História e Desenvolvimento.
A Segunda Guerra Mundial representou um divisor de águas na história do combate terrestre, ao introduzir um novo paradigma operacional pautado pela alta mobilidade das forças de infantaria e pela integração efetiva entre diferentes armas do Exército. Essa transformação impôs uma profunda revisão doutrinária às forças armadas de todo o mundo, exigindo delas a adaptação a uma filosofia de guerra dinâmica e mecanizada. O principal agente dessa revolução tática foi o Exército Alemão (Wehrmacht), que, por meio da estratégia Blitzkrieg (“guerra-relâmpago”), demonstrou o poder devastador da combinação entre velocidade, surpresa e concentração de força. Essa doutrina inovadora uniu, de forma coordenada, tanques, infantaria motorizada, artilharia móvel e apoio aéreo tático, redefinindo os conceitos de ofensiva mecanizada e de guerra de movimento. Para sustentar essa mobilidade sem sacrificar o poder de fogo, os alemães investiram fortemente no desenvolvimento de veículos de artilharia autopropulsada, que permitiam acompanhar as colunas blindadas em avanço. Modelos notáveis dessa categoria incluíam o Hanomag Sd.Kfz. 165 Hummel, armado com um obuseiro de 150 mm; o imponente Sturmtiger 606/4, equipado com um canhão de 380 mm; e os versáteis Sturmgeschütz III (StuG III), amplamente utilizados tanto em funções de apoio direto quanto como caça tanques. Observando o impacto dessas inovações nos campos de batalha europeus, o Exército dos Estados Unidos (US Army) reconheceu a necessidade estratégica de incorporar à sua própria doutrina veículos de artilharia autopropulsada capazes de prover apoio contínuo às forças blindadas. Os primeiros experimentos bem-sucedidos foram conduzidos com plataformas adaptadas de veículos meia-lagarta M-3 Half Track, culminando no desenvolvimento do T-19 Howitzer Motor Carriage, armado com um canhão de 105 mm. O sucesso obtido com esses protótipos levou, em fevereiro de 1942, à introdução do M-7 Priest, o primeiro obuseiro autopropulsado totalmente blindado do arsenal norte-americano. Montado inicialmente sobre o chassi do tanque médio M-3 Lee — e, posteriormente, sobre o do M-4 Sherman —, o M-7 destacou-se por sua robustez, confiabilidade mecânica e facilidade de manutenção em campanha. Seu batismo de fogo ocorreu durante a Segunda Batalha de El Alamein (23 de outubro a 11 de novembro de 1942), onde comprovou sua eficácia no apoio às forças aliadas. Entre 1942 e 1945, foram produzidas 4.315 unidades do M-7 Priest, que serviram amplamente em todas as frentes do conflito, consolidando-se como um dos principais vetores de fogo indireto da Segunda Guerra Mundial. Após o término do conflito, o modelo continuou em serviço ativo, desempenhando papel relevante durante a Guerra da Coreia (1950–1953), ao lado do M-37 Howitzer Motor Carriage. Apesar de sua comprovada eficiência, as operações na península coreana revelaram uma limitação tática importante: a elevação máxima de 35° do canhão, que restringia o engajamento de alvos em posições elevadas, especialmente em terrenos montanhosos. Essa deficiência operacional evidenciou a necessidade de desenvolver uma nova geração de obuseiros autopropulsados, dotados de maior ângulo de tiro, proteção aprimorada e alcance estendido.
Diante do novo cenário estratégico do pós-guerra, o Exército dos Estados Unidos (US Army) iniciou, no início da década de 1950, um ambicioso programa de modernização de sua artilharia autopropulsada, com o objetivo de desenvolver veículos capazes de combinar mobilidade estratégica, elevado poder de fogo e proteção NBC (nuclear, biológica e química). Essa iniciativa marcou o início de uma nova era na concepção de sistemas de artilharia móvel, ajustados às exigências tecnológicas e operacionais impostas pela Guerra Fria. A experiência adquirida durante a Guerra da Coreia (1950–1953) expôs limitações significativas nos obuseiros autopropulsados então em serviço, como o M-7 Priest e o M-52, sobretudo em terrenos montanhosos. A elevação restrita dos canhões dificultava o engajamento de alvos em posições elevadas, reduzindo a eficácia tática e a flexibilidade operacional dessas plataformas. Com base nessas lições de combate, o Exército dos Estados Unidos buscou desenvolver uma nova geração de veículos de artilharia autopropulsada que atendesse plenamente às necessidades do campo de batalha moderno. Em 1953, foi introduzido o M-52, construído sobre o chassi do tanque leve M-41 Walker Bulldog. Apesar dos avanços obtidos — como a ampliação do arco de elevação do canhão, de +65° a -10°, o modelo apresentou diversos problemas técnicos e limitações estruturais, levando ao encerramento de sua produção em curto prazo. Em resposta, o Exército dos Estados Unidos (US Arny) lançou, em 1959, um novo programa competitivo para o desenvolvimento de um sistema de artilharia padronizado, delegando a responsabilidade de projeto à Cadillac Motor Car Division, da General Motors, em cooperação com o Detroit Arsenal Tank Plant. O programa previa a criação de duas versões de obuseiros autopropulsados, ambas baseadas em um mesmo chassi modular: um de 105 mm, designado M-108 (durante o desenvolvimento, T-195); e outro de 155 mm, que resultaria no consagrado M-109. Essa abordagem buscava reduzir custos logísticos e de manutenção, além de facilitar o treinamento das tripulações por meio da padronização de componentes mecânicos e estruturais. Em 1960, o primeiro mock-up do T-195 foi apresentado, seguido pela construção de cinco protótipos submetidos a extensos testes no segundo semestre do mesmo ano. As avaliações, conduzidas pelo Aberdeen Proving Ground, resultaram em uma série de aprimoramentos técnicos que culminaram na versão final adotada oficialmente em 1963 sob a designação M-108 Self-Propelled Howitzer (SPH). O M-108 incorporava um conjunto equilibrado de mobilidade, proteção e poder de fogo, apresentando as seguintes características principais: Armamento: equipado com um obuseiro M-103 de 105 mm, capaz de empregar uma ampla gama de munições, incluindo alto explosivo (HE), fumígena e anticarro, compatíveis com o padrão da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O alcance máximo era de aproximadamente 11,5 km, podendo ser ampliado com o uso de munições assistidas por foguete. Blindagem: a torre totalmente fechada era construída em liga de alumínio, reduzindo o peso sem comprometer a proteção contra estilhaços e fogo de armas leves. Embora não projetada para resistir a impactos diretos de artilharia pesada, a blindagem assegurava adequada sobrevivência da tripulação em combate.

Chassi: compartilhava integralmente a base mecânica do M-109, incluindo o sistema de suspensão por barras de torção e esteiras largas, otimizadas para operação em terrenos diversos e condições climáticas adversas. Tripulação: composta por cinco militares — comandante, artilheiro, carregador, motorista e operador de rádio —, garantindo eficiência e coordenação durante o disparo e a movimentação. Propulsão: movido por um motor Detroit Diesel 8V-71T de oito cilindros, dois tempos, turboalimentado e refrigerado a líquido, com 405 hp, o M-108 podia atingir velocidade máxima de 56 km/h e autonomia aproximada de 350 km, assegurando mobilidade compatível com as unidades mecanizadas de manobra. Após a implementação das modificações técnicas recomendadas durante a fase de testes, o Exército dos Estados Unidos (U.S. Army) firmou, em 1962, o primeiro contrato de aquisição do obuseiro autopropulsado M-108 Howitzer, designando a Pacific Car and Foundry Company como principal responsável pela produção em série. A fabricação teve início ainda naquele ano, e, a partir de abril de 1963, as primeiras unidades começaram a ser entregues às unidades de artilharia de campanha do Exército norte-americano, marcando o início de sua incorporação operacional. O M-108 foi concebido para integrar uma nova geração de sistemas de artilharia autopropulsada de curto alcance, destinada a substituir progressivamente os modelos rebocados e as plataformas obsoletas em serviço desde a Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo primordial era reforçar a capacidade de apoio tático das forças terrestres, oferecendo rapidez de resposta, flexibilidade operacional e proteção superior às tripulações. O veículo apresentava como característica principal um canhão de 105 mm M-103, montado em uma torre com rotação de 360°, proporcionando ampla liberdade de engajamento em qualquer direção — uma vantagem decisiva sobre os sistemas rebocados convencionais, que dependiam de reposicionamento físico para mudança de setor de tiro. O canhão possuía ângulos de elevação variando entre +75° e -6°, o que permitia ao obuseiro atingir alvos localizados tanto em terrenos elevados quanto em depressões topográficas, ampliando sua versatilidade em campo. A tripulação padrão do M-108 era composta por cinco militares: comandante, artilheiro, carregador, motorista e operador de rádio. A interação entre esses membros era fundamental para o desempenho eficiente da peça, que exigia coordenação precisa em tarefas como cálculo balístico, apontamento, carregamento e comunicação com os postos de comando e observadores avançados. O treinamento das equipes que operavam o M-108 era extenso e tecnicamente exigente. Os artilheiros deveriam dominar conhecimentos de balística, trigonometria aplicada, operação de sistemas hidráulicos e manutenção mecânica, além de compreender os protocolos de comunicação e comando tático das formações de artilharia. Durante o adestramento, as tripulações realizavam exercícios simulados de combate, reproduzindo situações de pressão e contingência — como ataques surpresa, falhas de comunicação e operações em terrenos irregulares — a fim de aprimorar a prontidão operacional e a resiliência sob fogo inimigo.
O resultado desse rigoroso processo de formação e da padronização dos sistemas mecânicos e de tiro foi um veículo altamente confiável, dotado de notável mobilidade e poder de fogo, capaz de acompanhar as forças blindadas e mecanizadas em deslocamentos rápidos. O M-108 representou, assim, um marco evolutivo na doutrina de artilharia autopropulsada norte-americana, estabelecendo as bases técnicas e operacionais que seriam consolidadas posteriormente pelo seu sucessor, o M-109 de 155 mm, amplamente utilizado durante as décadas subsequentes da Guerra Fria. O obuseiro autopropulsado M-108 teve sua estreia operacional durante a Guerra do Vietnã, sendo implantado oficialmente em 1965. A introdução do sistema no teatro de operações do Sudeste Asiático exigiu um processo gradual de adaptação das tripulações, que passaram por intenso treinamento voltado à adequação das táticas de emprego, manutenção e logística às condições ambientais e operacionais adversas do Vietnã.As particularidades do terreno caracterizado por florestas densas, relevo acidentado e clima tropical úmido impuseram desafios significativos à mobilidade e à conservação dos equipamentos. Assim, o Exército dos Estados Unidos (U.S. Army) promoveu ajustes doutrinários e logísticos, otimizando a atuação dos M-108 em apoio direto às forças de manobra em operações de contrainsurgência e combate convencional. Em 17 de junho de 1966, unidades equipadas com o M-108, pertencentes ao 6º Regimento de Artilharia de Campo (6th Field Artillery Regiment), foram posicionadas em Pleiku, na região central do Vietnã, com a missão de prover apoio de fogo indireto às tropas norte-americanas engajadas em operações contra forças do Exército do Vietnã do Norte (NVA) e do Vietcong (VC). O desempenho satisfatório do sistema nesse cenário levou à sua rápida expansão operacional. Posteriormente, o M-108 foi incorporado às unidades do 1º e 40º Regimentos de Artilharia de Campo, subordinados ao U.S. Marine Corps, que operavam a partir da base de Đông Hà, próxima à Zona Desmilitarizada (DMZ). Nessas operações, o M-108 foi amplamente empregado em missões de apoio de fogo indireto, defesa de perímetros e contra-bateria, enfrentando bombardeios intensos e condições logísticas severas. Nessa localidade, o obuseiro participou de combates reais, prestando apoio de fogo contínuo às forças terrestres sob intensa pressão inimiga, consolidando-se como um elemento essencial de sustentação tática nas operações do setor. A mobilidade elevada do M-108, aliada à capacidade de rotação integral de 360° de sua torre, conferia-lhe notável agilidade de resposta e flexibilidade de engajamento, vantagens que se mostraram particularmente relevantes em situações de combate assimétrico e em posições de defesa sujeitas a ataques provenientes de múltiplas direções. Essa versatilidade, somada à facilidade de deslocamento e ao rápido reposicionamento em campo, representou um avanço substancial em relação à artilharia rebocada convencional, cuja limitação estrutural frequentemente comprometia a rapidez de reação sob fogo inimigo. O obuseiro autopropulsado M-108, equipado com um canhão de 105 mm, destacava-se pela sua capacidade de operar com elevações que variavam de +75º a -6º, permitindo atingir alvos em diferentes níveis de terreno com notável precisão.
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Este veículo demonstrou ser particularmente eficaz em missões de apoio próximo, desempenhando um papel crucial na supressão de posições inimigas e na proteção de avanços das tropas aliadas. Frequentemente empregado em bases de fogo fortificadas, o obuseiro oferecia suporte de artilharia indispensável às unidades em operações de campo, reforçando sua relevância tática. Contudo, à medida que o conflito avançava, tornou-se evidente que o calibre de 105 mm limitava a eficácia do M-108 em operações de apoio de fogo de longo alcance e destruição de fortificações, exigindo o emprego complementar do M-109. Assim, em 1969, iniciou-se um processo gradual de substituição do M-108 nas unidades de artilharia de campanha pelo M-109 de 155 mm, dotado de maior alcance e capacidade de carga explosiva. Adicionalmente, a blindagem leve do veículo o tornava vulnerável a ataques diretos, especialmente em combates de curta distância, o que restringia seu uso às linhas de retaguarda. Assim, a partir de meados de 1976, os batalhões de artilharia equipados com o M-108 foram gradualmente retirados do Vietnã. Na segunda metade da década de 1960, teve início um processo gradual de reorganização das unidades de artilharia autopropulsada, no qual os obuseiros M-108 foram progressivamente transferidos dos Regimentos de Artilharia de Campo (Field Artillery Regiments) ativos para as unidades da Guarda Nacional (National Guard). Essa redistribuição refletia a adoção, pelo Exército dos Estados Unidos (U.S. Army), de uma política de padronização dos meios de artilharia, priorizando o emprego do M-109 de 155 mm, que oferecia maior alcance e poder destrutivo. Em instalações de treinamento como Camp Atterbury, no estado de Indiana, e Fort Sill, em Oklahoma este último considerado o principal centro de doutrina e instrução de artilharia do Exército norte-americano , os M-108 foram amplamente empregados em exercícios de formação e capacitação técnica. Nessas atividades, os artilheiros da Guarda Nacional puderam aperfeiçoar-se no manuseio de sistemas autopropulsados, abrangendo desde a operação do canhão e a execução de cálculos balísticos até a manutenção preventiva e corretiva dos veículos, além da coordenação tática de fogo em conjunto com unidades mecanizadas. Apesar de o M-108 compartilhar uma série de componentes estruturais e mecânicos com o M-109, o modelo apresentou desafios de manutenção específicos, sobretudo para as unidades da Guarda Nacional, que frequentemente dispunham de recursos logísticos e técnicos mais restritos do que as formações regulares. Esse fator, aliado à padronização doutrinária e operacional em torno do M-109, reduziu progressivamente o interesse na utilização prolongada do M-108 dentro das forças norte-americanas. Com o avanço do processo de modernização, diversos M-108 considerados excedentes e não submetidos a programas de atualização foram revisados, recondicionados e posteriormente armazenados. No contexto da política externa norte-americana da Guerra Fria marcada pela concessão de equipamentos militares a países aliados —, parte desses obuseiros foi cedida ou vendida a nações parceiras no âmbito de acordos bilaterais de defesa e programas de assistência militar. Entre os principais beneficiários figuraram Bélgica, Brasil, Espanha, República da China (Taiwan), Turquia e Tunísia, todos integrantes do bloco ocidental ou de alianças estratégicas sob influência dos Estados Unidos. A produção do M-108 Howitzer foi oficialmente encerrada em setembro de 1963, totalizando aproximadamente 950 unidades fabricadas, além de 230 veículos da variante M-992, destinada ao transporte e reabastecimento de munição.
Emprego no Exército Brasileiro.
As origens da Artilharia Brasileira remontam ao período colonial, quando as primeiras mobilizações de combatentes locais ocorreram em conflitos decisivos, como as Batalhas dos Guararapes (1648–1649), amplamente reconhecidas como o marco fundador do Exército Brasileiro. Embora a artilharia ainda não se apresentasse como um ramo estruturado, seu emprego rudimentar já evidenciava a importância do fogo indireto no campo de batalha, especialmente na defesa de posições estratégicas e fortificações. Com a Independência do Brasil, em 1822, a Artilharia de Campanha passou a constituir-se de forma institucionalizada, integrando o recém-organizado Exército Imperial. Durante o Período do Império (1822–1889), a Arma de Artilharia consolidou-se como uma das mais prestigiadas da Força Terrestre. Seu corpo de oficiais era formado por profissionais altamente qualificados, oriundos da Academia Militar do Império, onde o curso de artilharia exigia longa e rigorosa formação técnica e científica superior à demandada pelas armas de Infantaria e Cavalaria. Um dos marcos mais expressivos da artilharia imperial ocorreu durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864–1870), quando o Brasil, aliado à Argentina e ao Uruguai, enfrentou o Paraguai. Nesse conflito, destacou-se o Marechal Emílio Luís Mallet, Patrono da Arma de Artilharia, cuja liderança e competência tática foram decisivas. À frente de suas baterias na Batalha de Tuiuti (1866) — a maior batalha campal da história da América do Sul , Mallet comandou a célebre “Artilharia Revólver”, assim apelidada pela cadência e precisão de seus tiros. O engenhoso emprego de um fosso protetor para as peças de artilharia conferiu às tropas brasileiras uma vantagem defensiva sem precedentes, eternizando o brado “Eles que venham! Por aqui não passam!”. Mallet, nascido em França em 1801 e naturalizado brasileiro, construiu uma trajetória exemplar. Foi promovido a brigadeiro por mérito durante a guerra, agraciado com o título de Barão de Itapevi em 1878 e ascendeu ao posto de marechal em 1885, tornando-se um símbolo do profissionalismo e da bravura dos artilheiros brasileiros. Durante o século XIX, a artilharia de campanha era essencialmente composta por canhões e obuseiros de calibres médios, transportados por tração animal a chamada “artilharia montada”. Sua missão principal consistia em acompanhar a infantaria e fornecer apoio de fogo direto ou indireto, neutralizando posições inimigas e desorganizando formações adversárias. Com a Proclamação da República (1889), o Exército Brasileiro passou por uma profunda reorganização administrativa e doutrinária, influenciada pelos modelos europeus, especialmente o francês e o alemão. Nesse contexto, a Artilharia manteve sua relevância, ainda que enfrentando limitações tecnológicas, já que, até as primeiras décadas do século XX, o país operava predominantemente canhões Krupp de 75 mm, de tração animal, que permaneceram em serviço até o limiar da Segunda Guerra Mundial. Durante o conflito global (1942–1945), a Artilharia Divisionária da Força Expedicionária Brasileira (FEB) sob o comando do General Cordeiro de Farias teve papel de destaque na Campanha da Itália. Empregando técnicas modernas de tiro indireto e coordenação com observadores avançados, os artilheiros brasileiros demonstraram elevada precisão e disciplina de fogo. Suas ações foram decisivas nas vitórias de Monte Castelo (1945) e Montese, recebendo elogios do Marechal Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, que reconheceu que os artilheiros “elevaram bem alto as nobres tradições da Artilharia de Mallet”.
O desempenho da Artilharia Brasileira foi amplamente reconhecido pelos Aliados. O General Mark Clark, comandante do V Exército dos Estados Unidos, destacou a eficiência, a coragem e a precisão dos fogos de artilharia brasileiros, que contribuíram para o sucesso das operações conjuntas. Paralelamente, unidades de artilharia de costa e antiaérea desempenharam papel fundamental na defesa do Arquipélago de Fernando de Noronha (1942–1945), estabelecendo um dispositivo defensivo eficaz para proteger o Atlântico Sul de possíveis incursões navais ou aéreas inimigas. No contexto geopolítico da Guerra Fria, caracterizado pela polarização ideológica e pelo avanço tecnológico das potências militares, o Brasil buscou modernizar suas Forças Armadas por meio de acordos de cooperação com os Estados Unidos. Um marco fundamental nesse processo foi o Acordo de Assistência Militar Brasil–Estados Unidos, firmado em 1952, complementado posteriormente pelo Military Assistance Program (MAP), instrumento que visava fortalecer as capacidades defensivas de nações aliadas no hemisfério ocidental. A partir de agosto de 1960, o Exército Brasileiro passou a ser contemplado com um expressivo volume de equipamentos militares de origem norte-americana, abrangendo carros de combate, viaturas blindadas de transporte de tropas, obuseiros autopropulsados e caminhões logísticos de diversos modelos. Essa iniciativa, implementada de forma progressiva ao longo da década de 1960, representou um salto qualitativo na modernização da Força Terrestre, reforçando sua capacidade operacional e assegurando um patamar de prontidão compatível com os desafios estratégicos da época. No âmbito desse programa de cooperação, o Brasil foi beneficiado, em 1970, com a cessão de 72 obuseiros autopropulsados M-108 Howitzer, provenientes dos estoques do Exército dos Estados Unidos (US Army). A operação foi conduzida com rigor técnico e administrativo, refletindo a importância estratégica atribuída ao projeto. Para garantir a qualidade e a confiabilidade do material a ser incorporado, foi designada uma comissão de oficiais brasileiros encarregada de deslocar-se aos Estados Unidos, com a missão de selecionar, junto à reserva técnica da Guarda Nacional (National Guard), as viaturas que se encontravam em melhores condições de conservação. As inspeções realizadas pela comissão constataram que os M-108 disponíveis fabricados entre 1963 e 1964 apresentavam baixo índice de desgaste operacional, uma vez que haviam permanecido em serviço ativo por um período relativamente curto, de quatro a cinco anos, antes de serem substituídos pelos mais modernos M-109, de calibre 155 mm, nas unidades de artilharia de campo do Exército norte-americano. Após sua substituição, os M-108 foram cuidadosamente armazenados, o que preservou suas condições técnicas e estruturais, tornando-os plenamente aptos para a reutilização por forças aliadas. O pacote de cessão incluía, além das viaturas, um substancial volume de munições do tipo HE (High Explosive), modelo M1 e equivalentes, adequadas às missões de apoio de fogo indireto típicas da artilharia de campanha. Também foram fornecidos kits de flutuação, que ampliavam a capacidade anfíbia das viaturas, permitindo-lhes transpor cursos d’água e operar em ambientes de terreno alagadiço — característica particularmente útil no teatro operacional brasileiro. O acordo contemplava ainda um estoque de peças de reposição, assegurando a manutenção autônoma dos sistemas e a continuidade de suas operações em médio prazo.
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Antes de serem embarcadas para o Brasil, as viaturas selecionadas passaram por um processo completo de revisão e recondicionamento mecânico, conduzido por empresas contratadas pelo governo norte-americano. Esse procedimento tinha como objetivo restabelecer integralmente os padrões de desempenho originais do equipamento, garantindo que as unidades chegassem ao Brasil em perfeito estado de funcionamento. As primeiras entregas foram realizadas no início de 1972, ocasião em que o Exército Brasileiro oficializou sua designação como Viatura Blindada de Combate Obuseiro Autopropulsado (VBCOAP) M-108. Por se tratar de um sistema de armas inédito até então no país, sua introdução exigiu uma reorganização estrutural e doutrinária no seio da Artilharia Divisionária, incluindo a criação de novas tabelas de organização, fluxos logísticos e programas de formação específicos. A incorporação do M-108 representou, portanto, um marco na evolução da artilharia brasileira, inserindo o Exército no seleto grupo de forças armadas dotadas de artilharia autopropulsada moderna. O sistema simbolizava não apenas o avanço tecnológico do Exército, mas também a consolidação de uma nova doutrina de emprego de fogo móvel e de alta prontidão, alinhada às exigências táticas e estratégicas do ambiente militar contemporâneo. Em dezembro de 1971, o Exército Brasileiro iniciou um dos mais significativos processos de modernização de sua Artilharia de Campanha no período pós-Segunda Guerra Mundial, com a criação de quatro Grupamentos de Artilharia de Campanha Autopropulsados (GAC Ap). Essa reestruturação representou a transição definitiva de um sistema de artilharia predominantemente rebocado para um modelo de operação baseado em viaturas autopropulsadas blindadas, compatíveis com as exigências de mobilidade e prontidão impostas pela doutrina militar contemporânea. O novo material, prestes a ser incorporado, recebeu oficialmente a designação de Viatura Blindada de Combate Obuseiro Autopropulsado (VBCOAP) M-108, em consonância com a nomenclatura padronizada para os sistemas de armas do Exército. Coube à Diretoria de Material do Exército (DMat) a elaboração e a difusão do documento doutrinário “Manual de Campanha Artilharia – Obus 105 mm M-108, Autopropulsado”, que regulamentava os procedimentos operacionais, técnicos e logísticos relacionados ao novo equipamento. A introdução operacional do M-108 no Brasil ocorreu de forma gradual. Em abril de 1972, o 5º Grupamento de Artilharia de Campanha Autopropulsado (5º GAC Ap), sediado em Curitiba (PR), tornou-se a primeira unidade a receber as viaturas. No mês seguinte, em maio de 1972, o 3º GAC Ap, localizado em Cachoeira do Sul (RS), passou igualmente a operar o novo sistema. Já no início de 1973, o 6º GAC Ap, com sede no Rio de Janeiro (RJ), e o 16º GAC Ap, sediado em São Leopoldo (RS), completaram o quadro das unidades equipadas com o M-108. Cada grupamento foi estruturado em baterias de tiro compostas, em média, por seis viaturas M-108, organizadas para assegurar mobilidade, flexibilidade e alta capacidade de apoio de fogo em operações de campanha. A concentração de três dos quatro grupamentos na Região Sul do país refletia as considerações estratégicas, dada a rivalidade histórica com a Argentina, então considerada um potencial adversário regional.
Além das unidades operacionais, duas viaturas M-108 foram designadas à Escola de Material Bélico (EsMB), no Rio de Janeiro, com a finalidade de servir ao treinamento técnico e à formação de artilheiros, mecânicos e especialistas em manutenção, assegurando a capacitação do pessoal em todos os níveis operacionais do novo sistema. A adoção das Viaturas Blindadas de Combate Obuseiro Autopropulsado (VBCOAP) M-108 representou um salto qualitativo na doutrina da Artilharia de Campanha brasileira, introduzindo uma inédita combinação de mobilidade tática, proteção blindada e rapidez de resposta. O canhão M-103 de 105 mm, com tubo de 30 calibres, proporcionava cadência de tiro de até 10 disparos por minuto em rajadas curtas e cerca de 3 disparos por minuto em fogo sustentado. Seu alcance máximo de 11,5 km, utilizando munição HE (High Explosive), era plenamente adequado para missões de apoio de fogo próximo e interdição de áreas. A munição HE, com massa aproximada de 15 kg por projétil, era armazenada em quantidade limitada no interior do M-108 — cerca de 86 disparos, conforme a configuração interna da viatura. Essa limitação impunha dependência logística significativa para reabastecimento durante operações prolongadas. A ausência, naquele período, de um veículo transportador blindado de munições — como o M-992 Field Artillery Ammunition Support Vehicle, empregado nos Estados Unidos — constituía uma vulnerabilidade logística importante. Em consequência, as baterias autopropulsadas brasileiras dependiam de caminhões de apoio para o transporte de projéteis e cargas propelentes, o que expunha as linhas de suprimento a riscos em ambientes operacionais hostis, exigindo planejamento logístico rigoroso e a adoção de escoltas de segurança. Embora o Brasil tenha recebido munições de 105 mm como parte do Military Assistance Program (MAP) na década de 1970, a produção local de munições foi gradualmente desenvolvida pela indústria de defesa brasileira, especialmente pela Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil). A Imbel fabrica munições de 105 mm, incluindo HE e de treinamento, garantindo autossuficiência parcial e reduzindo a dependência de importações. O fornecimento inicial de munições HE com o M-108 foi complementado por aquisições posteriores de outros tipos, como iluminantes e de fumaça, para atender às necessidades operacionais. Os M-108 VBC OAP ao longo dos anos prestariam excelentes serviços, no entanto a partir de meados da década de 1970, o Exército Brasileiro começaria a enfrentar dificuldades na gestão do fluxo de peças de reposição, mais notadamente os componentes críticos do Detroit Diesel 8V71T, resultando nos primeiros problemas de disponibilidade da frota. Este cenário seria agravado a partir de março de 1977 após o rompimento do Acordo Militar Brasil - Estados Unidos, com este evento determinaria a interrupção de toda financeira e linhas de abastecimentos de peças de reposição para os veículos militares em uso nas Forças Armadas Brasileiras, com o Exército Brasileiro sendo profundamente afetado, e por consequência a frota dos obuseiros autopropulsados M-108 VBC OAP. Buscando restaurar a capacidade operacional destes veículos, seriam desenvolvidos estudos para nacionalização do maior índice possível de componentes críticos, este processo se materializaria em um programa de modernização proposto pela empresa paulista Motopeças S/A. Neste escopo, a principal alteração consistia na remoção do motor de origem norte-americana, e sua substituição por um motor nacional fabricado pela Scania do modelo DS-14 com 385 cv. Esta mudança implicaria em alterações, que foram aplicadas no sistema de acionamento dos ventiladores de arrefecimento, que passou a ser feito por correias, no lugar do caro e complicado sistema de transmissão angular. Outros itens críticos foram também nacionalizados neste processo.
Este programa trouxe aos M-108 VBC OAP um conjunto motriz de robustez superior ao original, resultando em uma maior vida útil, reduzindo muito os custos de manutenção e as frequentes paradas para reparo, prolongado a vida do veículo. Esse processo demandou não apenas expertise técnica, mas também a colaboração entre militares e engenheiros civis, que trabalharam incansavelmente para adaptar o M-108 VBC OAP às realidades brasileiras. No final da década de 1980, o Exército Brasileiro lançou o programa Força Terrestre 90 (FT-90), uma iniciativa visionária do Estado-Maior do Exército (EME) para modernizar suas estruturas, equipamentos e doutrinas, com especial atenção à arma blindada. Inspirado pela necessidade de superar a obsolescência de seus sistemas e preparar a Força Terrestre para os desafios de um novo século, o FT-90 marcou o início de uma transformação que redefiniu a artilharia autopropulsada brasileira. O FT-90 priorizou a modernização da cavalaria blindada e da artilharia, reconhecendo a importância estratégica dessas armas em um contexto geopolítico marcado pela rivalidade com a Argentina e pela crescente relevância da Amazônia. Um marco significativo ocorreu em 1999, quando o Exército incorporou 37 obuseiros autopropulsados M109A3, adquiridos como parte do programa. Pela primeira vez, a Artilharia de Campanha Autopropulsada do Brasil tornou-se completa, combinando peças de 105 mm (M-108) e 155 mm (M-109A3), oferecendo maior poder de fogo e flexibilidade tática. A introdução do M-109A3VBC OAP representou um salto qualitativo. Com um canhão de 155 mm capaz de atingir até 18 km com munição convencional e maior capacidade de armazenamento de projéteis, o M-109 complementava o M-108, que, embora confiável, começava a mostrar sinais de obsolescência. A partir de 2013, o Exército intensificou esforços para substituir o M-108 VBC OAP , culminando na celebração de um contrato sob o programa Foreign Military Sales (FMS) para a aquisição e modernização de um lote de obuseiros M-109A5VBC OAP . As primeiras viaturas novas começaram a ser recebidas em 2016, iniciando um processo gradual de substituição. A frota remanescente de M-108 VBC OAP foi concentrada nos 3º e 22º Grupamentos de Artilharia de Campanha Autopropulsados, sediados na região Sul. Em 29 de março de 2017, o Exército Brasileiro formalizou a desativação do M-108 VBC OAP por meio da Portaria nº 193-EME. Os últimos disparos operacionais ocorreram em 11 de setembro de 2019, realizados pelo 3º GAC Ap em Uruguaiana (RS). Logo a seguir o Parque Regional de Manutenção da 5ª Região Militar (PqRMM/5) liderou um programa inovador para transformar alguns M-108 em viaturas especializadas de transporte e reabastecimento de munição, uma solução que prometia conferir mobilidade tática e proteção blindada às unidades de artilharia. Um protótipo foi desenvolvido e testado, apresentando resultados promissores. No entanto, em 2018, o projeto foi interrompido com a aquisição de 40 Viaturas Blindadas de Transporte Especial Remuniciadora (VBTE Rem) M992A2 FAASV, projetado especificamente para reabastecer obuseiros de 155 mm. O destino dos M-108 brasileiros ganhou um capítulo inesperado em 2019, quando o Ministério da Defesa do Uruguai expressou interesse em adquirir as viaturas remanescentes. Após negociações, o Congresso Nacional brasileiro aprovou, em 4 de agosto de 2022, a doação de dez M-108, acompanhados de peças de reposição.Em Escala.
Para representar o M-108 VBC OAP "EB12-912" pertencente ao 3º Grupamento de Artilharia de Campanha Autopropulsado (3º GAC AP) com fidelidade, foi utilizado o único kit disponível na escala 1:35, fabricado pela Italeri. Esse modelo, projetado com detalhes precisos, captura a essência do M-108 tal como operado pelo Exército Brasileiro, dispensando a necessidade de modificações significativas, podendo a montagem ser feita no modo "out of the box". A personalização do modelo foi alcançada com a aplicação de decais do conjunto "Veículos Militares Brasileiros 1944-1982", produzido pela Eletric Products. 

O esquema de cores adotado pelo Exército Brasileiro desde a Segunda Guerra Mundial, e mantido até dezembro de 1982, baseava-se em um padrão monocromático de verde-oliva, frequentemente associado ao Federal Standard (FS) 34087, um tom escuro e fosco projetado para camuflagem em ambientes variados, como florestas, campos e áreas urbanas. Em 1982, o Exército Brasileiro introduziu um novo padrão de pintura tático em dois tons, com todos os M-108 VBC OAP passando a partir do ano seguinte a ostentar este esquema.
Bibliografia
- Blindados no Brasil - Um Longo e Árduo Aprendizado - Volume I , por Expedito Carlos Stephani Bastos
- Blindados no Brasil - Um Longo e Árduo Aprendizado - Volume II , por Expedito Carlos Stephani Bastos
- M108 105 mm Self-Propelled Howitzer http://www.military-today.com/artillery/m108.htm
- M108 Howitzer – Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/M108_howitzer




