História e Desenvolvimento.
A Boeing Airplane Company, fundada em 9 de maio de 1917 por William Edward Boeing, surgiu em um momento decisivo da história da aviação e rapidamente se consolidou como um dos vetores centrais da inovação aeronáutica nos Estados Unidos. Sob a condução de um empresário visionário, já profundamente envolvido com a aviação desde o início da década de 1910, a empresa estabeleceu-se como um pilar emergente da indústria, contribuindo de forma decisiva tanto para o esforço militar quanto para o desenvolvimento da aviação civil norte-americana. A entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, em abril de 1917, abriu uma oportunidade estratégica para a jovem companhia. Atenta às demandas impostas pelo conflito, a Boeing identificou a necessidade urgente da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) de ampliar sua frota de hidroaviões destinados ao treinamento de pilotos navais. Nesse contexto, a empresa apresentou dois projetos de hidroaviões que, após avaliações preliminares, foram considerados promissores pelas autoridades militares. O resultado foi a celebração do primeiro grande contrato militar da Boeing, envolvendo a produção de cinquenta aeronaves, que, uma vez incorporadas ao serviço ativo, receberam avaliações amplamente favoráveis por parte de seus usuários. Paralelamente, a empresa passou a expandir gradualmente sua atuação no mercado civil, com ênfase nos segmentos de aeronaves de treinamento e turismo, consolidando uma base industrial que lhe permitiu atravessar os primeiros anos de sua existência com relativa estabilidade. Contudo, o encerramento da Primeira Guerra Mundial, em 1918, trouxe novos desafios. Um vasto excedente de aeronaves militares usadas, oferecidas a preços reduzidos, inundou o nascente mercado da aviação comercial, dificultando a venda de novos modelos e provocando sérias dificuldades financeiras para diversos fabricantes. Diante desse cenário adverso, muitas empresas do setor, incluindo a própria Boeing, viram-se obrigadas a diversificar suas atividades em busca de novas fontes de receita. Assim, a Boeing Airplane Company passou temporariamente a produzir móveis e embarcações de fundo plano, conhecidas como Sea Sleds. No âmbito militar, tanto o Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC) quanto a Marinha dos Estados Unidos (U.S Navy) atravessaram um período de estagnação orçamentária, adquirindo poucas aeronaves novas ao longo dos anos seguintes. Entretanto, ao final da década de 1920, uma série de avanços tecnológicos significativos especialmente nos campos da propulsão, aerodinâmica e estruturas metálicas tornou obsoletas muitas das aeronaves então em serviço. Entre elas destacavam-se os caças-bombardeiros embarcados Boeing F-2B (Model 69) e Boeing F-3B (Model 69B), introduzidos no início da década. Embora esses modelos representassem uma evolução em relação a seus antecessores, seus parâmetros de desempenho, particularmente velocidade e alcance, já não atendiam plenamente às expectativas operacionais da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) o que resultou em uma redução significativa dos contratos, com menos de cinquenta unidades produzidas.
Diante desse quadro, a então denominada Boeing Aircraft Corporation decidiu reorientar seus esforços de engenharia para o desenvolvimento de um novo caça, concebido não apenas para substituir os modelos navais obsoletos, mas também para servir como uma plataforma comum capaz de atender às necessidades do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos. O objetivo era oferecer uma solução que pudesse igualmente substituir os caças-bombardeiros Boeing PW-9 (Model 15), em serviço desde 1923, já claramente ultrapassados frente às ameaças estrangeiras emergentes que começavam a se delinear no cenário internacional. No final da década de 1920, os Estados Unidos atravessavam um período de crescente instabilidade econômica que culminaria na Grande Depressão de 1929. Esse contexto adverso impôs severas restrições orçamentárias ao Estado, levando o governo federal a adotar políticas rigorosas de contenção de gastos públicos. O setor militar foi diretamente afetado por essas medidas, com a redução — ou mesmo a negação de recursos destinados ao desenvolvimento de novos projetos aeronáuticos, o que repercutiu de forma imediata sobre fornecedores estratégicos, entre eles a Boeing. A contração dos contratos militares, somada à progressiva obsolescência de aeronaves em serviço, como os Boeing F-2B, F-3B e PW-9, exerceu forte pressão sobre a indústria aeronáutica norte-americana, que se viu obrigada a buscar soluções inovadoras em um ambiente marcado pela escassez de recursos e pela incerteza econômica. Ainda assim, a Boeing soube identificar, nesse cenário adverso, uma oportunidade estratégica no mercado de aviação militar. Tanto a Marinha quanto o Exército dos Estados Unidos manifestavam a necessidade urgente de substituir seus caças ultrapassados por modelos mais modernos, capazes de responder às ameaças internacionais emergentes que começavam a se delinear no horizonte geopolítico. Convicta desse potencial e determinada a preservar sua posição de protagonismo no setor, a Boeing tomou a decisão ousada para a época de empregar recursos próprios no desenvolvimento de um novo caça embarcado. Essa iniciativa evidenciou não apenas a confiança da empresa no futuro da aviação militar, mas também sua disposição em assumir riscos calculados para antecipar as demandas das forças armadas norte-americanas. Com o objetivo de conceber uma aeronave que representasse uma ruptura tecnológica em relação aos modelos anteriores, a equipe de engenheiros da Boeing optou por reformular integralmente o conceito estrutural do caça. A inovação mais significativa consistiu na substituição dos tradicionais tubos de aço soldados, largamente empregados na construção de fuselagens à época, por tubos de alumínio fixados por parafusos. Essa solução resultou em uma estrutura mais leve, com melhor resistência à corrosão e maior facilidade de manutenção, constituindo um avanço relevante na engenharia aeronáutica do período. As asas, por sua vez, mantiveram a técnica construtiva convencional da década de 1920, combinando estrutura de madeira com revestimento em tecido, uma escolha que conciliava leveza, robustez e custos controlados. Já os ailerons, responsáveis pelo controle de rolagem, foram projetados com formato cônico e revestidos em alumínio corrugado, o que lhes conferia maior durabilidade estrutural e ganhos em eficiência aerodinâmica.

No coração do projeto encontrava-se o motor radial Pratt & Whitney R-1340B Wasp, de nove cilindros e 400 cavalos de potência. Embora originalmente desenvolvido para aeronaves de maior porte, esse propulsor foi selecionado para assegurar um desempenho superior, traduzido em maior velocidade, melhor capacidade de subida e manobrabilidade aprimorada. Instalado de forma exposta no nariz da aeronave, o motor contava inicialmente com carenagens de resfriamento proeminentes, posicionadas atrás de cada cilindro. Tais dispositivos, concebidos para otimizar a refrigeração, seriam posteriormente removidos após a entrada em serviço, em decorrência de ajustes baseados na experiência operacional e nos resultados dos testes em voo. As propostas do novo caça foram apresentadas em setembro de 1927, recebendo uma avaliação positiva por parte das autoridades militares, que reconheceram o potencial do projeto. Amparada por esse retorno favorável, a Boeing avançou para a construção de dois protótipos, designados Boeing Model 83 e Boeing Model 89, ambos concluídos em abril de 1928. O primeiro voo do Model 83 ocorreu em 25 de julho de 1928, seguido pelo Model 89, que alçou voo em 7 de agosto do mesmo ano. Após esses marcos iniciais, as duas aeronaves foram entregues às forças armadas para a realização de um extenso e rigoroso programa de ensaios em voo, destinado a avaliar seu desempenho, estabilidade e adequação às exigências das operações militares, consolidando um passo decisivo na evolução dos caças norte-americanos do período entre guerras. Os ensaios conduzidos ao longo de 1928 com os protótipos Boeing Model 83 e Model 89 produziram resultados amplamente favoráveis, confirmando que as aeronaves correspondiam e em alguns aspectos superavam as expectativas estabelecidas em termos de velocidade, manobrabilidade e confiabilidade operacional. A adoção da inovadora estrutura de alumínio aparafusado, combinada ao desempenho consistente do motor radial Pratt & Whitney R-1340B Wasp, conferiu aos protótipos uma vantagem técnica clara em relação a modelos então em serviço, como o Boeing PW-9 e o F-3B, que já evidenciavam sinais de obsolescência frente às novas exigências operacionais. O êxito dos testes levou à aceitação oficial do novo caça-bombardeiro pela aviação naval da Marinha dos Estados Unidos (US Navy), abrindo caminho para negociações comerciais que visavam sua produção em escala. Como resultado direto desse processo, em dezembro de 1928 a Boeing firmou seu primeiro contrato com a US Navy, prevendo a fabricação de 27 aeronaves, designadas internamente como Boeing Model 99 e oficialmente incorporadas ao serviço sob a designação F4B-1. Essa versão inicial de produção já incorporava uma série de aperfeiçoamentos em relação aos protótipos, entre os quais se destacava a adoção do motor Pratt & Whitney R-1340-19, com potência elevada para 450 cavalos, além da capacidade de empregar bombas de queda livre de até 50 kg, instaladas em um suporte ventral. Tais características ampliavam a versatilidade da aeronave, permitindo seu emprego tanto em missões de caça quanto de bombardeio leve, em consonância com a doutrina emergente da aviação naval.
As primeiras unidades do Boeing F4B-1 foram entregues às organizações de recebimento e treinamento da aviação naval entre junho e agosto de 1929, sendo declaradas operacionais após um período de adaptação das tripulações e do pessoal de manutenção. As aeronaves iniciais foram alocadas aos esquadrões embarcados VF-1B, especializados em missões de bombardeio, e VF-2B, voltados para caça e interceptação aérea. A partir de outubro de 1929, esses esquadrões passaram a operar efetivamente a partir de porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos, marcando um momento de grande relevância na consolidação da aviação embarcada norte-americana. Embora as operações iniciais tenham sido consideradas bem-sucedidas, a experiência prática revelou a necessidade de ajustes no projeto original, a fim de atender de maneira mais plena às exigências específicas das operações em porta-aviões, um ambiente caracterizado por elevada complexidade técnica e operacional. Entre as modificações identificadas destacaram-se a adoção de uma roda traseira, para facilitar as manobras no convés, o reforço do trem de pouso com a inclusão de uma barra de dispersão, proporcionando maior estabilidade durante pousos e decolagens, e a implementação de uma cobertura mais envolvente para o motor, visando melhorias aerodinâmicas e maior proteção do conjunto propulsor. Esses aperfeiçoamentos deram origem à versão Boeing F4B-2, cuja produção foi formalizada por meio de um novo contrato assinado em 1930, prevendo a fabricação de 46 aeronaves. As entregas ocorreram entre janeiro e maio de 1931, sendo os exemplares destinados principalmente aos esquadrões VF-6B e VF-5B, embarcados, respectivamente, nos porta-aviões USS Saratoga (CV-3) e USS Lexington (CV-2). Esses navios-aeródromos, símbolos da modernização naval norte-americana, representavam a vanguarda da projeção de poder marítimo dos Estados Unidos e serviram como plataformas ideais para a consolidação do F4B como um dos principais caças embarcados do período entre guerras. Enquanto a Marinha dos Estados Unidos (US Navy) avançava de forma consistente na incorporação operacional do F4B, o Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC) enfrentava dificuldades com o Model 89, cujo desempenho nos ensaios iniciais não atendeu plenamente aos requisitos estabelecidos. Diante desse revés, a Boeing buscou demonstrar o real potencial da plataforma por meio de uma solução pragmática e colaborativa: a cessão, em regime de empréstimo, de uma célula do F4B-1 pertencente à aviação naval, destinada à realização de testes complementares em ambiente terrestre. Os ensaios conduzidos pelo USAAC evidenciaram que, mediante modificações relativamente modestas, a aeronave poderia ser adaptada com êxito às necessidades do Exército. Essas adaptações deram origem ao Boeing Model 102, oficialmente designado P-12, que viria a se consolidar como um dos principais caças do Corpo Aéreo do Exército ao longo da década de 1930. Embora otimizado para operações a partir de bases terrestres, o P-12 preservava a essência do projeto naval, mantendo a fuselagem metálica em alumínio e o confiável motor Pratt & Whitney Wasp, elementos que garantiam robustez, desempenho e facilidade de manutenção. Ao longo dos anos seguintes, o modelo foi contemplado com diversos contratos de produção, reforçando sua importância na estrutura de defesa aérea dos Estados Unidos.

Paralelamente, a experiência operacional acumulada pela aviação naval com os modelos F4B-1 e F4B-2 revelou a necessidade de novos aperfeiçoamentos, especialmente no que se referia à resistência estrutural Essas lições resultaram no desenvolvimento da versão F4B-3, que apresentava semelhanças significativas com o P-12 do Exército, mas incorporava avanços técnicos relevantes. Entre eles destacava-se a adoção de uma fuselagem metálica semi-monocoque, solução que aumentava a rigidez estrutural ao mesmo tempo em que reduzia o peso, além do emprego do motor Pratt & Whitney R-1340-17, com 450 cv. Apesar do bom desempenho do F4B-3, sua operação inicial indicou a necessidade de novos ajustes, em resposta, a Boeing desenvolveu a versão F4B-4, levando a assinatura de um contrato para 92 aeronaves. O F4B-4 incorporava aprimoramentos significativos, entre os quais se destacava o redesenho da deriva vertical, proporcionando maior estabilidade direcional e manobrabilidade qualidades essenciais para operações em porta-aviões. A aeronave passou a contar também com novos cabides subalares, aptos a transportar bombas de até 52 kg. Adicionalmente, o assento do piloto foi equipado com um dispositivo salva-vidas do tipo HP, concebido para garantir flutuação em caso de amerissagem, reforçando as medidas de segurança em operações sobre o mar. O desempenho excepcional do F4B-4 agradou ao , levando à implementação de um programa de modernização para atualizar as versões anteriores ao padrão F4B-4. Esse esforço de padronização reforçou a eficácia da frota e prolongou a vida útil das aeronaves, demonstrando a visão estratégica da Marinha em otimizar seus recursos. O F4B-4 foi amplamente utilizado, operado por cinco esquadrões de caça, incluindo o VF-1 e VF-3, embarcados no USS Langley (CV-1), o primeiro porta-aviões americano; o VF-8 e VF-6, a bordo do USS Enterprise (CV-6); o VF-5, no USS Ranger (CV-4); e o VF-6, no USS Saratoga (CV-3). Além da Marinha dos Estados Unidos (US Navy), o Corpo de Fuzileiros Navais (US Marine Corps) tornou-se o terceiro operador militar do F-4B, adquirindo 12 unidades do F-4B3 e 21 do F-4B4, destinadas aos esquadrões VMF-9 e VMF-10. A versatilidade do caça permitiu que os fuzileiros navais o empregassem em missões de apoio tático e defesa costeira, ampliando o alcance operacional da aeronave. Equipado com duas metralhadoras Colt Browning de calibre .30, sincronizadas com a hélice, e suportes subalares para bombas de até 52 kg, o F4B-4 era excepcionalmente manobrável e veloz, superando todos os outros caças em serviço nas forças armadas americanas na época. A instalação de um tanque de combustível suplementar ventral aumentava sua autonomia para até 1.000 km, um feito impressionante para um caça da década de 1930, permitindo missões de longo alcance em operações navais. A produção total das séries F4B e P-12 alcançou 586 unidades até meados de 1932, no entanto, os rápidos avanços aeronáuticos na segunda metade da década de 1930, incluindo o desenvolvimento de monoplanos metálicos tornaram o F-4B4 e o P-12 obsoletos. A partir de 1936, essas aeronaves começaram a ser transferidas para unidades de treinamento, onde continuaram a desempenhar um papel valioso na formação de novos pilotos. Um pequeno número de aeronaves das séries F-4B e P-12 foi exportado para nações como Espanha, China, Filipinas, Tailândia e Brasil, sob as designações Boeing Model 256 e Model 267.
Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
Na década de 1930, a aviação militar brasileira encontrava-se institucionalmente dividida entre dois ramos distintos: a Aviação Militar, subordinada ao Exército Brasileiro, e a Aviação Naval, vinculada à Marinha do Brasil. Ambas operavam de forma relativamente autônoma e dispunham de uma frota heterogênea, composta majoritariamente por aeronaves de origem estrangeira, adquiridas sobretudo junto a fabricantes americanos e franceses. Para um país ainda em processo de consolidação econômica e industrial, com recursos financeiros limitados e uma infraestrutura tecnológica incipiente, a existência de uma aviação militar organizada representava um feito relevante, refletindo a visão estratégica do governo de Getúlio Vargas, que assumira o poder em 1930, após a Revolução que pôs fim à chamada República Velha. Entre os principais modelos então em serviço destacavam-se o Chance Vought O2U-2A Corsair, de fabricação norte-americana, amplamente empregado pela Aviação Naval, bem como os franceses Potez 25 TOE, utilizado em missões de bombardeio e reconhecimento, e o Nieuport-Delage 72C1, um caça biplano que equipava principalmente a Aviação Militar. O O2U-2A Corsair, concebido para tarefas de observação e ataque leve, oferecia razoável robustez e versatilidade para missões costeiras e de apoio, enquanto o Potez 25 TOE, projetado para operações coloniais francesas, apresentava boa autonomia e capacidade de carga para sua época. Já o Nieuport 72C1 representava o esforço de dotar o Exército de um vetor de caça, ainda que com desempenho modesto. Apesar de numericamente significativa, essa frota enfrentava graves limitações operacionais. A obsolescência tecnológica figurava como o principal entrave, especialmente no que dizia respeito às aeronaves de combate. O próprio O2U-2A Corsair, introduzido no final da década de 1920, já apresentava deficiências em termos de velocidade, armamento e desempenho geral, tornando-se progressivamente inadequado diante da rápida evolução da aviação militar no cenário internacional e do surgimento de modelos mais modernos na América do Sul. De modo semelhante, o Potez 25 TOE e o Nieuport-Delage 72C1, embora confiáveis, não ofereciam a performance necessária para enfrentar eventuais ameaças regionais, em um contexto de tensões geopolíticas latentes entre países vizinhos. Esse quadro de fragilidade material seria agravado por tensões internas, que culminariam na eclosão da Revolução Constitucionalista de 1932. O movimento, impulsionado por uma complexa combinação de fatores políticos, sociais e econômicos, tinha como principal bandeira a constitucionalização do país, defendendo a convocação de uma Assembleia Constituinte e o restabelecimento da ordem democrática. Em 9 de julho de 1932, forças paulistas compostas por militares, policiais e voluntários civis deram início a uma insurreição armada contra o governo federal. A mobilização contou com amplo apoio da sociedade paulista, envolvendo industriais, estudantes, trabalhadores e mulheres, que se engajaram ativamente em campanhas de arrecadação de recursos, na emblemática iniciativa “Ouro para o Bem de São Paulo”, e na produção de suprimentos destinados às tropas em combate. Para o governo federal, a crise de 1932 evidenciou de forma inequívoca as limitações das armas aéreas existentes e reforçou um sentimento de urgência quanto à necessidade de modernização dos meios militares.
Nesse contexto de instabilidade política e conflito armado, o governo brasileiro, representado pelas Forças Legalistas, buscou reforçar de maneira urgente sua capacidade aérea, reconhecendo a aviação como um elemento decisivo para a manutenção da ordem e da autoridade do Estado. Por se tratar do governo legitimamente constituído, o Brasil encontrou maior facilidade para negociar com fornecedores internacionais, beneficiando-se do apoio diplomático e estratégico dos Estados Unidos, que viam no país um aliado fundamental na América do Sul, especialmente em um período de crescente atenção às dinâmicas hemisféricas. A cooperação militar entre Brasil e Estados Unidos, intensificada após a Revolução de 1930, abriu caminho para a aquisição de aeronaves de combate modernas, abrangendo caças, bombardeiros e aviões de treinamento. Inserido nesse esforço de modernização e resposta imediata ao conflito, o governo brasileiro firmou um acordo com a Boeing Aircraft Corporation para a aquisição de 14 caças Boeing Model 256, uma versão destinada à exportação do Boeing F4B-4, modelo originalmente concebido para operações embarcadas. O contrato previa a distribuição equilibrada das aeronaves entre os dois ramos da aviação militar nacional: oito unidades seriam destinadas à Aviação Militar do Exército Brasileiro, enquanto seis células equipariam a Aviação Naval da Marinha do Brasil. O Boeing Model 256 destacava-se por sua elevada manobrabilidade, boa velocidade e versatilidade operacional, além da capacidade de empregar uma variada gama de armamentos, incluindo metralhadoras Colt-Browning calibre .30 e bombas de até 52 kg, representando um avanço expressivo em relação às aeronaves então em serviço no país. A urgência imposta pelo andamento da Revolução Constitucionalista exigia que as entregas ocorressem no menor prazo possível. Para atender a essa demanda, a Boeing concordou em fornecer as 14 aeronaves a partir de um lote já em produção para a Marinha dos Estados Unidos, que se encontrava em fase final de montagem. Essa solução implicou na realização de adaptações específicas para adequar as aeronaves às necessidades brasileiras. Entre essas destacaram-se a remoção do gancho de parada, empregado em pousos embarcados, a eliminação do equipamento de flutuação, desnecessário para operações terrestres, e a substituição do sistema de rádio militar em UHF por equipamentos compatíveis com os padrões de comunicação utilizados no Brasil. Apesar dos esforços do fabricante para cumprir o cronograma acordado, desafios logísticos e a própria complexidade das adaptações impactaram os prazos de entrega. As 14 aeronaves foram finalmente entregues entre 14 de setembro e 8 de outubro de 1932, período que coincidiu com os momentos finais do conflito. A rendição das forças paulistas, em 2 de outubro de 1932, fez com que os caças chegassem tardiamente para uma participação efetiva nas operações militares, limitando seu impacto imediato no esforço de guerra. Na ocasião, as seis células destinadas à Aviação Naval chegaram ao Brasil desmontadas, sendo desembarcadas no porto do Rio de Janeiro a bordo de um navio mercante. Seus componentes, cuidadosamente acondicionados em caixotes, foram então transportados por via terrestre até o Centro da Aviação Naval do Rio de Janeiro (CAvN-RJ), onde seriam posteriormente montados e submetidos a ensaios técnicos e voos de prova, sob a supervisão de técnicos designados pelo fabricante.

Após o término das hostilidades , em outubro de 1932, a Aviação Naval entrou em um processo de plena reorganização, visando alinhar-se às necessidades estratégicas do Brasil. Curiosamente, as seis células do Boeing Model 256 destinadas à Marinha do Brasil, entregues entre setembro e outubro de 1932, não foram imediatamente montadas. Em vez disso, foram armazenadas, enquanto o foco da Marinha se concentrava em reformas organizacionais. Esse processo culminou, em 10 de novembro de 1932, com a criação da 1ª Divisão de Combate (1ª DC), uma unidade subordinada à Defesa Aérea do Litoral, destinada a operar os novos caças e fortalecer a capacidade de resposta aérea da Marinha. Com a criação da 1ª Divisão de Combate, foi determinada a distribuição das seis aeronaves Boeing Model 256 para essa unidade. As células, versões de exportação do Boeing F4B-4, haviam sido adaptadas na linha de produção para atender às especificidades brasileiras, com a remoção do gancho de parada, do equipamento de flutuação e do sistema de rádio UHF militar, substituído por um padrão compatível com as comunicações locais. A alocação das aeronaves foi acompanhada pela designação de pessoal para preencher os quadros operacionais, incluindo pilotos, mecânicos e equipes de apoio, marcando o início da integração dos caças na estrutura da Aviação Naval. Paralelamente, ainda em 1932, a Marinha formou uma esquadrilha de demonstração aérea equipada com três Boeing Model 256. Essa unidade, composta por oficiais experientes — Capitão-de-Corveta Djalma Fontes Cordovil Petit, Capitão-Tenente Lauro Oriano Menescal e Capitão-Tenente José Kahl Filho —, foi criada com o objetivo de exibir as capacidades das novas aeronaves e promover o prestígio da Aviação Naval. Após um período de treinamento intensivo, a esquadrilha realizou suas primeiras apresentações públicas no Rio de Janeiro, então capital federal, cativando o público com a precisão de suas manobras acrobáticas. Essas demonstrações não apenas elevaram a moral das tropas, mas também reforçaram a imagem de modernidade do governo Vargas em um momento de reconstrução nacional. A esquadrilha de demonstração rapidamente se destacou no cenário nacional e internacional. Em janeiro de 1933, foi convidada a participar da cerimônia de inauguração do Aeroporto Internacional de Montevidéu, no Uruguai, um evento que simbolizou a cooperação regional e a projeção do Brasil como uma potência emergente na América do Sul. Entre agosto e outubro de 1933, a esquadrilha acompanhou o presidente Getúlio Vargas em uma viagem às capitais do norte do Brasil, demonstrando a capacidade da Aviação Naval de operar em longas distâncias e reforçando a presença do governo federal em regiões distantes. Um dos momentos mais marcantes ocorreu em 5 de outubro de 1933, quando a esquadrilha escoltou o dirigível alemão Graf Zeppelin durante sua primeira visita ao Brasil, no Rio de Janeiro. Esse evento, amplamente coberto pela imprensa, simbolizou a integração do Brasil ao cenário aeronáutico global, destacando a modernidade dos Boeing Model 256 e a habilidade de seus pilotos. As apresentações da esquadrilha não apenas promoveram a Aviação Naval, mas também inspiraram um senso de orgulho nacional em um período de desafios políticos e econômicos. A 1ª Divisão de Combate, sediada no Rio de Janeiro, desempenhou, ao longo da primeira metade da década de 1930, um papel relevante não apenas na consolidação da Aviação Naval brasileira, mas também na construção de sua doutrina operacional.
Periodicamente, a unidade era deslocada para participar de eventos de interesse nacional, como cerimônias oficiais, demonstrações públicas e apresentações institucionais, ocasiões que serviam tanto para afirmar a presença da aviação militar junto à sociedade quanto para exercitar procedimentos de emprego real das aeronaves. Essas missões contribuíram de forma significativa para o amadurecimento tático da unidade, que buscava desenvolver técnicas de combate aéreo, padronizar rotinas operacionais e afirmar-se como uma força efetiva de emprego militar. No cotidiano operacional, os pilotos navais mantinham um regime regular de treinamento, com ênfase em manobras acrobáticas, exercícios de tiro e simulações de combate aéreo. Essas atividades não apenas aprimoravam as habilidades individuais dos aviadores, como também fortaleciam a coesão da unidade e sua prontidão para eventuais conflitos. Curiosamente, apesar desse intenso ritmo de adestramento, não há registros oficiais da participação dos Boeing Model 256 em exercícios de grande escala conduzidos pela esquadra naval entre 1933 e 1936, período em que a Aviação Naval esteve envolvida em diversas operações conjuntas com outros tipos de aeronaves. Ainda assim, o treinamento não se limitava a rotinas formais. Tornaram-se frequentes as sessões improvisadas de combate aéreo entre os Boeing Model 256 da Aviação Naval e os Boeing P-12 da Aviação Militar do Exército, realizadas em um clima de saudável rivalidade entre as duas forças. Esses encontros seguiam um protocolo tão peculiar quanto simbólico: quando o desafio partia dos pilotos do Exército, o convite era formalizado pelo lançamento de um peixe podre, cuidadosamente embalado, no pátio do Centro de Aviação Naval, no Rio de Janeiro. Quando, por sua vez, a provocação partia dos aviadores navais, o gesto era retribuído com o arremesso de uma bota velha sobre o Campo dos Afonsos, tradicional base da Aviação Militar. Esses desafios irreverentes culminavam em combates aéreos simulados (dogfights), geralmente breves, porém intensos, travados sobre os aeródromos das unidades envolvidas. Os confrontos eram encerrados apenas quando o nível de combustível impunha o retorno às respectivas bases, constituindo, apesar de sua informalidade, uma valiosa oportunidade de treinamento prático em técnicas de combate aéreo e avaliação comparativa de desempenho entre aeronaves e tripulações. No âmbito administrativo e técnico, as aeronaves, conhecidas informalmente entre pilotos e mecânicos como Boeing 100 E ou simplesmente Boeing, receberam na Marinha do Brasil a designação oficial C1B. Nessa nomenclatura, a letra “C” indicava sua função de caça, a letra “B” fazia referência ao fabricante, Boeing, e o numeral “1” identificava tratar-se do primeiro modelo de caça desse fabricante adotado pela Aviação Naval. As aeronaves receberam matrículas compreendidas entre C1B-33 e C1B-38, ostentando nos flancos da fuselagem os códigos 1-C-1 a 1-C-6. Posteriormente, duas unidades adicionais passaram a ser identificadas pelos códigos 1-C-19 e 1-C-20, ampliando temporariamente o inventário da unidade. Ao final de 1934, com seu efetivo reduzido a cinco caças Boeing Model 256, em decorrência da perda de uma aeronave em abril daquele ano, a 1ª Divisão de Combate (1ª DC) foi destacada para a Base Naval de Ladário, localizada no então estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. Esse deslocamento ocorreu no contexto da Guerra do Chaco (1932–1935), conflito armado entre Paraguai e Bolívia, e teve caráter preventivo, motivado por um incidente diplomático-militar no qual um navio mercante brasileiro fora alvejado por engano por forças bolivianas.

Durante essa missão, os Boeing Model 256 C1B, operando em conjunto com aeronaves Vought V-66B, realizaram voos de vigilância e patrulhamento aéreo na região fronteiriça, contribuindo para a proteção dos interesses brasileiros e para o monitoramento da situação estratégica no interior do continente. A operação estendeu-se por aproximadamente três semanas, sendo encerrada em 22 de novembro de 1934, após o retorno das aeronaves e tripulações às suas bases de origem. No início de 1935, a frota esta se encontrava reduzida a quatro aviões, apesar do pronunciado crescimento visto em 1933, a falta de recursos financeiros prejudicava imensamente a aquisição de peças sobressalentes, o que, por sua vez acarretava baixos índices de disponibilidade entre os diversos tipos de aeronaves então empregados pela Aviação Naval. O considerável desgaste resultante da constante utilização se fez perceber com a 1º Divisão de Combate (1º DC), passando a contar somente com duas aeronaves em operação, visto que os demais estavam sempre em revisão. A fim de obter melhor rendimento de seus aviões de patrulha, observação e caça, em 1 de novembro de 1935, seria criado o 1º Grupo Misto de Combate, Observação e Patrulha (1º GMCOP), passando a receber três caças Boeing Model 256 C1B, que vieram a constituir 3 º Seção daquela unidade. Apesar desta mudança, as aeronaves continuariam a sofrer com problemas na obtenção de peças de reposição, resultando na disponibilidade de apenas uma aeronave durante o transcorrer de 1936. No ano seguinte este cenário seria melhorado com o regresso a ativa de uma célula que havia sofrido uma revisão geral nas Oficinas Gerais da Aviação Naval (OGAN). Mas na verdade é que havia ficado claro que vida útil destes caças rapidamente terminara, apesar dos esforços do pessoal do 1º GMCOP e das OGAN para mantê-los em condição de voo. Quando da criação do Ministério da Aeronáutica (MAer) em 20 de janeiro de 1941, estas aeronaves seriam transferidas, juntamente com os Boeing Model 267 P-12 à Força Aérea Brasileira, passando a ser concentradas no 5º Regimento de Aviação (5º RAv), sediado na Base Aérea Do Bacacheri em Curitiba – PR. Neste momento a ideia inicial era o de fazer uso das células do Boeing Model 256, como fonte de peças de reposição para as aeronaves ativas oriundas da Aviação Militar do Exército Brasileiro. Neste momento, a única célula ainda disponível em condições de voo do Boeing Model 256, passou a ser utilizado como avião pessoal do 1º Regimento de Aviação (5º RAv), lançou mão de uma destas células para empregá-la como seu meio de transporte pessoal para os quase diários voos de ligação entre o Campo dos Afonsos e o Aeroporto Santos Dumont. O final da guerra não determinou o encerramento da carreira dos Boeing Model 256 e Model 267, sendo que estes caças biplanos continuaram operando no Campo de Bacacheri, com ritmo bem inferior aquele observado nos anos que antecediam ao conflito. Essa queda na atividade, se devia as dificuldades de se manter as aeronaves em voo, já que o fabricante suspendera a produção do modelo em meados da década passada, levando a interrupção no fluxo de peças de reposição. Teimosamente as aeronaves remanescentes se mantiveram em operação até pelo menos o ano de 1947. Em 1949 pelo menos cinco ou seis células ainda constavam na carga da Força Aérea Brasileira, sendo descarregados e empregados como complemento no aterro das obras de prolongamento da pista da base aérea do Campo de Bacacheri, encerrando assim sua carreira no Brasil. Somente permaneceria em operação o P-12 "FAB 4000" que estava alocado no Parque de Aeronáutica dos Afonsos (PqAerAF), se mantendo em uso como aeronave orgânica da unidade, até outubro de 1951.
Em Escala.
Para representarmos o Boeing Model 256 F4B-4 matrícula “1-C-1" da Aviação Naval da Marinha do Brasil, fizemos uso do kit da Classic Airframes na escala 1/48 (única opção existente nesta escala). A montagem do kit foi facilitada pelo design bem projetado, com encaixes precisos que minimizaram a necessidade de ajustes extensivos, bastando apenas retirar o ganho de parada. Para representar a matrícula “1-C-1” da Aviação Naval brasileira, foram utilizados decais do conjunto 48/07B da FCM Decais, projetado especificamente para veículos e aeronaves militares brasileiros.

O esquema de cores (FS) descrito abaixo representa o primeiro padrão de pintura empregados nas aeronaves Boeing Model 256 F4B-4 da Aviação Naval da Marinha do Brasil. Esquema este que foi alterado a partir de 10 de junho de 1940, com a adoção de cores diferentes na carenagem dos motores para a identificação das Flotilhas. Este padrão seria novamente alterado a partir de fins do ano 1941 após sua transferência para a Força Aérea Brasileira.
Bibliografia :
- Boeing P-12 - Wikipédia - http://en.wikipedia.org/wiki/Boeing_P-12
- Os Boeing 256 e 267 no Brasil, por Aparecido Camazano Alamino - Revista Asas Nº 54
- Asas Sobre os Mares - Aviação Naval - Prof Rudnei D. Cunha - https://asassobreosmares.rudnei.cunha.nom.br/
- Aeronaves Militares Brasileiras 1916 – 2015 – Jackson Flores




