeras ocasiões empregaria recursos próprios no desenvolvimento de seus projetos. Um destes exemplos pode ser representado na criação da aeronave de combate Curtiss Model 75, um modelo de caça monomotor monoplano concebido totalmente com investimento privado da companhia. Este projeto seria originado dentro de um ousado programa de planejamento estratégico da empresa, que visava antever possíveis demandas militares. O primeiro protótipo alçaria voou no dia 6 de maio de 1935, atingindo uma velocidade de 452 km/h a 10.000 pés (3.000 metros) durante os primeiros voos de teste. Paralelamente o Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC) iniciava os primeiros esforços e estudos, visando o lançamento de um programa para o desenvolvimento e seleção de uma nova aeronave de caça, visando assim substituir os já obsoletos monoplanos Boeing P-26 "Peashooter”. Apesar de ser vencido na concorrência pelo Seversky P-35, as crescentes tensões na Europa, com a ascensão do nazismo na Alemanha, e na Ásia, com a expansão japonesa, levantaram preocupações sobre a capacidade da Seversky de entregar aeronaves em prazos apertados. Essa incerteza levou o comando a buscar uma margem de segurança, resultando, em 16 de junho de 1936, na assinatura de um contrato com a Curtiss-Wright. Assim vultuosos contratos grandes contratos governamentais, gerariam os recursos financeiros que permitiriam a a expansão de sua linha de projetos e desenvolvimento de aeronaves. Neste momento a Curtiss-Wright Corporation começaria a esboçar os primeiros passos no segmento de aeronaves de transporte comercial que poderiam também atender a propósitos militares. Para atender a essa demanda, a empresa formou, em 1940, uma equipe de projetos liderada pelo renomado engenheiro aeronáutico George W. Page. Essa equipe tinha como missão desenvolver uma aeronave de transporte de grande porte que combinasse inovação tecnológica e desempenho superior, capaz de rivalizar com o principal competidor da época o Douglas DC-3 – C-47 Skytrain.

A equipe de projetistas de Page definiu parâmetros ambiciosos para a nova aeronave, priorizando inovações que a destacassem no mercado civil e miltar. Um dos avanços mais significativos foi a introdução da pressurização da cabine para pilotos e passageiros, uma característica revolucionária para a aviação comercial da época. Para maximizar o volume útil da fuselagem, foi adotado o conceito de design “double-bubble” (bolha dupla), que conferia maior espaço interno sem comprometer a aerodinâmica. Essa abordagem, embora inovadora, exigiu revisões contínuas ao longo do desenvolvimento, com ajustes e melhorias para garantir a viabilidade técnica e a segurança do projeto. O resultado desse esforço foi o protótipo CW-20T, registrado com a matrícula civil NX-19436. Em 26 de março de 1940, a aeronave realizou seu voo inaugural nas instalações da Curtiss-Wright Corporation em Saint Louis, Missouri. Esse marco representou não apenas um avanço técnico, mas também um testemunho do compromisso da empresa com a inovação em um setor altamente competitivo. Após o voo inicial, o Curtiss CW-20T foi submetido a um rigoroso programa de ensaios em voo, projetado para validar sua segurança, desempenho e conformidade com os padrões aeronáuticos. Paralelamente aos testes técnicos, a Curtiss-Wright lançou uma ampla campanha comercial e de marketing para promover o novo CW-20T junto às companhias aéreas. O objetivo era posicionar a aeronave como uma alternativa superior ao Douglas DC-3, destacando suas inovações, como a cabine pressurizada e o maior espaço interno. Essa estratégia buscava antecipar-se à concorrência, capturando a atenção do mercado antes que o Douglas DC-3 consolidasse ainda mais sua dominância. Durante esse período, a empresa continuou a refinar o projeto com base nos resultados dos ensaios em voo, garantindo que a aeronave atendesse às expectativas de desempenho e confiabilidade. Nesta fase de desenvolvimento e avaliação final, mais alterações seriam implementadas, entre as mais significativas se daria na mudança do conjunto de cauda, que originalmente apresentava uma configuração de duas empenagens verticais, passando assim apresentar um projeto de concepção convencional, sendo composta na forma de uma única peça, buscando assim uma significativa melhoria da estabilidade em baixas velocidades. Além de perspectivas positivas junto ao mercado civil de transporte de passageiros, o agravamento das tensões na Europa e no Pacifico provocado pelas ambições expansionistas do Império do Japão, levaria o comando do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC) a empreender elevados esforços para o aumento emergencial de sua frota de aeronaves de transporte.
Em julho de 1940, a Curtiss-Wright apresentou o projeto básico do CW-20, uma aeronave de transporte de grande porte projetada para competir com o Douglas DC-3/C-47 Skytrain. As características inovadoras do modelo, incluindo a possibilidade de pressurização da cabine, despertaram o interesse imediato do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC). Sob a supervisão do General Henry H. "Hap" Arnold, responsável pelo processo de seleção de aeronaves, o protótipo, designado C-55 (CW-20A), foi submetido a testes para avaliar sua adequação ao uso militar. O relatório final de Arnold recomendou a adoção do modelo como aeronave de transporte de carga, mas em uma versão simplificada, sem o sistema de pressurização, para atender às exigências operacionais. Em 13 de setembro de 1940, foi assinado o primeiro contrato para a aquisição de 46 aeronaves, designadas C-46-CU Commando. Dessas, as últimas 21 unidades foram configuradas como CW-20B, recebendo a designação C-46A-1-CU Commando. As entregas começaram no início de 1941, com as aeronaves sendo rapidamente integradas às operações do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC). As primeiras unidades do C-46-CU Commando enfrentaram problemas operacionais significativos, que comprometeram seu desempenho inicial. Como resultado, 30 aeronaves foram devolvidas à Curtiss-Wright para a implementação de 53 modificações urgentes. Essas alterações incluíram portas de carga ampliadas, um piso de carga reforçado e uma cabine conversível, que permitia maior flexibilidade para o transporte de tropas ou cargas. Em maio de 1941, George A. Page Jr. apresentou a versão revisada, agora designada C-46A, que foi oficialmente aceita para operação militar. Apesar do progresso, questões burocráticas atrasaram a produção, e até 7 de dezembro de 1941 – data do ataque a Pearl Harbor –, apenas duas aeronaves haviam sido entregues. Nesse período, uma mudança significativa foi a substituição dos motores Wright Twin Cyclones pelos mais potentes Pratt & Whitney R-2800 Double Wasp, cada um com 2.000 hp, conferindo à aeronave maior desempenho e confiabilidade. Ao longo da produção, até novembro de 1943, mais de 700 alterações foram incorporadas, incluindo melhorias no sistema de combustível e a redução do número de janelas na cabine, otimizando a aeronave para missões militares. O sucesso do C-46A levou à celebração de novos contratos, elevando o total de aeronaves encomendadas para 1.454 unidades. Dentre essas, 40 foram destinadas ao Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos (US Marine Corps), sob a designação R5C-1. Essa variante foi equipada com portas duplas de carga, um piso reforçado e um guincho hidráulico para movimentação de cargas, além da possibilidade de instalar até 40 assentos dobráveis, tornando-a ideal para o transporte de tropas e equipamentos em operações anfíbias.

O verdadeiro batismo de fogo do C-46 Commando ocorreu na campanha do "Hump", a rota aérea sobre os Himalaias que conectava Assam, na Índia, a bases no sudoeste da China. Após a invasão japonesa da Birmânia em 1942, que cortou a Rota da Birmânia – a principal via terrestre de suprimentos para a China – os Aliados dependeram exclusivamente do transporte aéreo para apoiar as forças chinesas e as operações do General Claire Chennault. O C-46 foi escolhido como a principal aeronave para essa missão devido à sua capacidade de transportar cargas pesadas, incluindo veículos leves e artilharia, e operar em altitudes elevadas, enfrentando condições meteorológicas extremas e terrenos montanhosos perigosos. As operações no "Hump" começaram em meados de 1942 e se intensificaram ao longo de 1943. O C-46, equipado com motores Pratt & Whitney R-2800 Double Wasp de 2.000 hp, demonstrou sua capacidade de carregar até 10.000 libras de carga, superando o C-47 em volume e peso. No entanto, os pilotos enfrentaram desafios formidáveis: ventos fortes, turbulências severas, gelo nas asas e a constante ameaça de ataques japoneses. A rota exigia voos sobre picos de até 15.000 pés, frequentemente em condições de visibilidade limitada, o que resultou em perdas significativas de aeronaves e tripulações. Apesar disso, o C-46 provou ser indispensável, transportando suprimentos vitais como munições, combustível e equipamentos médicos, sustentando o esforço de guerra na China e contribuindo para a resistência contra o avanço japonês. No teatro de operações do Pacifico, seu grande raio de alcance o tornou ideal nas missões de ressuprimento das unidades militares espalhadas por centenas de ilhas. No entanto na Europa sua atuação seria extremamente tímida quando comparada ao maciço emprego dos Douglas C-47 que praticamente representaram o esteio da aviação de transporte aliada. No entanto na Europa sua atuação seria extremamente tímida quando comparada ao maciço emprego dos Douglas C-47 que praticamente representaram o esteio da aviação de transporte aliada. Ao a todo seriam produzidas 3.140 células, e após o término do conflito seria promovida a desmobilização de grande parte de sua frota de aeronaves de transporte, envolvendo centenas de células do modelo C-46 Curtiss Commando que se encontravam e bom estado de conservação. Assim um grande número destas aeronaves seria cedido a nações alinhadas ao posicionamento ideológico norte-americano como Argentina, Bolívia, Columbia, Republica da China, Cuba, Equador, Republica Dominicana, Egito, Haiti, Honduras, Israel, Coreia do Sul, Japão, México, Laos e Peru. Uma representativa parte destas aeronaves, seria ainda comercializada no emergente mercado internacional de transporte de carga e passageiros.
Emprego na Força Aérea Brasileira.
Com o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, os Estados Unidos enfrentaram o desafio de gerenciar um vasto excedente de aeronaves militares, acumuladas em suas unidades de reserva. Milhares de aviões, incluindo modelos de transporte, bombardeio, patrulha e ataque, foram retirados das operações ativas e classificados como excedentes. Esse cenário marcou um momento crucial na história da aviação, com impactos significativos tanto no mercado civil quanto na indústria aeronáutica. A mobilização industrial durante a guerra resultou na produção de dezenas de milhares de aeronaves, muitas das quais com poucas horas de voo e em excelente estado de conservação. Entre os modelos mais notáveis estavam o Douglas C-47 Skytrain, o Consolidated C-87 Liberator e o Curtiss C-46 Commando, amplamente utilizados para transporte de cargas e tropas. Com o fim do conflito, a maioria das aeronaves de caça e bombardeio foi considerada obsoleta para fins militares modernos, levando à decisão de sucateá-las e reciclá-las como matéria-prima. No entanto, as aeronaves de transporte, devido à sua versatilidade e condição operacional, apresentavam um potencial significativo para reutilização. Para gerenciar o excedente, o governo norte-americano optou por ceder centenas dessas aeronaves a nações aliadas por meio de programas de ajuda militar e, ao mesmo tempo, disponibilizá-las no mercado civil após processos de desmilitarização. Os preços de venda eram extremamente atrativos, variando entre US$ 40.000 e US$ 50.000 por célula, valores irrisórios para aeronaves robustas e confiáveis. Essa iniciativa gerou uma oportunidade única para empresas aéreas e investidores, resultando na aquisição de milhares de unidades por operadores civis em todo o mundo. O influxo dessas aeronaves no mercado impulsionou a criação de novas companhias de transporte aéreo regional, democratizando o acesso ao transporte aéreo e estimulando o crescimento do setor em diversas regiões. Embora a venda de aeronaves excedentes tenha dinamizado o mercado de aviação civil, ela trouxe consequências inesperadas para a indústria aeronáutica norte-americana. A disponibilidade de aeronaves militares a preços reduzidos saturou o mercado, reduzindo drasticamente a demanda por novas aeronaves comerciais. Fabricantes como a Douglas Aircraft Company, a Curtiss-Wright Corporation e outras enfrentaram uma crise sem precedentes, com suas linhas de produção paralisadas devido à falta de encomendas. Esse efeito colateral revelou a necessidade de reavaliar a estratégia de comercialização do excedente militar. Diante da crise, o governo norte-americano decidiu interromper a venda em larga escala de aeronaves excedentes.
As unidades remanescentes foram sistematicamente desmontadas para aproveitamento de matéria-prima, marcando o nascimento oficial da indústria de reciclagem aeronáutica. Esse processo não apenas mitigou o impacto econômico sobre os fabricantes, mas também introduziu uma nova filosofia de sustentabilidade, na qual componentes e materiais de aeronaves desativadas eram reutilizados, reduzindo o desperdício e promovendo a eficiência na gestão de recursos. Neste mesmo período o Brasil vivenciava um momento de grande efervescência, marcado pelo desejo de promover a integração de seu vasto território continental. Esse anseio, aliado à oportunidade de negócios gerada pela oferta de aeronaves excedentes militares a preços acessíveis, criou um cenário propício para o surgimento de empresas de transporte aéreo regional. Este sentimento seria potencializado pela oferta de aeronaves usadas de transporte ao mercado civil, com seus preços de aquisição representando uma verdadeira “pechincha”, ou seja, o cenário estabelecia as condições ideias para o surgimento de empresas de transporte aéreo no país. Aeronaves como os Douglas C-47 Skytrain e o Curtiss C-46 Commando eram ofertados a preços extremamente reduzidos, variando entre US$ 40.000 e US$ 50.000 por unidade. Essa oferta representou uma oportunidade única para empresários e investidores brasileiros, que enxergaram no transporte aéreo uma ferramenta para superar as barreiras geográficas do Brasil e fomentar a integração nacional. O baixo custo de aquisição das aeronaves estimulou a criação de diversas companhias aéreas regionais, embora muitas dessas iniciativas tenham sido efêmeras devido à falta de recursos financeiros ou estratégias operacionais inadequadas. Um dos protagonistas desse movimento foi o empresário Vinicius Valadares Vasconcellos, que se destacou como um dos principais importadores e revendedores de aeronaves usadas provenientes dos Estados Unidos. Especializado na comercialização de modelos como o Douglas C-47 e o Curtiss C-46 Commando, Vasconcellos desempenhou um papel central no fornecimento dessas aeronaves ao mercado brasileiro, atendendo à crescente demanda por transporte aéreo confiável e de longo alcance. Embora o Douglas C-47 (versão militar do DC-3) fosse mais numeroso na frota brasileira, o Curtiss C-46 Commando destacou-se por suas características únicas, especialmente seu alcance superior, que permitia voos sem escalas para regiões longínquas do país. Essa capacidade tornou o C-46 uma ferramenta essencial para a integração nacional, conectando centros urbanos a áreas remotas, como o interior do Brasil e a região Amazônica, onde a infraestrutura terrestre era limitada.

A Varig S/A, uma das mais emblemáticas companhias aéreas brasileiras, foi a primeira grande operadora do C-46 no Brasil, incorporando a aeronave em 1948. Com o uso do Commando, a Varig conseguiu, pela primeira vez, estender sua malha aérea ao Nordeste brasileiro, um marco na expansão de suas operações. A empresa operava o C-46 em três configurações distintas: Luxo: Com apenas 36 assentos dispostos em uma configuração 2+2, essa versão oferecia poltronas mais largas e confortáveis, equipadas com ventiladores na cabine para maior comodidade dos passageiros. Mista: Projetada para transportar 46 passageiros em uma configuração 2+3, essa variante combinava transporte de pessoas e cargas, maximizando a versatilidade da aeronave. Cargueiro: Especialmente adaptada para o transporte de cargas, essa configuração atendia às necessidades logísticas de regiões onde o transporte terrestre era inviável. O segundo maior operador civil do C-46 foi a Real-Aerovias-Nacional, que também aproveitou a robustez e a capacidade de carga da aeronave para expandir suas operações regionais. Em fins de 1948, a companhia gerida por Vinicius Valadares Vasconcellos atravessava um período de instabilidade financeira, com um fluxo de caixa insuficiente para honrar compromissos com parceiros e fornecedores. Para enfrentar essa crise, a empresa decidiu negociar duas aeronaves Curtiss C-46A disponíveis em seu estoque, registradas com as matrículas civis PP-XBR e PP-XBX. Essas aeronaves, prontas para uso comercial, foram oferecidas ao Ministério da Aeronáutica (MAer) em condições vantajosas, com o objetivo de gerar recursos financeiros imediatos. As negociações, conduzidas com eficiência, culminaram na aquisição das duas aeronaves pela Força Aérea Brasileira (FAB) em 15 de outubro de 1948. Os C-46A Commando foram transferidas para o 2º Grupo de Transporte (GT), sediado no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, onde receberam as designações militares C-46 e as matrículas FAB 2057 e FAB 2058. Essa incorporação marcou um momento importante na modernização da frota de transporte militar, que buscava fortalecer suas capacidades logísticas de carga e pessoal em um período de crescente integração nacional. Neste esquadrão, estas aeronaves foram destinados a missões de transporte de carga e passageiros, destacando-se por sua robustez e capacidade volumosa de carga interna. Essas aeronaves tornaram-se essenciais em operações de apoio ao governo federal, incluindo o transporte de suprimentos e pessoal para regiões estratégicas do país. Sua versatilidade permitiu que fossem empregadas em uma ampla gama de tarefas, desde missões logísticas até apoio a iniciativas de integração territorial, conectando o Rio de Janeiro a áreas mais remotas do Brasil.
As duas aeronaves eram veteranas da Segunda Guerra Mundial, trazendo consigo uma rica história operacional. O C-46 FAB 2057 havia servido na Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) em operações no continente americano, enquanto o FAB 2058, originalmente designado R5C-1 (BuAer 50711), foi utilizado pelo Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos (US Marine Corps) no teatro do Pacífico. Este último operou no esquadrão VMR-252, baseado na ilha de Kwajalein, desempenhando um papel crítico no ressuprimento de tropas e na evacuação aeromédica durante as operações táticas para a invasão de Okinawa em 1945. Operando sob o comando do 2º Grupo de Transporte (2º GT), sediado no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, esses aviões foram fundamentais em missões de transporte de carga e pessoal, com destaque para sua atuação no Correio Aéreo Nacional (CAN), conectando regiões do Brasil e até mesmo realizando voos internacionais. A trajetória dessas aeronaves, marcada por dedicação e desafios, reflete o compromisso da Força Aérea Brasileira (FAB) em promover a integração nacional em um período de transformações. A robustez e a capacidade de carga do C-46, aliadas à sua confiabilidade, conquistaram elogios de pilotos e tripulantes, que reconheciam sua eficiência em atender às demandas logísticas do governo federal. As aeronaves operavam em parceria com os Douglas C-47 Skytrain, que formavam a espinha dorsal da unidade, complementando suas capacidades com maior alcance e volume de carga. Infelizmente, a trajetória do C-46 FAB 2057 foi interrompida tragicamente em 13 de outubro de 1949, apenas 11 meses após sua incorporação. Durante uma missão internacional do Correio Aéreo Nacional (CAN), a aeronave sofreu um grave acidente nas proximidades da cidade de Oruro, na Bolívia, resultando na perda total da aeronave e de sua tripulação. O Curtiss C-46 Commando FAB 2058, mais afortunado, continuou a desempenhar suas funções no 2º GT, operando em harmonia com os C-47 Skytrain. Contudo, a partir de 1952, a FAB enfrentou desafios logísticos relacionados à manutenção de uma única aeronave de um modelo específico. A operação de uma única célula do C-46 dificultava a padronização dos processos de manutenção e a gestão de peças de reposição, levando à decisão de transferir o FAB 2058, em novembro de 1952, para o 2º Esquadrão do 2º Grupo de Transporte, conhecido como Esquadrão Corsário. Nesse esquadrão, a aeronave continuou a cumprir missões de transporte até o final de 1956. Em janeiro de 1957, o FAB 2058 foi transferido para o Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PAAF), no Rio de Janeiro, onde passou a atuar como aeronave orgânica.

Apesar de manter um desempenho operacional exemplar, a obtenção de peças de reposição tornou-se um obstáculo crescente, uma vez que a produção do C-46 havia sido descontinuada há mais de 15 anos. Esse cenário crítico culminou na decisão de desativar a aeronave, que foi oficialmente retirada do serviço ativo da FAB em 17 de abril de 1968, encerrando sua carreira militar no Brasil. Após a sua desativação, o C-46 Commando FAB 2058 permaneceria estacionado no pátio do Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PAAF), sendo até temporariamente incluído no acervo do recém-criado Museu Aeroespacial (MUSAL) em 1973, entrando em reserva técnica para posterior restauro. . Contudo, um parecer da curadoria do museu, à época, classificou o FAB 2058 como de baixo valor histórico, devido à sua relativamente curta folha de serviços, recomendando que não fosse preservado. Essa decisão refletiu uma visão inicial restritiva sobre o significado histórico da aeronave, que havia servido tanto em missões militares quanto em operações de apoio ao Correio Aéreo Nacional (CAN). Em fins de 1980, o FAB 2058 foi trasladado para o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, onde permaneceu por aproximadamente oito anos, exposto às intempéries e à maresia. A falta de manutenção durante esse período comprometeu ainda mais sua condição, deixando-a em estado de abandono. Em 1988, a aeronave foi recuperada e transferida para Belém, no Pará, onde passou a operar pela Táxi Aéreo Royal sob a matrícula civil PP-LBP. Nesse novo papel, o C-46 continuou a desempenhar missões de transporte em uma região de difícil acesso, mas foi novamente desativado em meados de 1996, sendo abandonado no aeroporto de Belém. Em 1997, uma nova direção do Museu Aeroespacial, guiada por uma filosofia mais abrangente de preservação histórica, reconheceu o valor do Curtiss C-46 Commando como testemunha da aviação militar e civil brasileira. A instituição iniciou negociações com os proprietários da aeronave, agora registrada como PP-LBP, para sua aquisição. As tratativas foram bem-sucedidas, e o C-46 foi submetido a uma revisão geral antes de ser trasladado em voo para as oficinas da Varig S/A, no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro. Na Varig, a aeronave passou por um meticuloso processo de restauração, sendo recuperada para refletir o padrão de pintura utilizado durante seu período como aeronave orgânica do Parque de Aeronáutica dos Afonsos. Esse trabalho de restauração não apenas devolveu à aeronave sua aparência histórica. Seu último voo ocorreria no dia 03 de julho de 1998, na rota Galeão - Campo dos Afonsos, sendo pilotado pelos Comandantes José Jaú Margalho e Elizeu Fernandes, sendo assim finalmente incorporado ao acervo do Museu Aeroespacial (Musal).
Em Escala.
O kit do Curtiss C-46 Commando produzido pela Williams Brothers, na escala 1/72, é a única opção disponível no mercado para representar fielmente essa aeronave icônica. Contudo, sua qualidade apresenta limitações típicas de kits mais antigos, como detalhes rudimentares, encaixes imprecisos e instruções pouco claras. Esses fatores demandam do modelista um alto nível de habilidade, paciência e perseverança para alcançar um resultado satisfatório. A montagem requer técnicas avançadas de modelismo, incluindo ajustes manuais, preenchimento de falhas. A finalização do modelo FAB 2058 foi enriquecida pelo uso de decais produzidos pela FCM Decais, uma referência em insígnias para modelismo no Brasil.
Bibliografia :
- Curtiss C-46 na Varig - https://www.varig-airlines.com/pt/c46.htm
- Aeronaves Militares Brasileiras 1916 / 2015 - Jackson Flores Jr
- Curtiss C-46 Commando Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Curtiss_C-46_Commando
- História da Força Aérea Brasileira , Prof Rudnei Dias Cunha
- http://www.rudnei.cunha.nom.br/FAB/index.html